segunda-feira, 13 de julho de 2015

RIO EM GUERRA CIV

Retrospecto das UPPs (3º)

“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)


"Do G1 Rio - Henrique Coelho - 11/07/2015 07h15 - Atualizado em 11/07/2015 07h15

Polícia admite erros nas UPPs e especialistas avaliam mortes de PMs

Segundo comando, proximidade e repressão são 'incompatíveis'.

Ex-comandante da PM relembra policiamento em comunidades no Rio.



Filho de PM participa de protesto no Rio contra a morte de policiais no final de 2014 
(Foto: Alba Valéria Mendonça/G1)


O comando atual da Polícia Militar do Rio de Janeiro admite erros no projeto que contribuíram para o aumento do risco em áreas de UPP. Entre estes fatores avaliados pelos oficiais que comandam a corporação atualmente, está a incompatibilidade entre repressão e aproximação no contexto das comunidades.

“Vários fatores começaram a ser desvirtuados na hora de desenvolver estratégia no resgate da confiança da população. Foram criados Grupos de Apoio Tático, de cunho repressivo. Repressão e aproximação, como queremos na UPP, são incompatíveis”, avaliou Antônio Carballo, Assessor de Assuntos Estratégicos do Estado Maior da PM. Segundo ele, houve erros de cálculo com relação ao projeto.

“Subestimou-se o poder de reação do tráfico em vários locais, principalmente no Complexo do Alemão, no Complexo da Penha e da Rocinha. Houve um erro de cálculo na questão da proximidade", acrescenta o oficial.
  
Reação era esperada

Nos 7 anos de projeto, ocorreram diversas denúncias de corrupção e abuso de força envolvendo soldados de UPPs. O mais lembrado entre eles é a tortura e morte do pedreiro Amarildo de Souza.

Segundo a investigação do Ministério Público, as agressões foram feitas por soldados da UPP da Rocinha e comandados pelo Major Edson Santos, que se diz inocente. Ele está preso juntamente com outros PMs acusados de participação no caso.

Carballo afirma que a lógica do "bandido bom é bandido morto" ajuda a explicar esse e outros crimes cometidos por PMs e contra PMs.

"Esse e outros desvios de conduta passam por uma cultura que é enraizada na sociedade de uma forma geral, e dentro das forças de segurança, quase sempre militarizadas, isso é ainda mais forte. Essa cultura legitima torturas e outras ações que são condenáveis do ponto de vista dos Direitos Humanos. Estamos tentando cuidar melhor dos nossos policiais para que eles também possam cuidar da sociedade da melhor forma possível. É a ética do cuidado", avalia Carballo.

Já Paulo Storani, ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais e atualmente consultor de segurança pública, entende que era esperado que o tráfico de drogas reagisse após anos de problemas menores em favelas pacificadas desde a implantação do projeto.

"É o que eu chamo de princípio da lassidão: a força que ocupava um território se retrai, devido a não ter possibilidades; e depois tenta retomar, com ações de guerrilhas. O policial, que muitas vezes não é treinado para encontrar esse tipo de situação, não sabe como agir", explicou.

Ex-coronel questiona pacificação

A opinião de Paulo César Lopes, ex-coronel da Polícia Militar do Rio por 37 anos e na reserva desde 2009, é mais radical que a de seus colegas. Segundo eles, a "falta de comando, controle e logística" é a causa de todos os problemas nas Unidades de Polícia Pacificadora, incluindo a morte de policiais nas comunidades.

"Nenhuma iniciativa que vem sendo adotada servirá para debelar essas mortes. A palavra chave é disciplina. Essas mortes vem ocorrendo por falta de disciplina, seja individual, seja tática, mas principalmente de comando. Além de não existir pacificação, sequer ocupação existe ", critica o ex-coronel, usando o exemplo do policial morto no morro do São Carlos em junho.
 Tarsius Doria Noia morreu após levar um tiro quando se dirigia a uma padaria no morro do Zinco, próxima à base da UPP. "O que ele estava fazendo em padaria? Onde está a estrutura para que os soldados façam suas refeições dentro de suas bases", questiona.

