Quem tem boa memória não se esqueceu dos vitupérios governamentais contra alguns PMs que falharam em ações isoladas, vociferações, aliás, que repercutiram negativamente no ânimo geral da tropa. Por coincidência, a mais grave das ações desastrosas (a trágica morte de uma criança) deu-se com PMs do mesmo batalhão aplaudido na última semana devido a sua precisa intervenção em assalto com refém, desta vez, porém, intervindo o próprio comandante, um tenente-coronel PM bopeano, com o concurso de outros oficiais e praças e do atirador de escol a desferir o tiro fatal contra o meliante.
O bandido pagou com a morte a audácia de atentar contra a vida alheia. Aplausos, sim!... Mas é de se imaginar como estaria hoje a opinião pública se o tiro atingisse pessoa errada, no caso a vítima, como ocorreu no malfadado episódio do ônibus 174; ou então matasse o bandido, mas ferindo de morte algum transeunte ou mesmo um PM, já que a bala não se alojou na cabeça do atingido e seguiu seu rumo furando inclusive um portão.
Muito bem, houve a precisão, mas também a sorte de a história acontecer numa área em que o comandante é “Caveira” e trazia em suas algibeiras o atirador de escol e seu tiro salvador da refém e da pátria. Ah, se ele erra!... Ah, se a granada explode!... Por essa hora, os vitupérios já estariam sendo vociferados por todas as bocas governamentais e midiáticas; cabeças já teriam rolado e o tempo estaria fervente numa semana em que até futricas sobre a saída do novo comandante-geral o obrigou a desmenti-las publicamente. Portanto, – e como gato escaldado tem medo de água fria, – prefiro relevar a reação governamental meio frustrada e mui forçosamente “isenta”. O resultado talvez lhe haja sido decepcionante. Esvaziou seu indefectível e eloquente discurso crítico; não lhe permitiu vociferar decorados vitupérios como rajada de metralhadora a se abater sobre uma tropa que ele, na verdade, demonstra bem mais odiar que amar. A recíproca lhe é verdadeira!...
Eis o que me faz pensar no outro lado da moeda: na falha que não houve. Talvez porque, desta feita, a decisão estava com a pessoa certa, em momento e lugar ideais, o que nem sempre acontece. E se ocorresse em lugar errado e tivesse à frente um comandante nem tão experimentado como o insigne tenente-coronel do 6º BPM? E se não houvesse nenhum atirador de escol ou se ele errasse o tiro? E se tudo acontecesse apenas em presença de guarnição normal de rua, sem tempo para acionar o dispositivo que se viu no caso em questão?...
É claro que a tecnicamente perfeita e sortuda ação policial merece a suíte que a mídia propõe. Não morreu nenhuma criança; a empresária safou-se íntegra. Enfim, o inverso do que houve ali por perto em tempos recentes: uma tragédia para a família da criança absurdamente morta e para a família dos azarados (ou assustados, ou despreparados) PMs que a mataram em erro de avaliação drástico. Supondo-se que estavam despreparados, de quem é a culpa?... Supondo-se que estavam assustados, de quem á a culpa?... Quanto ao azar... Bem, talvez o azar tenha sido o de abraçar profissão errada ou mal treinada... Porque é certo que não se faz um atirador de escol da noite para o dia, nem se faz um atirador comum do dia para a noite; em ambos os casos, o treinamento há de ser sistemático. Será que é assim durante a carreira do PM? A resposta é não!
Os rigores da profissão são extremos. Não há tempo disponível para o treino sistemático ou para a reciclagem periódica. Não há força de reserva, esta que poderia ser submetida à treinagem em rodízio permanente da tropa. A verdade é que não há tempo nem para os PMs cuidarem da saúde. Os hospitais da corporação andam lotados de inativos precocemente adoentados e de poucos ativos que só comparecem feridos à bala ou por acidentes de carro. Afora esses casos extremos, PM que se preza não dá com seus costados em hospitais ou policlínicas; não lhe há tempo para essas “futilidades”, o serviço e o bico o esperam. A falta de tempo do PM é de tal monta que o atual comandante-geral vem encetando louvável esforço para, pelo menos, permitir-lhe cumprir seus cursos de confirmação de divisa e outros essenciais à carreira. Tudo às pressas...
O passado mal administrado sobrepesa o presente, sim, mas “o tempo não para”, como disse o poeta-cantor. Daí é que uma nova fornada de recrutas ingressa esta semana no CEFAP, em repetição da miraculosa solução a sugerir um novo rebanho destinado ao sacrifício tal como o cordeiro ou o filho de Abraão: mais policiamento nas ruas... Bom momento para algum pesquisador individualizar os jovens voluntários e acompanhar uns cinco anos de suas carreiras, observando cada descarte e seus motivos. E providenciar o mesmo em fornadas seguintes. Qual será a conclusão ao fim e ao cabo? Ah, isto não interessa à sociedade! Muito menos à instituição, porque talvez aí esteja a raiz do problema, ou seja, um presente idêntico ao passado e sugerindo um mesmo futuro, sempre, é claro, dependente das ironias do destino...
Um comentário:
O fio entre herói e vilão é muito tênue!
Ao ver a libertação da refém, as vidas intactas do comandante e seu subordinado que negociavam com o bandido e o final feliz, me senti extremamente orgulhosa de morar na Tijuca, do meu batalhão e dois dois "caveiras"!
Nem todos da sociedade estão deixando de se importar com os policiais recém ingressados e com toda a tropa,já que para tudo há exceções, como esta aqui que vos fala, que acompanha sempre tudo o que acontece na polícia e o que passam os policiais no seu dia-a -dia, seus anseios e sua angústias!Torcendo sempre e fazendo o que posso para estar ao lado daqueles que são íntegros, tem sangue azul nas veias e merecem respeito, agradecimento e apoio...
Abs,
Rose
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