domingo, 20 de setembro de 2015

RIO EM GUERRA: Entrevista de Beltrame ao Jornal O DIA



 “O mundo é perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que os veem e fazem de conta de que não viram,” (Albert Einstein)

"9/09/2015 23:30:00 - Atualizada às 20/09/2015 00:06:47

Beltrame fala sobre alguns dos seus sonhos para o Rio

Legalizar as drogas, desmilitarizar a PM e humanizar os presídios antes de reduzir a idade penal são alguns sonhos do secretário de Segurança Pública

Caio Barbosa



Beltrame: 'Eu ganhava menos que trocador de ônibus, comia em restaurante universitário e nunca tomei nada de ninguém'
Foto: Ernesto Carriço / Agência O Dia

Rio - Legalizar as drogas, desmilitarizar a PM e humanizar os presídios antes de reduzir a idade penal. São alguns sonhos do homem que comanda a Segurança Pública do Rio há 93 meses e se mostra cético em relação ao que ele próprio idealiza para o Rio. O carioca, segundo ele, precisa amadurecer e exigir ações de outras instâncias do poder público, além da polícia, contra as ilegalidades. Ao fim da entrevista, ele contou que, finalmente, está transferindo o título eleitoral de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, para o Rio. “É hora de participar da vida política do lugar onde vivo”, afirmou, mesmo negando planos de se candidatar.

O DIA: Esta semana, a polícia prendeu milicianos que atuam no Complexo do Alemão. Como está o combate à milícia no Rio?

BELTRAME:  Milícia é um problema difícil porque ela atua onde há carência de serviços públicos. Não vai ser só a polícia que vai resolver. É preciso ter serviço de transporte bom e barato, uma boa e barata rede de distribuição de gás, preços populares para TV a cabo e internet. Enquanto o estado não oferecer condições, haverá espaço para milícia. A polícia tem que estar presente, mas os demais órgãos e serviços também. Mas a sociedade só cobra da polícia.

Essa ausência de serviços públicos acontece em todas as metrópoles. Por que, no Rio, a situação tão violenta, com gente armada de fuzil e granada?

Porque as facções começaram a tomar conta de territórios e se armar. Levei a Brasília proposta para aumentar a pena de quem porta fuzil. Deputados me deram parabéns, mas pediam desculpas porque votarão para mudar o Estatuto do Desarmamento e relaxar as penas para quem porta arma de fogo. Estamos substituindo os fuzis, dando cursos para policiais não trocarem tiros, querendo racionalizar as armas na polícia, e o Congresso quer dar armas para a sociedade. Há razoabilidade nisso? O uso da arma se banalizou. O criminoso tem um apego tão grande que põe nela o distintivo do time, nome da mulher, dos filhos, escreve até “Jesus salva”. Ele estiliza a arma. É um guerreiro-marginal, manda niquelar, põe dourada, prateada.

O que tem sido feito efetivamente para combater a corrupção policial?

Basta olhar a quantidade de coronéis e majores presos. Havia um tabu de que estas pessoas não seriam presas. Foram mais de 2 mil nestes últimos tempos. Não tem muita solução a não ser a Corregedoria. Por mais que tenha instrução e ética na academia, o que vale é o que você aprendeu em casa. Mas até as pessoas que tiveram uma educação mais sofisticada não param de roubar. Infelizmente, é uma questão cultural.

Os cortes no orçamento vão prejudicar a expansão das UPPs? O senhor vai ampliar o programa, ou fechou para balanço?

O que prometi, 40 UPPs, vou até passar. Hoje tem 39. Com três ou quatro na Maré, vamos passar, mas planejamos mais. Hoje estaríamos prontos para ocupar o Chapadão. Fizemos o trabalho, pegamos as lideranças do tráfico, mas não dá para fazer porque não tem gente formada ainda. Tem de ampliar viaturas, rádios, uniforme, armamento.