Segundo Paulo César, a solução passa por uma "remilitarização" da PM. "A polícia precisa ser remilitarizada.Tem que ter postos de controle, restrição à circulação de mototáxis, porque facilita a entrada e saída de drogas da comunidade, e o policial não pode se imiscuir neste meio. A função da polícia é atuar como força da lei. A socialização vem com outros órgãos", avalia.



infográfico Crise nas UPPs (Foto: Editoria de Arte / G1)

Histórico do policiamento comunitário

Até a década de 80, a Polícia Militar do Rio entrava nas comunidades apenas para operações. Durante o governo de Leonel Brizola, 82 a 85, a regra era que a polícia entrasse somente com autorização do governador. De acordo com Ubiratan Ângelo, ex-comandante da Polícia Militar do Rio, a pergunta feita no início dos anos 90 foi: “E se a PM ficar nas favelas?

"Após uma mega operação na Providência e no complexo Pavão-Pavãozinho, iniciou-se um tipo de policiamento focado mais em direitos humanos e relações interpessoais, com policiais mais jovens do Centro de Aperfeiçoamento e Formação de Praças, e troca de policiais a cada seis meses", relembra Ubiratan. Estava criado o Grupamento de Aplicação Prático-Escolar (Gape), em 1992.

Segundo Ubiratan, os crimes contra a vida diminuíram nas duas regiões, e os moradores ganharam capacidade de reivindicação. Em 1994, no entanto, o programa acabou sendo extinto. Segundo Ubiratan, os policiais não conseguiram lidar com a pressão da reivindicação dos moradores. “As instalações também eram péssimas, e o cenário todo contra gera negligência, raiva e vontade de descontar essa raiva em alguém. Isso explica os desvios de conduta", avalia o atual coordenador de Segurança Humana da ONG Viva Rio.

Entre 1999 e 2007, no governo de Anthony Garotinho, foi criado o Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais (Gepae), nos morros do Cavalão, em Niterói, e Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, comandados. As regras eram simples: proibição de ostensividade de armas nas comunidades, sem crianças no tráfico e sem desvios de conduta.

Apesar de inaugurações de outras unidades, com bases avançadas na Vila Cruzeiro, Morro da Formiga, Chácara e Casa Branca, Ubiratan conta que Gepae ficou à míngua por falta de apoio, já que havia pouco dinheiro e apoio por parte do Governo. "No caso das UPPs é diferente, mesmo porque o projeto foi concebido como um programa de governo", explica.

Segundo Ubiratan, a falta de preparo e treinamento se refletiu no comportamento da tropa nas últimas décadas. Apesar de avaliar que a situação nas favelas com UPP possa melhorar com o aprimoramento da tropa, Ubiratan pensa que só a polícia não resolve.

"A solução está além da polícia. Parece clichê, mas a parte social ficou faltando mesmo desde o início do projeto", avaliou o ex-comandante da PM entre 2007 e 2008.



Policiais da UPP Nova Brasília fazem curso de aprimoramento após problemas no Complexo do Alemão
(Foto: Divulgação Polícia Militar)

MEU COMENTÁRIO

Começo indicando ser muito sugestiva a foto do treinamento de PMs de UPPs para "pacificar" favelas...

O mestre Machado de Assis já dizia que de contrastes vive o homem. Com efeito, o mundo é feito de contrastes, por isso nenhuma pessoa vê com os mesmos olhos um objeto, a não ser as gentes preguiçosas que embarcam em ideias alheias. Daí o emaranhado de explicações dos oficiais consultados, cada qual com sua própria razão bem justificada e sincera, diferente da maliciosa postura do deputado estadual ouvido na matéria anterior. Ainda bem, todavia, que não se trata dum grupo de cirurgiões, com cada qual defendendo seu modo diverso dos demais para executar a mesma intervenção cirúrgica com o paciente já na mesa do centro cirúrgico...

