sábado, 14 de novembro de 2015

RIO EM GUERRA – A PMERJ E A MÍDIA CARIOCA – CÍRCULO VICIOSO



Charge do Jornal EXTRA

“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)

Nunca foi boa a relação da PMERJ com a mídia carioca. Lembro que na época do primeiro comando do Cel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira (1983/1986) ele manifestava preocupação quanto ao excesso de pancadaria que a briosa levava da mídia em geral. Eu trabalhava na 5ª Seção do Estado-Maior PM.5 (Relações Públicas), exatamente o setor ao qual incumbia dar respostas às indagações diárias da imprensa ante ocorrências de todos os naipes. Digo dar respostas porque quase não havia a antecipação da corporação, exceto um precário “Plantão de Notícias” que funcionava junto à Central de Operações, e que se incumbia de divulgar as boas ocorrências, porém na visão estreita da briosa e não na da imprensa, esta, que invariavelmente corria atrás de eventos do tipo “o transeunte mordeu a perna do cachorro”.

Inconformado, o Cel Cerqueira pediu socorro à UFF, e foi então lançado um ousado programa de Comunicação Social aproveitando o aniversário da corporação, que, por imposição do mais forte, ficou sendo a data de 13 de maio, em alusão à criação da Divisão Militar da Guarda Real de Polícia da Corte, no ano de 1809. Ocorre que este segmento, que antes era PMDF, fora deslocado para Brasília junto com o Distrito Federal, criando-se aqui o Estado da Guanabara, em 1960. E assim nasceu a PMEG (Polícia Militar do Estado da Guanabara), que seria extinta em 1975, por ocasião da fusão da GB com o RJ, o que fez também desaparecer a PMRJ, emergindo daí a atual PMERJ a contragosto de todos.

É bom que se sublinhe esse imbróglio para que se entenda ser a briosa uma mistura heterogênea sem solução. Quiçá daqui a cem anos as coisas sejam diferentes, as rusgas institucionais sejam esquecidas e finalmente a briosa se torne uma corporação no seu sentido mais profundo. Tal realidade do cisma, porém, passou pela cabeça do Cel Cerqueira, tanto que a equipe da UFF, ao propor um projeto de RP mais profundo e abrangente, buscou inspiração no vocábulo “corporação”, que contém as palavras “coração” e “corpo”, indicando ainda que de ambas floresceria a “ação”, igualmente contida no mágico vocábulo. Enfim, tudo muito lindo no papel e numa prática imediata que faria nascer a “Semana da PM”, evento diversificado e aparentemente emotivo tanto intramuros como extramuros. Tudo ilusão...

Porque as ocorrências diárias, muitas delas relevantes e abundantes, eis que de natureza assistencial, jamais interessaram à mídia. Já as falhas decorrentes da menor parcela de ação da briosa, que é a prevenção e a repressão ao crime, estas sim, são geradoras de notícias, geralmente ruins. E são as que ocupam as primeiras páginas dos jornais, os espaços radiofônicos e televisivos, e absorve no espírito popular uma ideia fortemente negativa cujo epicentro é a charge. Pior é que tal influência também afeta o que chamamos Público Interno, que reage mal às críticas e costuma demonstrar sua ira através da indiferença ou da violência no trato com o público. Reage, enfim, como espécie de inimigo da sociedade, recebendo desta o troco do apupo, excetuando-se as pessoas bem atendidas pela briosa nas ocorrências assistenciais, mas que não se manifestam, e se tentarem se manifestar a mídia não lhes dará a mínima. Contudo, se a mãe de um “estudante” morto na favela, porque se envolvia com o tráfico, abrir o boquirroto, sua versão se torna verdade midiática e tome pancada na briosa.

A briosa desde muito tempo abandonou as Relações Públicas de natureza profissional, como ocorreu na década de 80. De lá para cá prevalece a idiossincrasia de quem comanda por escolha política externa corporis. Parece dinastia de indivíduos bizantinos, como nos velhos tempos dos impérios e monarquias. Pois a frivolidade impera enquanto a tropa morre, e quem reclamar deixa de ser tropa e volta à vida civil, medida extrema tornada corriqueira para garantir obediência. Claro que num sistema de pressão de cima para baixo, como sói ser a briosa de hoje, a reação dos mais achatados na base da pirâmide, que são maioria e atuam nas ruas, é a de descarregar suas mágoas e iras contra o povo ainda abaixo da linha de poder por não ser Estado, mas apenas Povo. E a violência interna escapa dos quartéis, tal como a água da barragem foge por um furo sem o dedo providencial, e alcança as ruas em demonstrações de truculência adoradas pela mídia sensacionalista, que as publica como espécie de vingança, e assim sucessivamente, num círculo vicioso tendente à entropia e ao fim de tudo.

Mas a briosa se mantém viva em sua frivolidade, com seus mandatários assumindo posturas ideológicas extremistas de esquerda e anunciando a venda de quartéis, o fechamento do Colégio da PM, uma nova carreira de soldado a coronel, sepultando-se o tradicional e histórico modelo de formação e aperfeiçoamento, ou seja, um modelo tipicamente bizantino de governar. Enquanto isso, os cemitérios lotam de PMs mortos pelas mãos assassinas da acirrada, impune e incontrolável criminalidade, e os PMs ainda vivos reagem matando os que lhes vêm à frente ou à retaguarda como possíveis ameaças, tudo em cegueira absoluta, característica de qualquer tropa massificada, tipo tropa de conscritos em que predomina a quantidade mal remunerada em detrimento da qualidade bem assalariada. Sim, porque não há preocupação com o enriquecimento do trabalho humano na briosa e as soluções apontadas pelos bizantinos são para impacto midiático positivo sobre a pessoa que informa e não sobre a instituição, que não tem voz.

Este desagradável cenário de destruição física e moral é prato cheio para a mídia sensacionalista, que não poupa a briosa e produz charges como a do cartunista Leonardo, que faz sucesso na internet, mormente no Facebook, eis que alvo da ira de poucos representantes da briosa, alguns até se arriscando a apanhar pancadas regulamentares por estarem no serviço ativo. Mas o chargista, na verdade, apenas resume o que a própria briosa informa por meio de ações desastradas que invariavelmente produzem vítimas inocentes, tudo delimitado naquele espaço percentual mínimo que chamamos “controle da criminalidade” ou “enfrentamento”, ou “combate à criminalidade”, ou seja, envolvendo o uso de armas letais. Portanto, gostem ou não os membros da briosa, as notícias negativas não cairão de moda e permearão a vida dos “combatentes” enquanto o modelo de polícia no Brasil assim se representar: um grande círculo vicioso.



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