domingo, 11 de outubro de 2015

RIO EM GUERRA – UPPs: fracasso mais que esperado



“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)


“10 out 2015 - O Globo - MARCO GRILLO marco. grillo@ oglobo.com. br

Pesquisa revela que metade dos policiais de UPPs critica o treinamento dado pela PM

Em pesquisa, policiais lotados em favelas dizem não ter recebido formação

Uma pesquisa divulgada nesta semana pela Universidade Candido Mendes mostra que mais da metade ( 51,7%) dos policiais militares lotados em Unidades de Polícia Pacificadora ( UPPs) acredita que não recebeu a formação adequada para o posto. O levantamento, feito por uma equipe do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da instituição, também revela que 42,4% dos policiais afirmaram que se sentem “inseguros ou muito inseguros” nas favelas, e 35,9% têm visão negativa sobre as UPPs. Segundo as coordenadoras do trabalho, o modelo de polícia de proximidade está “fragilizado”. 




PARA PMS FALTAM ATIVIDADES PRÁTICAS 

Para o estudo, realizado entre julho e novembro do ano passado, foram ouvidos 2.002 soldados e cabos de 36 UPPs. Em uma consulta anterior, em 2010, o percentual de PMs que achavam que não foram preparados adequadamente para trabalhar em uma comunidade era menor: 36,9%. Entre os que reclamavam da formação, 51,9% criticavam a falta de atividades práticas e de conhecimento das favelas. Para a antropóloga Leonarda Musumeci, que coordenou a pesquisa com a cientista social Silvia Ramos e a socióloga Barbara Musumeci, a velocidade com que as UPPs foram implantadas ajuda a explicar os números.

— A própria coordenação (das UPPs) reconheceu que o ritmo de implantação atropelou alguns processo.

Outra informação que chama a atenção na pesquisa mais recente é sobre a relação dos PMs com a comunidade. Para 60,1% dos entrevistados, os moradores têm sentimentos negativos em relação a eles. Em 2010, o índice era 28,5.

— No Alemão, alguns moradores cuspiam no chão quando a gente passava. Já fui xingado por uma senhora ao ajudar o filho dela a se levantar — conta um PM de UPP, que pediu anonimato.

 Silvia Ramos defende uma formação específica, dentro da PM, voltada para a polícia de proximidade

— Há mais PMs em atividades operacionais e menos nas funções de proximidade (comparado com anos anteriores). Há um processo de fragilização da proximidade. O pior da polícia convencional (dos batalhões) foi para as UPPs.
O percentual de policiais que ficam em pontos fixos passou de 37,6% em 2010 para 18,9% em 2014. O índice daqueles que fazem rondas a pé caiu de 29,8% para 23,7%. Enquanto isso, o índice de PMs em grupos táticos e operacionais passou de 7,2% para 22,2% no mesmo período. Subsecretário de Educação, Valorização e Prevenção da Secretaria de Segurança, Pehkx Jones relaciona o crescimento da “atividade criminosa” em comunidades com UPPs ao aumento dos grupos táticos. 

— A PM trabalha com dados de inteligência e investigação. Mas acho que em 2015 esse número vai cair. 

Em relação à formação, Jones afirma que o novo currículo da PM, no ano que vem, terá a disciplina de polícia de proximidade, que englobará o conteúdo da disciplina anterior, polícia comunitária, e oferecerá também estudos de caso. O subsecretário diz que o novo curso terá duração de dez meses, com mais dois de estágio, em vez de sete meses de aulas.”


MEU COMENTÁRIO

A começar, não há efeito sem causa anterior que o determine, e são muitas as variáveis antecedentes e intervenientes que atuam em concomitância nesta relação básica que chamamos causa/efeito. As UPPs situam-se neste contexto, como, aliás, tudo que existe no planeta e que não seja “missão alienígena”. Enfim, as UPPs não passam de subsistemas de um só sistema chamado PMERJ. Ou seja, nasceram dentro de um processo entrópico...

Ora, não é de hoje que aponto falhas no programa de UPPs (falhas de toda ordem: humanas, materiais e operacionais). Não que eu me oponha ao programa nem culpe alguma gestão ou comando. Mas devo me manifestar, e para tanto me baseio numa carreira de muitos cursos conceituais e práticos, muitas horas como aluno ou instrutor, e muitos confrontos com o banditismo, especialmente em favelas apinhadas de líderes do tráfico, que se tornaram famosos pelo excessivo poder sobre comunidades com quadrilhas estruturadas com o fim de garantir o lucrativo comércio de drogas no varejo. Cá entre nós, não era assim no passado...

