terça-feira, 22 de setembro de 2015

RIO EM GUERRA – ARRASTÃO




“O mundo é perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que os veem e fazem de conta de que não viram,” (Albert Einstein)



ARRASTÃO



“Olha lá / Vai passando / A procissão / Se arrastando / Que nem cobra/ Pelo chão / As pessoas/ Que nela vão passando / Acreditam nas coisas / Lá do céu.” (Procissão – Gilberto Gil)



Arrastão, não o de Edu Lobo, que ocorre no mar, rima com repressão, apreensão e prisão, mas também rima com prevenção, precaução, investigação e precisão. De tudo um pouco, porém nada sem o predomínio da antecipação.



Eis aí a raiz do problema: todos os anos as instituições esperam distraidamente o sol chegar e as praias pulularem em banhistas que igualmente se esqueceram do verão passado, assim como as instituições ignoraram as regras mínimas de planejamento com o escopo de traçar medidas proativas, capazes de superar o conhecido problema que só aumenta em extensão e profundidade porque a cada ano surge uma nova geração de crianças e pré-adolescentes do mundo pobre que também gosta da mesma praia que insiste em ser vista como privilégio exclusivo do mundo rico.



E a gurizada surge de tudo que é lado, e se prolifera saindo dos mais esquisitos lugares (se fossem crianças do mundo rico “floresceriam”) e inundam em alvoroço as areias como autênticos mandatários daquele espaço público que insiste em ser particular. Digo alvoroço porque no mundo pobre não há a alegria do mundo rico. E aqui já deve ter gente pensando que sou socialista, comunista etc. Não! Não sou nada disso! Apenas constato a realidade, que é assim: preconceituosa, discriminatória, racista, individualista, arrogante, e curiosamente a praia é um lugar onde se pode comprovar a profunda diferença entre a favela e o asfalto, que se olham de longe, mas não convivem harmoniosamente em se tratando de coletividade.



Geralmente a coletividade favelada se faz presente no asfalto, porém pulverizada em indivíduos isolados labutando nos postos de gasolina, no trabalho doméstico, nas construções e reformas de edifícios que jamais lhes pertencerão, na varredura de ruas, na limpeza de esgotos ou catando nas inacessíveis praias o lixo deixado na véspera pelo mundo rico. O único momento, então, de convivência desses dois mundos nas areias e águas praianas ocorre no verão e nos seus fins de semana: a gurizada desce os morros que acolhem o mundo pobre e se mistura aos representantes do mundo rico, não sem revolta de parte a parte e reações várias, no mínimo de desprezo do mundo rico pelo mundo pobre. E uma das mais contundentes reações do mundo pobre são os arrastões, que se formam nas favelas e crescem como tsunamis nas praias a atordoarem o mundo rico.



Claro que o sentimento de grupo, que a psicologia facilmente explica (“grupos psicológicos”) predomina entre as crianças, os pré-adolescentes e adolescentes, sendo mais que certo que entre eles, individualmente, há também a opressão do mais forte sobre o mais fraco, do maios velho sobre o mais novo, como, aliás, ocorre em qualquer coletividade de ambos os mundos – a opressão faz parte da natureza humana. Daí é que os mais fracos obedecem e seguem os mais fortes como único meio de desfrutar das delícias do mundo rico, e a mais atraente delas, mais até que comer, é o banho de mar, a correria pelas areias e a sensação de poder que desfrutam em efemeridade social.



Eis aí onde entra a coitada da briosa: atender ao mundo rico cerceando a liberdade do mundo pobre representado pelo grupo humano sem eira nem beira e nem culpa de ter nascido em mundo errado. E de crianças e pré-adolescentes ou adolescentes sem oportunidade, e que por isso são revoltados, passam a delinquentes, porque entre eles há, sim, delinquentes, só que trapalhões, pois arrancam o cordão de ouro do banhista do mundo rico que o ostenta para se diferenciar do banhista periférico, ou o contrário. E ao arrancar o cordão de ouro, mais como um troféu quixotesco e não como um “ganho”, o garoto do mundo pobre alcança o orgasmo, vibra com aquela sensação de vingança dos excluídos. Mas enquanto vibra vê atrás dele o PM, – que é oriundo do seu mundo pobre, – correndo como um possesso atrás dele para prendê-lo, ou apreendê-lo, ou detê-lo (escolham aí). Mas o PM muitas vezes se vê cercado de crianças maltrapilhas e dispostas a enfrentá-lo em mais um lance de pura aventura, de clímax da tragicomédia que ambos (PM e “menor infrator”) protagonizam. E as imagens correm o mundo nas telinhas das tevês. E assim também o será no próximo verão, quando tudo se repetirá, pois, afinal, a briosa tem muito mais que fazer em tudo que é canto e recanto do RJ e não pode tão-somente se dedicar a correr atrás de crianças afoitas cuja única alegria talvez seja a de correr da polícia.


Um comentário:

Anônimo disse...

Não Cel, a briosa não "entra para atender ao mundo rico cerceando a liberdade do mundo pobre". A praia é um espaço que sempre foi frequentado por ricos e pobres em estado de comunhão, para utilizá-la bastando pouca roupa e disposição para viver em sociedade. Não é cobrada a entrada, tampouco a água, o sol e a areia escolhem pobres e ricos. Dos que labutam em profissões menos remuneradas, muitos a frequentam porém dificilmente os veremos roubando a quem quer que seja (pobre ou rico) pois estarão lá para se divertirem, esquecerem da dureza da semana de trabalho, ao contrário dos jovens criminosos que se escudam nas políticas equivocadas e fracassadas há mais de 30 anos e que sempre consideram o coitadismo como base e explicação para qualquer sorte de criminalidade. Lembremos que os maiores criminosos deste país defendem as mesmas teses, entretanto elas não explicam nem mesmo os seus próprios exemplos. A propósito: se pobreza explicasse ódio e crime, a briosa seria constituída de 90% de bandidos.