Retrospecto das UPPs (3º)
“O mundo está
perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa
dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)
"Do G1 Rio - Henrique Coelho - 11/07/2015 07h15 - Atualizado
em 11/07/2015 07h15
Polícia admite erros nas UPPs e
especialistas avaliam mortes de PMs
Segundo comando, proximidade e repressão são 'incompatíveis'.
Ex-comandante da PM relembra policiamento em comunidades no Rio.
Filho de PM
participa de protesto no Rio contra a morte de policiais no final de 2014
(Foto: Alba Valéria Mendonça/G1)
O comando atual da Polícia Militar do Rio de
Janeiro admite erros no projeto que contribuíram para o aumento do risco em
áreas de UPP. Entre estes fatores avaliados pelos oficiais que comandam a
corporação atualmente, está a incompatibilidade entre repressão e aproximação
no contexto das comunidades.
“Vários fatores começaram a ser desvirtuados na
hora de desenvolver estratégia no resgate da confiança da população. Foram
criados Grupos de Apoio Tático, de cunho repressivo. Repressão e aproximação,
como queremos na UPP, são incompatíveis”, avaliou Antônio Carballo, Assessor de
Assuntos Estratégicos do Estado Maior da PM. Segundo ele, houve erros de
cálculo com relação ao projeto.
“Subestimou-se o poder de reação do tráfico em vários locais, principalmente no Complexo do Alemão, no Complexo da Penha e da Rocinha. Houve um erro de cálculo na questão da proximidade", acrescenta o oficial.
Reação era
esperada
Nos 7 anos de projeto, ocorreram diversas denúncias de corrupção e abuso de força envolvendo soldados de UPPs. O mais lembrado entre eles é a tortura e morte do pedreiro Amarildo de Souza.
Segundo a investigação do Ministério Público, as
agressões foram feitas por soldados da UPP da Rocinha e comandados pelo Major
Edson Santos, que se diz
inocente. Ele está preso juntamente com outros PMs acusados
de participação no caso.
Carballo afirma que a lógica do "bandido bom é bandido morto" ajuda a explicar esse e outros crimes cometidos por PMs e contra PMs.
"Esse e outros desvios de conduta passam por uma cultura que é enraizada na sociedade de uma forma geral, e dentro das forças de segurança, quase sempre militarizadas, isso é ainda mais forte. Essa cultura legitima torturas e outras ações que são condenáveis do ponto de vista dos Direitos Humanos. Estamos tentando cuidar melhor dos nossos policiais para que eles também possam cuidar da sociedade da melhor forma possível. É a ética do cuidado", avalia Carballo.
Já Paulo Storani, ex-capitão do Batalhão de
Operações Especiais e atualmente consultor de segurança pública, entende que
era esperado que o tráfico de drogas reagisse após anos de problemas menores em
favelas pacificadas desde a implantação do projeto.
"É o que eu chamo de princípio da lassidão: a força que ocupava um território se retrai, devido a não ter possibilidades; e depois tenta retomar, com ações de guerrilhas. O policial, que muitas vezes não é treinado para encontrar esse tipo de situação, não sabe como agir", explicou.
Ex-coronel questiona pacificação
A opinião de Paulo César Lopes, ex-coronel da Polícia Militar do Rio por 37 anos e na reserva desde 2009, é mais radical que a de seus colegas. Segundo eles, a "falta de comando, controle e logística" é a causa de todos os problemas nas Unidades de Polícia Pacificadora, incluindo a morte de policiais nas comunidades.
"Nenhuma iniciativa que vem sendo adotada servirá para debelar essas mortes. A palavra chave é disciplina. Essas mortes vem ocorrendo por falta de disciplina, seja individual, seja tática, mas principalmente de comando. Além de não existir pacificação, sequer ocupação existe ", critica o ex-coronel, usando o exemplo do policial morto no morro do São Carlos em junho. Tarsius Doria Noia morreu após levar um tiro quando se dirigia a uma padaria no morro do Zinco, próxima à base da UPP. "O que ele estava fazendo em padaria? Onde está a estrutura para que os soldados façam suas refeições dentro de suas bases", questiona.