Pela ótica da operacionalidade da PMERJ, todavia, pude perceber ao longo dos anos muitos companheiros servindo fora dos quartéis. Eu mesmo confesso que, por ser contrário à fusão do RJ com a GB, usei meu prestígio pessoal para ficar distante da nova e estranha corporação, que chamo de “miscelânea 4 em 1”. Isto porque a extinta PMEG trazia para a fusão com a extinta PMRJ um legado nada agradável, e consequente da transferência do Distrito Federal para Brasília, indo no rasto da mudança a PMDF e sua história, e ficando no recém-criado Estado da Guanabara uma corporação sem história, mas insistindo em se apoderar da que seguiu no embornal da PMDF, celeuma que produziria muitas dissidências no seio da tropa de oficiais, principalmente. E neste ambiente de conflito chegamos nós, oriundos da PMRJ, os indesejáveis “treme-terras”, corpo estranho em meio a uma corporação destruída e reconstruída sobre seus escombros. Enfim, entramos na contramão de direção da fusão como autênticos intrusos a também disputar o poder interno numa corporação feita de remendo de panos velhos em retalho novo.

A situação, que já era de conflito no âmbito exclusivo da PMEG, pioraria ainda mais pois houvera o retorno de boa parte dos oficiais optantes por Brasília, porém com o direito de retornar às origens, claro que ocupando suas posições na escala hierárquica. E a maioria era mais antiga... Deste modo, os que ficaram na recém-criada PMEG, e que já se ajustavam na divisão do poder interno, tiveram de tornar à insignificância anterior. Não apenas isto, posto que também passaram a ser cobrados pelo antagonismo manifestado contra os que seguiram com a PMDF.

Eis como se formaram três facções distintas: os antigos da PMDF que voltaram de Brasília à Guanabara, listados no Almanaque de Oficiais como “QE” (Quadro Especial”), e jocosamente apodados de “Quadro dos Espertos”; os antigos da PMDF que permaneceram na nova PMEG (“Q2”); os que saíam da Academia Dom João VI como “nova geração da PMERJ” (“Q1”); e, por último, os egressos da extinta PMRJ, postos na rabeira dos quadros formados (“Q3”) e desde logo anunciados como “quadros em extinção”, exceto o “Q1”, claro.

Para complicar as relações institucionais internas, a nova PMERJ teve de ser ajustada num só almanaque, obedecendo à antiguidade dos postos e graduações como se fossem grãos de farinha de um mesmo saco. E aí se produziram fenômenos pouco comuns ao militarismo, pois a idade de muitos de mesmos postos da extinta PMRJ era bem menor que a dos oficiais do antigo DF (“QE” e “Q2”). E em vista desta precoce antiguidade produzida pela junção dos quadros, o que deveria ser um só corpo de tropa acirrou a divisão de facções em interações conflitantes e inamistosas, porém dissimuladas numa falsa aceitação de tudo, sob os olhos e os ouvidos atentos de comandantes verdes-olivas, forte fator de coesão que desapareceu com a abertura política.

Assim se formaram os sectarismos corporativos na PMERJ, cultura danosa e marcada por rixas violentas, tudo no mais eloquente silêncio, clima organizacional contraproducente em todos os sentidos. E foi neste péssimo ambiente interno que, no ano de 1983, assumiu o comando da corporação um PM, acumulando-o com o novo cargo de Secretário de Estado da Polícia Militar: o Coronel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira, do “QE”. Deste modo marcava-se o início do primeiro governo do Sr. Leonel Brizola... Ah, ambiente institucional pior não haveria de haver... E de lá para cá os conflitos só se acirraram, e jamais houve um só corpo e um só coração nesta indigitada corporação resultante de traumas institucionais irreparáveis.

Com uma estrutura historicamente deteriorada, nenhuma função poderia ser exercitada com eficiência, eficácia e efetividade. Impossível, sim, seguir a lógica do planejamento organizacional resumida na máxima de Louis Sullivan: “O formato deve seguir a função.” Ora, a estrutura resultante de tantas rupturas era inversa ao sugestivo aforismo e, portanto, jamais poderia atingir seus objetivos. É como supor que um carro sem rodas fosse capaz de vencer a inércia e viajar em alta velocidade, sem graves incidentes de caminho. Impossível!

