quinta-feira, 17 de maio de 2018

RJ - A IRRACIONALIDADE DA HIERARQUIA E DISCIPLINA NO MILITARISMO ESTADUAL


“Vede os pequenos tiranos
Que mandam mais que o Rei
Onde a fonte de ouro corre
Apodrece a flor da lei.”
(Cecília Meireles)

Não posso dizer que seja regra, desconheço como funciona o rigor disciplinar nas demais Polícias Militares pátrias, e talvez no RJ seja tudo diferente em razão dos atropelos que marcaram e ainda marcam negativamente a história da atual PMERJ. Afinal, desde o seu processo de criação pelo Príncipe Regente Dom João VI, em 13 de maio de 1809, que merece ser aqui resumido pelas palavras de Ruy Tapioca, - Historiador e Romancista, Prêmio Jabuti de Literatura com seu romance República dos Bugres, - a instituição vem sendo abalroada por transformações inesperadas e tumultuosas. Disse Ruy Tapioca em grossa ironia:

“Na contrapartida do chafariz e da fonte, e como desgraça pouca é besteira, aforismo cunhado pelos nativos da terra, Dom João foi servido baixar, na rabeira daquela aluvião de tributos, um decreto criando uma guarda real de PM para a cidade, em face do crescido número de desordens públicas, gatunagens, incêndios, contrabandos e crimes de espécies diversas, que andam a ocorrer, cotidianamente, nesta mui leal e heroica São Sebastião do Rio de Janeiro.” (Tapioca, Ruy - República dos Bugres - Rocco)

Como se vê, a pouca importância dada ao ato de criação da primeira briosa talvez responda em parte pelo que acontece hoje intramuros de seus quartéis, malgrado o empenho frenético de muitas gerações que se vêm sucedendo no labor policial militar ao longo desses 209 anos, empenho agora depreciado em vista da pouca importância dada pelo desgoverno plutocrata do Temer a esta esquisita Intervenção Federal.

No fim de contas, não se havia previsto que a “zero um” das briosas fosse tão absurdamente mexida e remexida em sua estrutura por maus políticos, estes que, principalmente a partir de um só mineiro possivelmente avesso a um Distrito Federal banhado pela esplendorosa baía de Guanabara, - e por inveja de suas belas praias, ausentes na sua dele Minas Gerais, - os maus políticos deliberaram gastar uma fortuna do erário público nacional para transferir a Capital do Brasil para o Planalto Central, como se a ciência e a tecnologia que aproximavam os povos no planeta Terra fossem retrogradar aos tempos das Carruagens e se vissem incapazes de cobrir as pequenas distâncias brasileiras em modernas aeronaves.

Ora, que diferença fez transferir a Capital para um descampado hostil e deselegante, além de artificial? Que ufanismo foi aquele a indicar a disputa de poder entre o café paulista e o leite mineiro? Teria sido para evitar que São Paulo de tornasse a “Novacap”?... Hum, que houve caroço naquele angu não se há de duvidar!...

Claro que o impacto dos gastos públicos de bilhões, - quiçá trilhões de dólares, do Tesouro Nacional, para atender ao megalomaníaco médico mineiro, que, por má sorte, era PM (mais uma “meganhada”), - o impacto dos gastos públicos se fez e se faz sentir e se ressentir no pedaço de chão que passou a se chamar “Estado da Guanabara”, este, original habitat da Corte Monárquica e Imperial e da República), o Distrito Federal (tudo acontecia aqui), com a agravante de uma fusão que lhe deu pouca e desmoralizante vida social e econômica.

Ora, se não houvesse o leite vencendo o café nas urnas de nossa discutível democracia, o Distrito Federal, onde originalmente estava, teria se tornado hoje um “eldorado” em urbanização, embelezamento, desfavelamento, despoluição aquática, visual e aérea, para alegria de todos os cariocas e fluminenses e tristeza dos mineiros que não gostam de paulistas. Ah, nesta contenda de poder entre jogadores políticos paulistas e mineiros o espaço atualmente ocupado pelo RJ não passou de “bola”.

Reduzindo esta história mal contada, porém defendida por tudo que é ladrão de casaca da política e da mídia, restou atualmente um Estado-membro reduzido ao extremo da miserabilidade e da ingovernabilidade. Porque, ao optar por um local aparentemente “neutro”, o esperto mineiro, decerto representando interesses econômicos cafeeiros e leiteiros, assumiu heroicamente a decisão num ar de “neutralidade” a falsear a dura realidade dum esvaziamento que se poderia designar como absurdo. Mais ainda absurdo se comparada a decisão política daqui com a de outros países sérios que transferiram suas capitais, mas garantiram decentemente a economia dos locais esvaziados, tudo adrede planejado e aprovado pelas sociedades envolvidas na decisão, somo sói serem as coisas numa autêntica democracia.