Com tantas dificuldades, quantas vezes o senhor pensou em sair do cargo? Isso não cansa?

Cansado, você fica, mas eu tenho confiança no que a gente faz, na equipe, nas polícias. Elas têm seus problemas, mas eu confio. Tem muita gente boa aí. Ainda tem aí uns quatro projetos grandes ou cinco para apresentar. Não gosto de falar, gosto de apresentar. Duvido que alguém tenha investido mais em capacitação policial do que nós. O que me deixa frustrado são alguns comportamentos. A sociedade poderia se engajar mais, até porque tem culpa. Foi tolerante demais. Não tem outra saída para o Rio se não for tornar um pouco mais formal o que é informal. Senão, não tem jeito. Na minha humilde opinião, a sociedade escolheu mal alguns administradores públicos. Segurança não é só policia, isso é míope. É cuidar de fronteira, tem legisladores, Ministério Público, Justiça, sistema prisional.

O senhor sempre disse que não tinha a pretensão de acabar com o tráfico, mas, sim, com a presença das armas nas favelas e os tiroteios. Hoje, já diz que não tem como. Mudou?

É uma leviandade achar que vai acabar com isso. Ainda vamos viver anos com essa lógica. O que vai acabar com isso, daqui a algum tempo, é a presença da polícia ali, com efetivo e organização para manter este processo. E que outros serviços cheguem às comunidades para que as pessoas possam ter outras perspectivas de vida.

Uma das críticas feitas às UPPs é em relação à velocidade com que foram implantadas, que teriam fins eleitorais, sem planejamento e formação adequada dos policiais.

Isso é ofensivo para mim. Cometemos algumas falhas, mas tudo foi planejado e estudado. Não fizemos por fazer. Quanto à formação, o curso era o mesmo. De sete meses, agora de dez meses. Mas com certeza os profissionais que estão se formando agora tiveram uma formação melhor porque fomos aprendendo com as demandas que surgiram. Na época da implantação, era preciso fazer rapidamente porque havia essa necessidade no Rio de Janeiro.

O STF está votando em Brasília a Lei de Drogas. Qual é a sua expectativa a respeito do assunto?

Acho que o Brasil vai descriminalizar o uso e eu sou muito a favor, a partir do que vi em Portugal. Eles tiraram a droga da polícia, virou problema da área de Saúde. Com isso você evita que a polícia tenha que gastar energia prendendo usuários. Hoje, se não prender, dizem que o policial está no ‘arrego’ (recebendo propina). É igual a jogo do bicho.

O senhor é a favor de fazer como no Uruguai e legalizar a produção, a venda e o consumo?

Acho ótimo que isso seja feito. Mas quem é que vai fiscalizar? Precisamos regulamentar. Mas sou favorável desde que tenha mecanismos de controle e não acabe tudo na mão da polícia.

E o que o senhor pensa sobre a desmilitarização da PM, um assunto que entrou na pauta a partir dos protestos de 2013?

Sou favorável, mas estamos muito longe. São muito poucos países no mundo que trabalham como a gente trabalha, mas isso tem que partir da polícia.

É possível combater corrupção policial sem melhorar a remuneração?

É um requisito importantíssimo, mas não necessariamente vai resolver. Durante anos, eu fui agente da Polícia Federal, ganhava menos que um trocador de ônibus, comia em restaurante universitário e nunca tomei nada de ninguém. Acho que é questão de formação. Mas sem dúvida que o salário é importante pela valorização do policial e para dar mais legitimidade para a sociedade cobrar um serviço de qualidade.

Na polêmica da blitz em ônibus vindos do subúrbio, a polícia foi acusada de preconceito contra negros e pobres. Como o senhor entendeu a reação?