Assim nasceu a pior das misturas heterogêneas... E a PMERJ “segue a função” aos trancos e barrancos. Pior que nunca contou com a sensibilidade de nenhum gestor do novo RJ no sentido de penetrar o seu âmago para buscar uma solução de conciliação entre as facções, se é que seria isto possível. Mas, se já vinha de longe ruim, esperava-se que a chegada do “Q1” ao elevado poder interno tornasse a PMERJ finalmente um só corpo e um só coração. Ledo engano, os novos já estavam “contaminados” E descortinaram algo mais grave: por “vício do cachimbo”, formaram facções desde a Academia de Formação e transformam o que já era escombro em monturo. Daí é que a estrutura da PMERJ é considerada “estorvo da ditadura”, e os políticos que a gerem não têm pejo de utilizá-la como espécie de “esfregão social” ou como “Bombril”, a esponja de aço de “mil e uma utilidades”. Só que a esponja demasiadamente utilizada suja as coisas em vez de limpá-las...

Eis como a PMERJ “segue a função”: internamente fracionada e postada a serviço de tudo que é órgão público estadual e municipal, com incontáveis PMs desviados de suas funções, cultura de desvio de finalidade que permanece desde os tempos em que não gostávamos de integrar a tal “mistura heterogênea” e buscávamos abrigo longe dos quartéis. E o que era autodefesa passou a ser praxe, de tal modo que hoje talvez sejam milhares de PMs a se ocultarem em outros organismos públicos. E há os que conseguem se esconder intramuros, no que denominamos “atividade-meio”.

Enfim, a massa humana de hoje, que veste farda, e que se esperava homogênea quando alcançasse os andares mais altos da hierarquia, não passa de mistura mais heterogênea que antes. Deste modo se destina ao fracasso aliado ao descrédito público, não só pela falência material, mas, sobretudo, pela falência moral. Pior é que só quem pode mudar isto são eles mesmos, oficiais do “Q1”, porque é certo que os demais quadros não contribuíram para nada, e hoje estão na inatividade ou repousando em cemitérios. Portanto, não podem mais interferir a não ser do modo como ora faço talvez por excesso de tempo e vida.

Neste ambiente organizacional hodierno, da pior espécie, prolifera o individualismo em anteposição ao sadio coletivismo comum aos exércitos. A hierarquia e a disciplina representam hoje apenas uma espécie de “borduna de bugre” nas mãos de poucos que mandam de cima para baixo e fazem “tudo que o mestre mandar” de baixo para cima. Por isso é que ideias inviáveis prosperam, e é o caso das UPPs, que de novidade só ostentam a sigla, porque de resto não passam de conhecida estrutura de policiamento (DPO* ou PPC*), porém mal aproveitada dentro de favelas infestadas de traficantes estruturados nos moldes da guerrilha urbana.
Falar também de “polícia de proximidade” dentro de favela é ingenuidade ou desconhecimento de um assunto que no RJ funciona como “favas contadas”, mas que ainda é objeto de pesquisa em países do Primeiro Mundo. Na verdade, pensar em “polícia de proximidade” num ambiente violento como o do RJ, e nos moldes em que o assunto é posto na mesa, chega às raias do absurdo. Pois, afinal, não lidamos com sonhos...

Vemos então que as pesquisas e as opiniões das esforçadas pesquisadoras culminam concluindo que as UPPs mais parecem “batalhões comuns”. Mas se enganam quando dizem que as UPPs mudaram para se assemelharem a “batalhões comuns”, segundo a opinião das pesquisadoras, já “contaminados”. Ora, as UPPs não mudaram nem os batalhões mudaram. Nada mudou. É “tudo como dantes no quartel de Abrantes”, ou seja, tudo estrutural e conjunturalmente muito “contaminado”, assim como toda a sociedade e o mundo acadêmico delas são “contaminados”. O resto não passa de marola midiática a favor de UPPs em “contaminados” objetivos olímpicos nem tanto inconfessáveis, como já exaustivamente denunciei neste blog os seus motivos.

Portanto, há de se acrescentar a possibilidade de a própria pesquisa vir ao mundo “contaminada”, assim como as pesquisadoras podem estar “contaminadas” por ideologias, sendo certo que não é mais necessário pesquisar problemas para apontá-los, mas indicar soluções de mudança que não devem ser “contaminadas na origem”, por conta de decisões externas aos muros da PMERJ e absorvidas em subserviência, como é caso das UPPs, que, ao fim e ao cabo, se tornaram emblema eleitoral a enganar a sociedade. E enquanto isso, o povo favelado sofre em meio aos mesmos tiroteios mortais, assim como o PM sofre as drásticas e letais consequências de mais uma “contaminação” externa, como se não bastassem as internas, que são muitas e talvez incontornáveis.

* DPO – Destacamento de Policiamento Ostensivo
* PPC – Posto de Policiamento Comunitário

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