Faço a digressão, na verdade, para justificar o imbróglio de hoje, cuja culpa não pertence a ninguém mais que à História, imutável, por sinal, porque é impossível desfazer o mal. De modo que assim permanecerá até que o caos total nos atinja e toda essa lambança seja removida dentro da lógica de Erich Fromm: “A calamidade é ruim para o povo, mas boa para a sociedade.” Também tento seguir a lógica de Leo Smolin, Prêmio Nobel de Física, que assim se pronunciou:

“Existem objetos como as rochas e os abridores de latas, que simplesmente existem e podem ser completamente explicados por uma lista de suas propriedades. E existem coisas que somente podem ser explicadas contando uma história. Para as coisas do segundo tipo, uma simples descrição nunca é suficiente. Uma história é a única descrição adequada para elas, porque entidades como as pessoas e as culturas não são de fato coisas, mas sim processos que se desenvolvem no tempo.” (Smolin, Leo – Três Caminhos Para a Gravidade Quântica)

Com efeito, tento aqui demonstrar que a irracionalidade particular e restrita à PMERJ se integra, como subsistema de um sistema, à irracionalidade geral que aqui descrevo como me impõe a lógica de quem sabe das coisas, em especial a de Leo Smolin. Porque não se pode descrever o cenário atual, interno e externo à PMERJ, como se se descrevesse um “abridor de latas”. No fim de contas, não lidamos com bonecos e bonecas de chumbo nem com peças de um tabuleiro de xadrez ou dama. Lidamos com seres humanos de muitas gerações, todos afetados pela “mineirada” do senhor coronel PM médico da PMMG Juscelino Kubitschek de Oliveira. Com ressalva de que, decerto, ele não agiu senão a serviço de poderosos grupos do mundo econômico e financeiro, que, paulistas e/ou mineiros, têm como pátria e bandeira nada mais que o lucro máximo da minoria em desfavor da maioria, como sempre ocorreu no Brasil e muito bem explicou o saudoso João Ubaldo Ribeiro em seu clássico “Viva o Povo Brasileiro”, ou seja, a “desgraça” aludida por Ruy Tapioca vem desde o Brasil Colônia de outrora até chegar  a esta “República dos Bruzundangas de agora.

De modo que posso agora afirmar, sem delongas, que todos fomos e somos “bonecos de chumbo”, descartáveis nesta cultura de “Casa Grande e Senzala”, o que permite a compreensão de toda a autofagia que nos destrói em benefício dos plutocratas de sempre e hoje muito bem representado por esquerdas e direitas da política. Porque, para os donos da fortuna e do poder, tanto faz que seja um extremo ou outro, ambos comem no mesmo cocho a mesma ração: sobras de corrupção generalizada que culmina com a exasperada punição disciplinar do roto guarda da esquina, que recebe uma moeda do esfarrapado, este, que está com o documento do carro vencido. E é o que basta para que a irracionalidade se propague automaticamente e ganhe as primeiras páginas como o “grande mal” do Brasil, sendo certo que a morte desse mesmo guarda, roto e esfarrapado, não figurará jamais entre as principais manchetes e muito menos se saberá do seu enterro em cova rasa. Afinal, ele não passa de “abridor de latas”, e enquanto viver será sempre e preferencialmente punido pelo carcomido sistema político, que manda no militar, e que busca desviar de si as atenções. E consegue...

Também me arrisco, com este texto, a tentar despertar os atuais mandatários do poder menor (falso poder militar estadual), que dormem com o RDPM e demais instrumentos disciplinares debaixo do travesseiro, sonhando com a retaliação que patrocinará no dia seguinte contra o seu indefeso (SEMPRE) subordinado. Esquecem-se de que serão os próximos e passarão no invariável transcorrer do tempo, dando lugar a novos vassalos do poder real que os manipula como marionetes.

Sim, é assim, já que todos pensam e agem como se fossem “abridores de lata” a amassarem “abridores de latas”. Esquecem-se de que são “Senzala” e enferrujam com o passar daquele inexorável tempo. Sim, sim, tempo que domina a todos, e lhes garante não mais que a desgraça como herança, enquanto os reais mandatários de tudo, que são poucos, transferem poder e dinheiro a seus descendentes, o que ocorre aqui e mundo afora antes e agora. De modo que...

“Que as alegres canções dos trovadores eram sufocadas pelo barulhento tilintar das armas, que as festivas passeatas com tochas eram substituídas por marchas guerreiras para os campos de batalha, e que os exuberantes jovens, no verdor da mocidade, eram chamados às armas pelo sino de guerra, para dar suas vidas pela Igreja ou pela coroa, pela honra do senhor feudal ou pelo orgulho dos brugueses.” (René de Fülöp-Miller - OS SANTOS QUE ABALARAM O MUNDO)

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