Charge do Jornal EXTRA
“O
mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas
por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert
Einstein)
Nunca
foi boa a relação da PMERJ com a mídia carioca. Lembro que na época do primeiro
comando do Cel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira (1983/1986) ele manifestava
preocupação quanto ao excesso de pancadaria que a briosa levava da mídia em
geral. Eu trabalhava na 5ª Seção do Estado-Maior PM.5 (Relações Públicas),
exatamente o setor ao qual incumbia dar respostas às indagações diárias da
imprensa ante ocorrências de todos os naipes. Digo dar respostas porque quase
não havia a antecipação da corporação, exceto um precário “Plantão de Notícias”
que funcionava junto à Central de Operações, e que se incumbia de divulgar as
boas ocorrências, porém na visão estreita da briosa e não na da imprensa, esta,
que invariavelmente corria atrás de eventos do tipo “o transeunte mordeu a
perna do cachorro”.
Inconformado,
o Cel Cerqueira pediu socorro à UFF, e foi então lançado um ousado programa de Comunicação
Social aproveitando o aniversário da corporação, que, por imposição do mais
forte, ficou sendo a data de 13 de maio, em alusão à criação da Divisão Militar
da Guarda Real de Polícia da Corte, no ano de 1809. Ocorre que este segmento,
que antes era PMDF, fora deslocado para Brasília junto com o Distrito Federal,
criando-se aqui o Estado da Guanabara, em 1960. E assim nasceu a PMEG (Polícia
Militar do Estado da Guanabara), que seria extinta em 1975, por ocasião da
fusão da GB com o RJ, o que fez também desaparecer a PMRJ, emergindo daí a
atual PMERJ a contragosto de todos.
É
bom que se sublinhe esse imbróglio para que se entenda ser a briosa uma mistura
heterogênea sem solução. Quiçá daqui a cem anos as coisas sejam diferentes, as
rusgas institucionais sejam esquecidas e finalmente a briosa se torne uma
corporação no seu sentido mais profundo. Tal realidade do cisma, porém, passou
pela cabeça do Cel Cerqueira, tanto que a equipe da UFF, ao propor um projeto
de RP mais profundo e abrangente, buscou inspiração no vocábulo “corporação”,
que contém as palavras “coração” e “corpo”, indicando ainda que de ambas floresceria
a “ação”, igualmente contida no mágico vocábulo. Enfim, tudo muito lindo no
papel e numa prática imediata que faria nascer a “Semana da PM”, evento
diversificado e aparentemente emotivo tanto intramuros como extramuros. Tudo
ilusão...
Porque
as ocorrências diárias, muitas delas relevantes e abundantes, eis que de
natureza assistencial, jamais interessaram à mídia. Já as falhas decorrentes da
menor parcela de ação da briosa, que é a prevenção e a repressão ao crime,
estas sim, são geradoras de notícias, geralmente ruins. E são as que ocupam as
primeiras páginas dos jornais, os espaços radiofônicos e televisivos, e absorve
no espírito popular uma ideia fortemente negativa cujo epicentro é a charge.
Pior é que tal influência também afeta o que chamamos Público Interno, que
reage mal às críticas e costuma demonstrar sua ira através da indiferença ou da
violência no trato com o público. Reage, enfim, como espécie de inimigo da
sociedade, recebendo desta o troco do apupo, excetuando-se as pessoas bem
atendidas pela briosa nas ocorrências assistenciais, mas que não se manifestam,
e se tentarem se manifestar a mídia não lhes dará a mínima. Contudo, se a mãe
de um “estudante” morto na favela, porque se envolvia com o tráfico, abrir o
boquirroto, sua versão se torna verdade midiática e tome pancada na briosa.
A
briosa desde muito tempo abandonou as Relações Públicas de natureza
profissional, como ocorreu na década de 80. De lá para cá prevalece a
idiossincrasia de quem comanda por escolha política externa corporis. Parece dinastia de indivíduos bizantinos, como
nos velhos tempos dos impérios e monarquias. Pois a frivolidade impera enquanto
a tropa morre, e quem reclamar deixa de ser tropa e volta à vida civil, medida
extrema tornada corriqueira para garantir obediência. Claro que num sistema de
pressão de cima para baixo, como sói ser a briosa de hoje, a reação dos mais
achatados na base da pirâmide, que são maioria e atuam nas ruas, é a de
descarregar suas mágoas e iras contra o povo ainda abaixo da linha de poder por
não ser Estado, mas apenas Povo. E a violência interna escapa dos quartéis, tal
como a água da barragem foge por um furo sem o dedo providencial, e alcança as
ruas em demonstrações de truculência adoradas pela mídia sensacionalista, que as
publica como espécie de vingança, e assim sucessivamente, num círculo vicioso
tendente à entropia e ao fim de tudo.
Mas
a briosa se mantém viva em sua frivolidade, com seus mandatários assumindo
posturas ideológicas extremistas de esquerda e anunciando a venda de quartéis,
o fechamento do Colégio da PM, uma nova carreira de soldado a coronel, sepultando-se
o tradicional e histórico modelo de formação e aperfeiçoamento, ou seja, um
modelo tipicamente bizantino de governar. Enquanto isso, os cemitérios lotam de
PMs mortos pelas mãos assassinas da acirrada, impune e incontrolável
criminalidade, e os PMs ainda vivos reagem matando os que lhes vêm à frente ou
à retaguarda como possíveis ameaças, tudo em cegueira absoluta, característica
de qualquer tropa massificada, tipo tropa de conscritos em que predomina a
quantidade mal remunerada em detrimento da qualidade bem assalariada. Sim, porque
não há preocupação com o enriquecimento do trabalho humano na briosa e as
soluções apontadas pelos bizantinos são para impacto midiático positivo sobre a
pessoa que informa e não sobre a instituição, que não tem voz.
Este
desagradável cenário de destruição física e moral é prato cheio para a mídia
sensacionalista, que não poupa a briosa e produz charges como a do cartunista Leonardo,
que faz sucesso na internet, mormente no Facebook, eis que alvo da ira de
poucos representantes da briosa, alguns até se arriscando a apanhar pancadas regulamentares
por estarem no serviço ativo. Mas o chargista, na verdade, apenas resume o que
a própria briosa informa por meio de ações desastradas que invariavelmente
produzem vítimas inocentes, tudo delimitado naquele espaço percentual mínimo
que chamamos “controle da criminalidade” ou “enfrentamento”, ou “combate à
criminalidade”, ou seja, envolvendo o uso de armas letais. Portanto, gostem ou
não os membros da briosa, as notícias negativas não cairão de moda e permearão
a vida dos “combatentes” enquanto o modelo de polícia no Brasil assim se
representar: um grande círculo vicioso.
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