domingo, 30 de agosto de 2009

Sobre a reunião dos Treme-Terras


Ao meu compadre Cel Jorge da Silva


Estou viajando pelas primeiras páginas de um livro de Neiva Vieira da Cunha, emérita Professora da UERJ, Bacharel em Ciências Sociais, Mestre em Sociologia e Doutora em Antropologia, dispensando-se maiores apresentações. O conteúdo, – intitulado “Viagem, Experiência e Memória: Narrativas de profissionais da saúde pública dos anos 30”, – foi premiado no “Concurso EDUSC-ANPOCS, Edição 2004, Área: Antropologia”. A Professora Neiva conta a saga de “os empalhados”, epíteto, segundo ela, criado por sanitaristas aposentados depois de longos anos percorrendo o Brasil com o escopo de mapear e erradicar endemias como a malária, a peste, a febre amarela, e outras como o tracoma, o bócio, a doença de Chagas, a esquistossomose, a bouba etc. Sublinhando Strauss, a autora revela a importância da “vinculação indissolúvel entre o nome e a auto-imagem que se pretende construir”.
Ela narra com entusiasmo e perícia a junção harmoniosa de médicos sanitaristas e funcionários administrativos do Departamento Nacional de Saúde que igualmente mereceram o honroso título (sanitarista). Segundo a autora, o movimento toma força a partir dos anos 30, projetando-se num tempo além da inatividade do grupo. Os indivíduos formadores do grupo, – como eu pude inferir, – estavam unidos por laços psicológicos fortíssimos, em vista de objetivos comuns, meritórios, e não seria demais afirmá-los altruísticos. Em vez de disputas internas, essas pessoas se uniram e atuaram contra as doenças endêmicas, mantendo-se em labor além de suas aposentadorias – um sacerdócio. Com efeito, “os empalhados” não saíram do campo de batalha; em contrário, mantiveram-se unidos além do seu tempo obrigatório.
Sob a ótica da Psicologia Social, não é leviano afirmar que estamos ante um autêntico “grupo psicológico” em todas as suas nuances, em especial quanto à coesão do pensamento servindo como mola propulsora da ação coletiva desses nobilíssimos agentes públicos; muitos deles eram médicos que poderiam estar acomodados em outras especialidades até melhor remuneradas. Preferiram, porém, lutar ao máximo em favor do povoléu nos recantos mais longínquos do nosso torrão natal.
Trago o exemplo para reforçar meu desânimo quando me vejo “des”integrado ao grupo PM, muito diferente do outro que aponto em comparação. Por outro lado, talvez eu seja impelido à rendição ante seu argumento sábio, se aqui fixar como “grupo psicológico” um conjunto de indivíduos PM que me cabe na palma da mão. Mas incorrerei numa falha em relação ao objeto desse pequeno grupamento de PMs concebido em otimismo, porque é certo que a dispersão de alvos entre eles, na nossa profissão, decerto ocorrerá, diferentemente dos sanitaristas. Quiçá em momentos de combate, – com o risco da morte pairando como ameaça indistinta contra um ou mais desse grupo, – quiçá predomine o objetivo comum da sobrevivência unindo cada integrante. Afora tal situação, outra não vislumbro como factível.
É claro que eu gostaria de ser tomado pelo otimismo, tornando-me Cândido ou Pangloss com as graças do iluminista... Isto porque me rendo aos argumentos do meu compadre, amigo e mestre quanto às dissidências “universitárias”. Afinal eu sei, – por doer em minha própria carne, – como as ideologias movem alguns academistas que se autodenominam “acadêmicos” porque conquistaram o título ao modo denunciado por Tomazio Aguirre (“Academicismo: o cemitério das palavras mortas”). Afinal, amigo, fui vitimado por um desses “doutores”. Mas creio que um exemplo não exclui, explica ou justifica o outro, apenas o reforça.
Retorno à ilustre Doutora e Professora Neiva Vieira da Cunha, que se arrisca a transformar sua premiada pesquisa numa narração literária típica da mais lídima “Jornada do Escritor”. Pois a história de vida em grupo que ela garimpou motivou-a a empolgar o leitor. Não há como deixar o livro depois de lhe começar a ler as páginas. Trata-se de eletrizante aventura e decerto cumprirá a finalidade de servir como exemplo aos novos e futuros sanitaristas, demais de pesquisadores do meio acadêmico.
Na verdade, se já antes eu via com invencível pessimismo as relações internas na PMERJ, vejo-as agora, em comparação com “os empalhados”, piores ainda, embora eu reconheça o valor das amizades pessoais, que, felizmente, vêm vencendo muitas barreiras e desestimulando a formação de facções. Porque na corporação existem, sim, facções, não existem “grupos psicológicos”, com todo o respeito que o meu eterno mestre merece de mim. Por outro lado, não deixei de manifestar no meu pessimista artigo os afetos que igualmente observei na reunião dos “treme-terras” (com aspas porque, diferentemente de “os empalhados”, não somos protagonistas do histórico epíteto).
Houve afetos, sim! E admiração, tal como ressaltei no meu artigo ao sublinhar o Cel PM Milto D’Ornelas Moreno, o que eu não o faria em relação a outros tantos que lá estavam, e até ocuparam altos cargos na PMERJ, mas os personalizaram de tal modo que ainda se sentem donos deles. Sim, querido amigo, compadre e mestre, em alguns casos, como disse o mestre de nós ambos Joaquim Maria Machado de Assis: “O alferes eliminou o homem.”