Sublinho aqui a coragem dos profissionais da PMERJ ao expor suas versões sem qualquer pejo nem nódoa de proselitismo. Foram honestos e diretos! Não digo, entretanto, que um argumento seja mais importante que outro. Todos são válidos e merecem discussão mais aprofundada. Por outro lado, creio que o foco deles assentou-se na superfluidade da explicação jornalística, mantendo uns a cautela e outros, o açodamento. Tudo bem, no conjunto dos comentários salvaram-se todos!... Mas eu, respeitosamente, diria que lhes faltou relembrar a clássica frase do precursor da produção seriada em massa de automotivos, Henry Ford: “O que deve ser feito deve ser bem feito.”

Sim, pois o que se vê desde que o infortunado RJ recebeu o caudilho com suas inovações ao atropelo das leis e da doutrina de ordem pública a PMERJ jamais conseguiu ser a mesma. Pior é que ela vinha dum turbulento processo de fusão de instituições diferentes e nada afins, embora aparentemente iguais no conceito e nas leis: a PMRJ e a PMEG. Se não bastasse, esta última, por ocasião da Fusão, já trazia nas algibeiras profundos traumas institucionais em virtude da transferência da Capital Federal para Brasília. Enfim, houve uma vulcânica conjuntura a atordoar diversas estruturas dotadas de diferentes culturas e históricas tradições. Imaginar que desta teratologia política resultasse uma estrutura militar estadual homogênea (PMERJ) é piada de péssimo gosto.

A primeira questão a ser analisada deveria ser esta - organizacional. E quando se fala numa organização, destacam-se a estrutura, a tecnologia, as tarefas, o ambiente, as pessoas, e, principalmente, a competitividade. Sem boa estrutura, o edifício desaba... E sem pessoas, não existe nada...

Ora, no cômputo geral da organização PMERJ a competitividade internalizou-se, saiu do ambiente interno e se enfeixou no espaço intramuros da disputa de um poder voltado para si próprio. Portanto, o problema maior é grandioso no que se refere às dissensões internas em vista de uma disputa de poder que abominou os princípios basilares da hierarquia e da disciplina. 

Houve inclusive inversão de valores hierárquicos na insana disputa interna por diretorias, comandos e direções de maior relevo. Enfim, houve uma tenebrosa quebra dos princípios basilares (estruturais) do militarismo, como reclama não sem razão, mas com excesso de emoção, um dos entrevistados, exacerbando-se a entropia institucional a partir de comandos novatos recentes, estes que, casualmente sentados antes da hora na cadeira maior, subverteram a hierarquia e a disciplina em absurdo desrespeito aos seus princípios.

É claro que uma estrutura física dilacerada não pode produzir bons diagnósticos, não consegue fixar bons objetivos nem amealhar bons resultados, isto no mínimo. Uma estrutura que não é traçada para ser minimamente eficiente não consegue ser eficaz nem efetiva a não ser momentaneamente.

Pois bem, a PMERJ esqueceu-se de que antes de tudo é uma organização militar nos moldes constitucionais. Como tal, deveria primar por sua base estrutural voltada para os seus objetivos de natureza geral insculpidos na Carta Magna, para depois, sim, buscar seus objetivos intermediários e específicos em firme decisão. Digo PMERJ com o pensamento nas pessoas fardadas, em especial as dirigentes, já que no militarismo manda quem pode e obedece quem tem juízo...

A provocação poderia ser exemplificada no caso do Batalhão de Choque, que existe no mundo todo preparado especificamente para atuar no controle de distúrbios civis. Para tanto, porém, há de haver exaustiva doutrina de emprego e muita técnica a ser diariamente treinada no interregno de um ou outro distúrbio civil, para agir com eficácia no seu controle em todas as situações prováveis. Mas em vista da insensatez de dirigentes políticos leigos, este batalhão foi transformado em “bombril”. Age hoje como polícia repressiva em favelas, descaracterizando toda uma cultura específica e necessária, assim desvirtuando sua finalidade. Cito este, mas há outros desvios a serem considerados a partir de uma visão global.


Sim, desvios de finalidade, muitos, eis a questão da PMERJ de hoje, que faz com que seus dirigentes de um passado recente se desencontrem em seus argumentos ou os mantêm fragmentado, não ultrapassando o continente do assunto. E deste modo, ainda longe do conteúdo mais profundo, arrisco-me também a afirmar que todos, - inclusive o jornalista detentor da excelente ideia de sequenciar a sua crítica no G1, dando chance de resposta a alguns, - todos respondem de algum modo pelo fracasso das UPPs, que passa pela subserviência interna ao poder midiático e político de fora – leigo e improvisador. E é o que me basta no momento, para não falar em malícia contra a existência da bicentenária instituição PMERJ!