Segundo Paulo César, a solução passa por uma "remilitarização"
da PM. "A polícia precisa ser remilitarizada.Tem que ter postos de
controle, restrição à circulação de mototáxis, porque facilita a entrada e
saída de drogas da comunidade, e o policial não pode se imiscuir neste meio. A
função da polícia é atuar como força da lei. A socialização vem com outros
órgãos", avalia.
infográfico
Crise nas UPPs (Foto: Editoria de Arte / G1)
Histórico do
policiamento comunitário
Até a década de 80, a Polícia Militar do Rio entrava nas comunidades apenas para operações. Durante o governo de Leonel Brizola, 82 a 85, a regra era que a polícia entrasse somente com autorização do governador. De acordo com Ubiratan Ângelo, ex-comandante da Polícia Militar do Rio, a pergunta feita no início dos anos 90 foi: “E se a PM ficar nas favelas?
"Após uma mega operação na Providência e no
complexo Pavão-Pavãozinho, iniciou-se um tipo de policiamento focado mais em
direitos humanos e relações interpessoais, com policiais mais jovens do Centro
de Aperfeiçoamento e Formação de Praças, e troca de policiais a cada seis
meses", relembra Ubiratan. Estava criado o Grupamento de Aplicação
Prático-Escolar (Gape), em 1992.
Segundo Ubiratan, os crimes contra a vida diminuíram
nas duas regiões, e os moradores ganharam capacidade de reivindicação. Em 1994,
no entanto, o programa acabou sendo extinto. Segundo Ubiratan, os policiais não
conseguiram lidar com a pressão da reivindicação dos moradores. “As instalações
também eram péssimas, e o cenário todo contra gera negligência, raiva e vontade
de descontar essa raiva em alguém. Isso explica os desvios de conduta",
avalia o atual coordenador de Segurança Humana da ONG Viva Rio.
Entre 1999 e 2007, no governo de Anthony Garotinho,
foi criado o Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais (Gepae), nos morros
do Cavalão, em Niterói, e Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, comandados. As
regras eram simples: proibição de ostensividade de armas nas comunidades, sem
crianças no tráfico e sem desvios de conduta.
Apesar de inaugurações de outras unidades, com
bases avançadas na Vila Cruzeiro, Morro da Formiga, Chácara e Casa Branca,
Ubiratan conta que Gepae ficou à míngua por falta de apoio, já que havia pouco
dinheiro e apoio por parte do Governo. "No caso das UPPs é diferente,
mesmo porque o projeto foi concebido como um programa de governo",
explica.
Segundo Ubiratan, a falta de preparo e treinamento se refletiu no comportamento da tropa nas últimas décadas. Apesar de avaliar que a situação nas favelas com UPP possa melhorar com o aprimoramento da tropa, Ubiratan pensa que só a polícia não resolve.
"A solução está além da polícia. Parece clichê, mas a parte social ficou faltando mesmo desde o início do projeto", avaliou o ex-comandante da PM entre 2007 e 2008.
Policiais da
UPP Nova Brasília fazem curso de aprimoramento após problemas no Complexo do
Alemão
(Foto: Divulgação Polícia Militar)
(Foto: Divulgação Polícia Militar)
MEU
COMENTÁRIO
Começo indicando ser muito sugestiva a foto do treinamento de PMs de UPPs para "pacificar" favelas...
O mestre Machado de Assis já dizia que de contrastes
vive o homem. Com efeito, o mundo é feito de contrastes, por isso nenhuma
pessoa vê com os mesmos olhos um objeto, a não ser as gentes preguiçosas que
embarcam em ideias alheias. Daí o emaranhado de explicações dos oficiais
consultados, cada qual com sua própria razão bem justificada e sincera,
diferente da maliciosa postura do deputado estadual ouvido na matéria anterior.
Ainda bem, todavia, que não se trata dum grupo de cirurgiões, com cada qual defendendo
seu modo diverso dos demais para executar a mesma intervenção cirúrgica com o paciente
já na mesa do centro cirúrgico...