O motorista faz sinal para a viatura e encosta o ônibus. Se a polícia não parar, prevarica e sai no jornal que a polícia não faz nada. Os passageiros confirmaram a baderna, e que muitos não pagaram passagem. A liberdade de ir e vir exige um mínimo de dever. Em momento nenhum eu disse que eles iriam assaltar. O que está em questão é a vulnerabilidade. Um jovem que sai de Nova Iguaçu com 13 anos, pega um ônibus para Ipanema, sem dinheiro para nada, não está em situação vulnerável? Como vai voltar para casa, comer ou beber algo? A polícia não tem nada a ver com isso. Se o Conselho Tutelar e o Ministério Público estivessem ali, a polícia não estaria. Mas já que a sociedade decidiu que a polícia não tem que estar, não estaremos mais. Mas vão ter que pensar duas vezes na hora de chamar a polícia.

E qual a sua posição em relação à redução da maioridade penal?

O que tem que ser discutido é se a pessoa hoje, com 16 ou 40 anos, sai recuperada da instituição. Sai? Não. Mas não entraram e não querem entrar na discussão. E o problema cai onde? Na polícia. A questão foi reduzida a: “18 ou 16?”. Não dá para ser assim. Se é 18 ou 16, eu fico com 16, mas não é a solução.

Públicos ou privados?

É hora de experimentar os privados. Eu poderia escapar desta pergunta porque não é a minha área, mas do jeito que está o sistema prisional não dá. O jovem que matou o médico na Lagoa tinha 16 passagens pela polícia. O que fizeram com ele as outras 15 vezes? Recuperaram? Levaram para casa? Procuraram os pais? Deram alguma perspectiva de emprego? Não. Precisamos ter uma visão sobre violência urbana muito larga. As pessoas só veem as consequências e pedem polícia, polícia e polícia. Temos que ir às causas da violência. Porque não vai ter polícia em toda esquina e nem que dê conta das causas."

MEU COMENTÁRIO

Num jornal de domingo, que geralmente e em boa parte é formatado dias antes, é comum depararmos com matérias pré-fabricadas. Isto, porém, não é ruim; em contrário, permite melhor elaboração pela imprensa e mais reflexão por parte do leitor. A escolha do assunto e dos entrevistados, por óbvio, recai sobre temas palpitantes e personalidades que se tornaram famosas de algum modo. É o caso.

De todo o tema explorado, porém, interessa sublinhar a posição do entrevistado favorável à desmilitarização da PM, claro que se ajustando como pôde à ideia imediata do entrevistador. Fê-lo com sabedoria: foi a favor, mas nem tanto assim: empurrou o assunto com a barriga, como é do costume popular.

Essa questão da desmilitarização das PPMM é antiga, em especial depois que terroristas de carteirinha alçaram o poder político e nele se mantiveram mediante “mensalões”, “petrolões” e outros neologismos que surpreendem os brasileiros, não sem causar forte espanto entre eles próprios, os ladrões, que não contavam com qualquer investigação séria a lhes atormentar a vida boa.

Como na música (“o inesperado faça uma surpresa”), os terroristas estão na defensiva, muitos deles já trancafiados e a verem o sol quadrado, e os ainda soltos sem tempo a perder com militarização ou desmilitarização das PPMM. Pensam, sim, mais alto e precipitadamente tentam desestabilizar as Forças Armadas por meio da fraude em Decreto Presidencial com assinatura do Comandante da Marinha espantosamente falsificada. Digo assim porque a utilização da assinatura eletrônica do Comandante da Marinha foi surrupiada em flagrante crime de falsidade ideológica. Nada demais em se tratando de terroristas no poder...
 
Mas “desmilitarizar” as PPMM é preciso! Afinal, são 500.000 almas fardadas e espalhadas Brasil afora, somatório superior aos das três Forças Militares Federais; Exército, marinha e Aeronáutica. E não é só “desmilitarizar”, como impõe o entrevistador (será amante do socialismo?) a Beltrame, para receber uma resposta mais eficaz, o que não conseguiu, Beltrame deu-lhe uma finta gauchesca...