4 comentários:

Anônimo disse...

Novamente um comentário sensato, apesar de resumido. Vou além. Os resultados debito na conta única e exclusiva da ação dos governos estaduais, desde o caudilho. O primeiro passo para resolver um problema é reconhecer a sua existência. Mais de 30 anos se passaram e continuam fazendo mais do mesmo. Ora, é uma tolice achar que fazendo a mesma coisa se obterá resultado diverso, repetindo à exaustão a mesma experiência.
Sorte minha que enxerguei tal fato e me mandei daí muito antes, saí do "centro do insolúvel".
A cada ano fica mais complexa a coisa, rios de dinheiro sendo gastos em paliativos e acessórios que mantêm a estrutura ineficaz. A polícia é apenas a parte visível e na qual se pode bater; em síntese, "a Geni" do Chico Buarque.
Palmas para os velhos "especialistas" que ganharam o seu dindim explorando esse nicho e sejam bem vindos os novos que os substituem defendendo também o seu quinhão. Não são da competência da PM o emprego de verbas públicas em teleféricos, contenções de encostas, construção de escolas, creches, ONGs etc. em locais impróprios, a prioridade para quem invade em detrimento (e abandono total) de quem dignamente compra o seu lote legalizado na baixada e no interior, tampouco a definição de metas falaciosas em substituição à produtividade policial, esta sim reveladora da sua operosidade e do fracasso das políticas públicas voltadas para a educação, saúde, justiça, legislação penal e processual penal, penitenciária, de desarmamento, de maioridade penal, antidrogas, dentre outras.
E continuarão a defender as mesmas teses, por quanto tempo seja necessário e possível à manutenção da cara estrutura que regiamente os sustentam.

Anônimo disse...

Emir disse:

Caro comentarista, o pior de tudo é a dissensão interna. Mais que isto, as desavenças formando facções alimentadas por ódio e separando quem deveria se unir para pelo menos cumprir a missão de resgatar a PMERJ desse caos reinante. Impressiona-me o descaso dos mandatários atuais com o futuro, assim como me impressionavam os mandatários do passado, PMs, que tomaram o comando geral a partir do caudilho e de lá para cá só inventam novidades, se descuidando do simples, que é a observância das leis que definem a missão, da doutrina de emprego, enfim, dos princípios básicos e universais do Direito Administrativo da Segurança Pública. A verdade é que nos ensinaram tudo e nós seguimos fora do trilho em invencionices tendentes ao fracasso. E não há mais espaço nem tempo e muito menos vontade de acertar, mas apenas a subserviência a serviço dos insanos políticos que nos destroem a cada dia que passa. E o único alento é saber que todos nós passaremos, e esses políticos também, até que um dia o trem retome o trilho. Será?... Será que não sonho já com o improvável?...

Anônimo disse...

Sim, falei dos protagonistas do caos. Já no âmbito interno da PMERJ, faço a leitura de uma ambição desmedida, adaptando-se e acompanhando o mau exemplo dos governantes. Não se privilegia o conhecimento e a higidez moral mas sim a subserviência, o mimetismo à ideologia reinante. Anos de aplicação desse critério meramente político na escolha dos que deveriam conduzir o destino da Corporação e o resultado é a perda da identidade. Acompanho o V. questionamento final e alegro-me de que o mundo não nos modifique, aceitando com tranquilidade que não posso modificá-lo, mas tão somente fazer a minha parte.

Anônimo disse...

Emir disse:

Tem razão. O que não podemos é nos calar. Como nos ensinou Erico Verissimo no seu "Solo de Clarineta", o que relembro em minhas palavras, devemos acender todas as luzes; se não houver luzes, acendamos um toco de vela; se não houver vela, queimemos palitos de fósforo para iluminar a verdade, que não pode morrer na escuridão por conta dos tolos, dos covardes e dos cobiçosos pelo poder para se atender a si em detrimento da coletividade.