Sublinho aqui a coragem dos profissionais da PMERJ ao expor suas versões sem qualquer pejo nem nódoa de proselitismo. Foram
honestos e diretos! Não digo, entretanto, que um argumento seja mais importante
que outro. Todos são válidos e merecem discussão mais aprofundada. Por outro
lado, creio que o foco deles assentou-se na superfluidade da explicação
jornalística, mantendo uns a cautela e outros, o açodamento. Tudo bem, no
conjunto dos comentários salvaram-se todos!... Mas eu, respeitosamente, diria que
lhes faltou relembrar a clássica frase do precursor da produção seriada em
massa de automotivos, Henry Ford: “O que deve ser feito deve ser bem feito.”
Sim, pois o que se vê desde que o infortunado RJ
recebeu o caudilho com suas inovações ao atropelo das leis e da doutrina de
ordem pública a PMERJ jamais conseguiu ser a mesma. Pior é que ela vinha dum
turbulento processo de fusão de instituições diferentes e nada afins, embora
aparentemente iguais no conceito e nas leis: a PMRJ e a PMEG. Se não bastasse,
esta última, por ocasião da Fusão, já trazia nas algibeiras profundos traumas
institucionais em virtude da transferência da Capital Federal para Brasília.
Enfim, houve uma vulcânica conjuntura a atordoar diversas estruturas dotadas de
diferentes culturas e históricas tradições. Imaginar que desta teratologia
política resultasse uma estrutura militar estadual homogênea (PMERJ) é piada de
péssimo gosto.
A primeira questão a ser analisada deveria ser esta -
organizacional. E quando se fala numa organização, destacam-se a estrutura, a
tecnologia, as tarefas, o ambiente, as pessoas, e, principalmente, a
competitividade. Sem boa estrutura, o edifício desaba... E sem pessoas, não
existe nada...
Ora, no cômputo geral da organização PMERJ a
competitividade internalizou-se, saiu do ambiente interno e se enfeixou no
espaço intramuros da disputa de um poder voltado para si próprio. Portanto, o problema maior é grandioso no que se
refere às dissensões internas em vista de uma disputa de poder que abominou os
princípios basilares da hierarquia e da disciplina.
Houve inclusive inversão de
valores hierárquicos na insana disputa interna por diretorias, comandos e direções
de maior relevo. Enfim, houve uma tenebrosa quebra dos princípios basilares (estruturais)
do militarismo, como reclama não sem razão, mas com excesso de emoção, um dos
entrevistados, exacerbando-se a entropia institucional a partir de comandos
novatos recentes, estes que, casualmente sentados antes da hora na cadeira
maior, subverteram a hierarquia e a disciplina em absurdo desrespeito aos seus
princípios.
É claro que uma estrutura física dilacerada não pode
produzir bons diagnósticos, não consegue fixar bons objetivos nem amealhar bons
resultados, isto no mínimo. Uma estrutura que não é traçada para ser minimamente
eficiente não consegue ser eficaz nem efetiva a não ser momentaneamente.
Pois bem, a PMERJ esqueceu-se de que antes de tudo é
uma organização militar nos moldes constitucionais. Como tal, deveria primar por
sua base estrutural voltada para os seus objetivos de natureza geral
insculpidos na Carta Magna, para depois, sim, buscar seus objetivos
intermediários e específicos em firme decisão. Digo PMERJ com o pensamento nas
pessoas fardadas, em especial as dirigentes, já que no militarismo manda quem
pode e obedece quem tem juízo...
A provocação poderia ser exemplificada no caso do
Batalhão de Choque, que existe no mundo todo preparado especificamente para
atuar no controle de distúrbios civis. Para tanto, porém, há de haver exaustiva
doutrina de emprego e muita técnica a ser diariamente treinada no interregno de
um ou outro distúrbio civil, para agir com eficácia no seu controle em todas as
situações prováveis. Mas em vista da insensatez de dirigentes políticos leigos,
este batalhão foi transformado em “bombril”. Age hoje como polícia repressiva
em favelas, descaracterizando toda uma cultura específica e necessária, assim
desvirtuando sua finalidade. Cito este, mas há outros desvios a serem
considerados a partir de uma visão global.