Ora, dizer-se a favor da desmilitarização das PPMM é fácil! Até eu sou capaz de criticar o militarismo praticado nas PPMM, que acho anacrônico e incompatível com a atividade policial. Isto por culpa da involução dessas corporações militares estaduais, que preferem se postar em preguiçosa submissão ao Exército Brasileiro em vez de buscar vida própria e independente praticando um militarismo mais adequado à realidade que enfrentam.

Enfim, sou também contra esse “militarismo” das PPMM, mas defendo que as PPMM continuem militares, desde que revisto o modelo estrutural e conjuntural dessas forças de combate ao crime que vencem e perdem batalhas, mas estão a mais e mais distantes de vencerem a guerra contra os criminosos, e é guerra mesmo, com fuzis poderosos sendo usados de lado a lado (bandidos e PMs).

Não dá, portanto, para fingir que não há guerra, assim como se é de esperar que alguns movimentos sociais de assumida roupagem socialista e comunista ampliem suas ações terroristas, eis que já presentes e desenvoltas em solo pátrio. Para combatê-los num inevitável futuro próximo, só armas e ações operativas militares.

Aí o carcomido militarismo das PPMM será mais útil que se forem elas transformadas num bando de civis sem referência. Porque a referência das PPMM remonta a no mínimo 200 anos de existência e soma muitas guerras e revoluções vitoriosas. E assim sempre o será toda vez que terroristas intentarem mudar o regime democrático, guinando-o em esperteza ou força para o socialismo ou o comunismo!...

Já o resto da entrevista é mero recheio de domingo a ser lido numa rede preguiçosamente pendurada na varanda...



2 comentários:

waldyr disse...

Gostaria de saber quais são os anacronismos e como deveria ser o modelo. Depois voltamos a conversar.

Anônimo disse...

Emir Larangeira disse:

Caro Waldir, vou sublinhar apenas o cerne. O nosso malfadado estatuto (Lei 443) é cópia do estatuto do EB da época da II Guerra, sem tirar e nem pôr pontos e vírgulas. Pode conferir, pesquisando, o que já fiz num compêndio de legislação, por mais incrível que possa parecer, produzido pelo TCE/RJ. Mudanças no Estatuto só quando tratam de mudanças nas regras de promoção, casuísticas em demasia. Nunca tivemos imaginação para rever o estatuto e instituir um modelo adequado aos novos tempos, sem copiar o do EB, que, ,por sinal, mudou muito da IIGuerra para cá. Mas nós, não! Para se ter uma ideia, a parte que trata das doenças se reportam ao modelo do EB para evitar deserções ou escapulidas do combate por meio da simulação de doenças. Enfim, um modelo calcado na desconfiança e indubitavelmente anacrônico. Outro anacronismo terrível se refere ao RDPM, copiado do EB desde a primeira letra ao ponto final. Também nossa Lei de Promoções de Oficiais e Praças mais parece pano velho remendado com pedaços novos. Nem vou falar dos regulamentos e das diretrizes operacionais, escritas em 1983 pelo Cel PM Jorge da Silva e até hoje norteando ou desnorteando a operacionalidade da PMERJ, que desde muito tempo se baseia no casuísmo e na subserviência ao poder político, como é o caso das fracassadas UPPs. Certa vez vez, comentei com o Cel Jorge da Silva que a iniciativa dele de escrever a DGO, as NGPs e outros instrumentos norteadores da operacionalidade serviriam de base para futuras atualizações. Ele me respondeu: "Daqui a cem anos isto ainda estará vivo por aí." É a este anacronismo que me refiro. Parece que ninguém tem tempo de reescrever nossas leis, nossos regulamentos, nossas normas em vista dos problemas internos e externos da atualidade. É o que chamo de anacronismo. O tema é vasto e complexo, sem dúvida. Mas não impossível de ser atacado pela instituição e seus valorosos oficiais e praças.