Obrigado pelo comentário. Respondo neste espaço maior devido à sua importância e à minha invencível prolixidade.

Emir

4 comentários:

Anônimo disse...

Prezado amigo Larangeira.
Li com atenção seus comentários sobre a reunião "Treme-Terra"e concordo com a maioria das coisas ditas, pois evidentemente tivemos experiências diferentes em nossa vida profissional. Por exemplo, não levei minha esposa por não acreditar que todos o fariam e pudesse deixá-la em situação de constrangimento; afinal, minha turma, composta de apenas sete membros vivos, nunca conseguiu reunir-se. Minhas lembranças se resumem aos melhores momentos de minha época de cavalaria, já que muitos momentos ruins existiram. Fui um POLICIAL MILITAR que se orgulhou de vestir aquela farda e que a honrou e honrará até o último minuto de minha, mas existência, mas saudades... hummmmmmmm, muito pouco. Orgulho de identificar-me hoje como membro da Corporação, nenhum... sinto é muita vergonha por tudo que constato hoje em dia... vc tem razão sobre aqueles q passam a vida de luvas brancas, como porteiros servis daqueles que lhe podem trazer alguma vantagem e que ao conquistarem o "TRONO", nos enchem de vergonha... para nós q estamos de fora, constitui-se em verdadeiro assombro saber q determinados "nomes"são indicados e, pior, assumem os destinos de uma instituição de tão gloriosas tradições enxovalhando-lhe a história centenária. Meu amigo, estou hoje em outra sintonia, tratando com afinco de minha destinação cósmica, preparando, de acordo com minhas convicções espiritualistas, um futuro de paz, de felicidade e de luz interior, o que não alcançarei se estiver envolvido pelas vibrações negativas que são emanadas pelas fontes a que estamos expostos. Estive e estarei sempre presente, como companheiro leal, nas reuniões q forem programadas, unindo-me nos sentimentos de emoção de rever alguns verdadeiros amigos, de ver a maioria esmagadora emocionada pelo canto de nossa canção ou simplesmente relembrar passagens sem maior importância de nossas vidas em comum. Não sei se vc vai ler tudo isto, mas teria muito a dizer e de forma mais específica e completa... acontece q sou um zero à esquerda neste monstrinho chamado computador e não sei se estou adotando o procedimento correto... manteremos contato. Um forte abraço deste Treme-Terra de quatro costados.

Marcos

Obs.: não sei como se responde no blog e por isto minha mulher me ajudou a fazê-lo por aqui... se interessar reenvie isto para Jorge e me responda dizendo se recebeu ou não e se quiser, seus comentários.

(Cel Jorge Marcos Pereira)

Anônimo disse...

O APEGO AO PODER

A relação do homem com o poder remonta à fundação da cidade-Estado
Autor de “Calendário do Poder”

Uma das características do poder é imantar em muitos que o ocupam a pretensão de nele se perpetuar. Nada mais trágico para tais pessoas do que sua perda: ficam com baixa autoestima, sentem-se abandonadas, lamentam a perda de privilégios e mordomias.

Daí o empenho de tantos para se perpetuarem no poder. Ao se defender no Senado, Sarney gabou-se de estar nele há 55 anos!

A questão do poder desponta com o surgimento da cidade-Estado, no início do IV milênio a.C. É quando o ser humano se desprende do ciclo da natureza.

