segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O novo estatuto da PMERJ V


A PMERJ e suas leis


Talvez muitos não concordem com a minha insistência, mas a meu ver o assunto é prioritário, daí a série de artigos que venho produzindo e postando no meu blog. Entendo que a mudança do corpo de legislação da PMERJ é o único meio de produzir comportamentos saudáveis nos quartéis e nas ruas. Mas esse objetivo geral exige da estrutura institucional um alicerce legítimo e legal que a sustente com firmeza. Não é tarefa simples. Reformar o alicerce de um edifício social que já existe faz dois séculos e recebeu muitos abalos ao longo dos últimos anos não é o mesmo que iniciar uma obra nova pela fundação.
Depois da construção acabada (abalada pela transferência da Capital para Brasília e pela Fusão da GB com o RJ), reformá-la é labor complexo de engenharia, não que seja impossível executá-lo, embora implique esforço hercúleo a restauração de edifício antigo a partir do alicerce. A PMERJ é esse edifício social grandioso, de muitos andares, de escadas exaustivas e elevadores cansados. Deste modo, há de se examinar cada detalhe, cada rachadura, cada infiltração, as reais condições da rede elétrica, enfim, cada falha estrutural por meio de diagnósticos profundos e cálculos engenhosos a projetar a eficiência da obra para alcançar com eficácia aquele objetivo geral. Enfim, quanto mais abordagens críticas houver, quanto maior for o número de diagnósticos acurados, mais próximos chegaremos do ideal. Comecemos, pois, pela Carta Magna de 1988, alicerce histórico da mudança conjuntural e estrutural do país...
Desde a Constituinte, promulgada em 1988, discute-se internamente o que se deve mudar na legislação da PMERJ, mormente no seu Estatuto (Lei 443/81). Na verdade, a Carta Magna deixa-nos em dúvida, porque há nela uma faceta jurídica de pouco alcance para os leigos: distinguir o que é dispositivo de “eficácia plena” ou de “eficácia contida”. No primeiro caso, subentende-se que o texto constitucional é auto-suficiente; no segundo, dependeria de regulamentação posterior. A questão é complexa e exige conhecimento profundo do direito pátrio, o que não se encaixa no perfil cultural do PM, salvo exceções. Mas, com ou sem Constituinte, nunca uma lei (Estatuto) foi tão manipulada na história da PMERJ. O casuísmo tem sido a marca registrada de comandos e governos, e basta beneficiar um lado para emergir a contrapartida prejudicial ao seu oposto. Isto é inevitável neste nosso mundo de contrastes...
A culpa, porém, é toda nossa, porquanto gerações e mais gerações de oficiais superiores gravitaram no poder da corporação desde 1988 (20 anos) e ninguém se propôs a escrever um Estatuto adequado ao “Estado Democrático de Direito”. Aliás, igual crítica cabe aos responsáveis pela legislação federal referente às Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares: eles vêm fazendo o mesmo com a legislação destinada aos militares estaduais: remendo de retalho novo em pano velho. Contudo, o desleixo federal não justifica o descaso estadual. Afinal, nós podemos reescrever nossas leis, especialmente as que cuidam, — e muito mal, — de nossas diversificadas carreiras, com a ressalva do absurdo que se vê na carreira médica. Sim, sim, reitero neste artigo que a PMERJ comete a imprudência ou a impudência de comparar especialistas diferentes para lançar juízos de valor subjetivos e promover alguém em prejuízo de outrem igualmente merecedor. Ora, como pode haver comparação equânime entre um ginecologista e um ortopedista? São ambos médicos, sim, mas não podem ser avaliados em suas especialidades geralmente cumpridas com o rigor técnico requerido. Mas eles são comparados entre si, e a presunção é a de que o “mais querido” (em linguagem machadiana, o mais “metediço e dobradiço”) será sempre o escolhido, já que outro critério não nos cabe considerar.
O mesmo ocorre com os demais quadros, que são mobilizados para promoção em máxima insanidade, formando-se castas e facções em detrimento do real valor de cada concorrente. Aliás, basta haver uma listagem qualquer de promoção para que a subjetividade tome corpo como um monstro a devorar sua presa inerte e inerme. Esse monstro — em apertada alegoria e sem querer ofender ninguém — é o colegiado denominado “Comissão de Promoções”, tanto faz que de praças, que de oficiais, que de médicos, que de... Pois todas as comissões cultuam a injustiça por culpa da legislação draconiana que as amparam: ao privilegiar “o melhor”, discrimina-se “o pior”, e assim sucessivamente a corporação vai tocando o seu barco sem rumo.
Com efeito, os critérios subjetivos das leis de promoção e disciplinar fazem da PMERJ uma ópera bufa, transformam-na numa “torre de babel”, com decisões calcadas no bom ou no mau humor de quem manda. Curioso é que a “febre legiferante”, mui bem denunciada em editorial do Jornal O Globo, de 17/02/2008, não afetou a PMERJ. Muito ao contrário, a “maldita tradição” se impõe como obstáculo intransponível: não se muda lei alguma, e a tropa segue como nau à deriva, sem norte ou sorte. Demais disso, a corporação nada faz nem para divulgar sua péssima legislação no seio da tropa, o que talvez propiciasse a oportunidade de sugestões e de pressões para mudá-la. Fica tudo na base do diz-que-diz — vertical e horizontal —, em bizantinice aquartelada e lacrada a sete baionetas de Fuzil Ordinário fabricado em 1908. Sim, leis antiquadas, tão antiquadas que deveriam estar em museu junto com quem as defende.
Ora bem, quando falo de leis antiquadas, refiro-me a todas elas, incluindo-se decretos, regulamentos etc. Mas, em apertada síntese, poderíamos sublinhar o Estatuto, a lei de fixação do efetivo (sempre mal reformulada e casuística), a lei de promoção de praças, a lei de promoção de oficiais, os regulamentos disciplinares, administrativos e operacionais, os conselhos de justificação, de disciplina e de revisão disciplinar, demais de outros instrumentos legais que não funcionam como subsistemas de um só sistema norteador de tudo: o Estatuto, que deve ser reformulado e gravado como Lei Complementar. Sim, pois o Estatuto é ou deveria ser a nossa Lei Orgânica, na qual os direitos e deveres ajustados ao imperativo constitucional seriam desdobrados em Leis Ordinárias e Decretos submissos à Lei Maior e àquele velame da nau chamada PMERJ: o Estatuto. Claro que assim todas as normas, instruções e ordens administrativas e operacionais navegariam em ventos ideais e norte seguro. Por que então não reconstruir o nosso edifício social para o bem-estar do PM e da sociedade? Por que não reformar o velho barco?... Ou será que esperaremos passivamente o nosso edifício ruir ou o nosso barco naufragar?

Um comentário:

Anônimo disse...

Meu coronel, belo artigo.
abraços Franklin.