Sim, desvios de finalidade, muitos, eis a questão da
PMERJ de hoje, que faz com que seus dirigentes de um passado recente se
desencontrem em seus argumentos ou os mantêm fragmentado, não ultrapassando o
continente do assunto. E deste modo, ainda longe do conteúdo mais profundo, arrisco-me
também a afirmar que todos, - inclusive o jornalista detentor da excelente
ideia de sequenciar a sua crítica no G1, dando chance de resposta a alguns, - todos
respondem de algum modo pelo fracasso das UPPs, que passa pela subserviência
interna ao poder midiático e político de fora – leigo e improvisador. E é o que
me basta no momento, para não falar em malícia contra a existência da bicentenária
instituição PMERJ!
4 comentários:
Novamente um comentário sensato, apesar de resumido. Vou além. Os resultados debito na conta única e exclusiva da ação dos governos estaduais, desde o caudilho. O primeiro passo para resolver um problema é reconhecer a sua existência. Mais de 30 anos se passaram e continuam fazendo mais do mesmo. Ora, é uma tolice achar que fazendo a mesma coisa se obterá resultado diverso, repetindo à exaustão a mesma experiência.
Sorte minha que enxerguei tal fato e me mandei daí muito antes, saí do "centro do insolúvel".
A cada ano fica mais complexa a coisa, rios de dinheiro sendo gastos em paliativos e acessórios que mantêm a estrutura ineficaz. A polícia é apenas a parte visível e na qual se pode bater; em síntese, "a Geni" do Chico Buarque.
Palmas para os velhos "especialistas" que ganharam o seu dindim explorando esse nicho e sejam bem vindos os novos que os substituem defendendo também o seu quinhão. Não são da competência da PM o emprego de verbas públicas em teleféricos, contenções de encostas, construção de escolas, creches, ONGs etc. em locais impróprios, a prioridade para quem invade em detrimento (e abandono total) de quem dignamente compra o seu lote legalizado na baixada e no interior, tampouco a definição de metas falaciosas em substituição à produtividade policial, esta sim reveladora da sua operosidade e do fracasso das políticas públicas voltadas para a educação, saúde, justiça, legislação penal e processual penal, penitenciária, de desarmamento, de maioridade penal, antidrogas, dentre outras.
E continuarão a defender as mesmas teses, por quanto tempo seja necessário e possível à manutenção da cara estrutura que regiamente os sustentam.
Emir disse:
Caro comentarista, o pior de tudo é a dissensão interna. Mais que isto, as desavenças formando facções alimentadas por ódio e separando quem deveria se unir para pelo menos cumprir a missão de resgatar a PMERJ desse caos reinante. Impressiona-me o descaso dos mandatários atuais com o futuro, assim como me impressionavam os mandatários do passado, PMs, que tomaram o comando geral a partir do caudilho e de lá para cá só inventam novidades, se descuidando do simples, que é a observância das leis que definem a missão, da doutrina de emprego, enfim, dos princípios básicos e universais do Direito Administrativo da Segurança Pública. A verdade é que nos ensinaram tudo e nós seguimos fora do trilho em invencionices tendentes ao fracasso. E não há mais espaço nem tempo e muito menos vontade de acertar, mas apenas a subserviência a serviço dos insanos políticos que nos destroem a cada dia que passa. E o único alento é saber que todos nós passaremos, e esses políticos também, até que um dia o trem retome o trilho. Será?... Será que não sonho já com o improvável?...
Sim, falei dos protagonistas do caos. Já no âmbito interno da PMERJ, faço a leitura de uma ambição desmedida, adaptando-se e acompanhando o mau exemplo dos governantes. Não se privilegia o conhecimento e a higidez moral mas sim a subserviência, o mimetismo à ideologia reinante. Anos de aplicação desse critério meramente político na escolha dos que deveriam conduzir o destino da Corporação e o resultado é a perda da identidade. Acompanho o V. questionamento final e alegro-me de que o mundo não nos modifique, aceitando com tranquilidade que não posso modificá-lo, mas tão somente fazer a minha parte.
Emir disse:
Tem razão. O que não podemos é nos calar. Como nos ensinou Erico Verissimo no seu "Solo de Clarineta", o que relembro em minhas palavras, devemos acender todas as luzes; se não houver luzes, acendamos um toco de vela; se não houver vela, queimemos palitos de fósforo para iluminar a verdade, que não pode morrer na escuridão por conta dos tolos, dos covardes e dos cobiçosos pelo poder para se atender a si em detrimento da coletividade.
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