Já não funda sua identidade nos vínculos comunitários da sociedade agrária. Sua consciência se personaliza, ele se torna senhor do próprio destino, livre das mutações ecológicas que antes criavam nele a sensação de fatalidade.

A fundação da cidade-Estado, ao inverter a relação que o ser humano tinha com a natureza, o faz perceber que não é mais ele que deve se adaptar às condições dela, mas é ela que deve se submeter às suas vontades.
Antes, deuses atuavam movidos por forças obscuras que escapavam do controle humano. Agora, são vistos como fundamento e reflexo da hierarquia que caracteriza a cidade-Estado. O rei é mediador entre as ordens celestial e terrena. Interfere, não apenas na natureza, mas também na história.

Embora seja revestido de sacralidade, as leis que promulga são obra humana, suscetível de limitações e erros. E a morte passa a ser encarada pela ótica da tragédia.

O poder pode tudo, exceto evitar que poderosos sejam “derrubados de seus tronos e, pela morte, despedidos com as mãos vazias”, como canta Maria no Magnificat.


São Lucas Capítulo 1 vessículos de 46 a 56

"Minha alma proclama a grandeza do Senhor, meu espírito se alegra em Deus meu salvador, porque olhou para a humilhação de sua serva.

Doravante todas as gerações me felicitarão, porque o Todo Poderoso realizou grandes obras em meu favor: seu nome é santo, e sua misericórdia chega aos que o temem, de geração em geração.

Ele realizará proezas com seu braço: dispersa os soberbos de coração, derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; aos famintos enche de bens, e despede os ricos de mãos vazias.

Socorre Israel, seu servo, lembrando-se de sua misericórdia, - conforme prometera aos nossos pais - em favor de Abraão e de sua descendência para sempre."

"É necessário usar ciência e a arte de formar cidadãos conscientes, saudáveis e equilibrados nos seus atos pessoais e sociais".
Existem pessoas que buscam o poder coercitivo, que é um mecanismo doentio, sob o ponto de vista psicológico".
A ânsia de poder neste caso não se origina da força, mas da fraqueza. Ela é expressão da incapacidade do eu individual para ficar sozinho e viver. É um esforço desesperado para conseguir força simulada quando se tem falta de força autêntica. O oposto do poder neurótico e manipulador não é a ausência de poder e de liderança, mas o poder solidário, a estrutura que se organiza para facilitar a ajuda mútua..."


Soldado raso

Anônimo disse...

Os “ empalhados”e os contendedores

Meu caro,
Talvez, com pequeníssimas bolhas na mão, o posicionamento defectível não esteja nas pessoas, elas são levadas a agirem de acordo com o sistema, talvez até por necessidade de sobrevivência, sem querer ir muito além, e por uma questão de sustentação vê seu companheiro como constante adversário. Talvez, não sei se possível, a paixão pela bandeira possa lubrificar as superfícies em atrição.
A Imagem do nosso contendedor na sociedade é tão disforme que qualquer movimento no labor de sua aposentadoria soaria como, no mínimo, milícia, e ao contrário, entendido como um grupo de tortura psicológica.
Quanto ao desânimo amigo, ele sempre está presente em algum momento diante de qualquer obstáculo a ser superado, porém, sem eles como iríamos nos conhecer? Nestes dois incansáveis anos já até desanimei por vezes, foram várias barreira consideradas intransponíveis, mas como afirmei anteriormente ainda preciso me conhecer melhor.
A Sociedade Treme Terra, discordo do amigo, não tem ainda definido um grande objetivo e sim o seu principal, falta-nos ainda surgir aquele que nos levará ao ápice, ao verdadeiro reconhecimento, a interação já iniciamos. A necessidade de sua criação, também questionada, surgiu por amor ao título e a sua sobrevivência dependerá da dissolução dos grupos e /ou facções que mesmo após o labor da aposentadoria, gostei do uso, resistam ao lubrificante.
Caro companheiro, pelo amor da idéia posso lhe afirmar com todas as letras, mesmo que só, mesmo que sem o grande objetivo, mesmo que o último exista por abandono, estarei ao menos conduzindo o adesivo do Treme Terra.

Cel Furtado

Marcia disse...

Gostaria de parabenizar os comentarios do coronel Jorge Marcos Pereira..realmente cem porcentos realidade....
Atenciosamente
Marcia Maria Freitas(S.J.M.)