terça-feira, 30 de junho de 2015

RIO EM GUERRA XCI

 MAIORIDADE PENAL

“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)

Do G1, em Brasília

30/06/2015 07h59 - Atualizado em 30/06/2015 07h59

Cunha controlará com senha entrada de público na votação da maioridade

Tickets serão distribuídos aos partidos conforme o tamanho das bancadas.

PEC que reduz maioridade para 16 anos será votada nesta terça em plenário.

Nathalia Passarinho e Fernanda Calgaro


O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou ao G1 que vai controlar com o uso de senhas a entrada do público nas galerias do plenário durante a votação nesta terça-feira (29) da proposta de emenda à constituição (PEC) que reduz a maioridade penal.

Segundo ele, as senhas serão entregues aos partidos políticos, de forma proporcional ao tamanho das bancadas.  Assim, os blocos partidários com mais deputados terão mais “tickets” de acesso para distribuir.

O objetivo do controle é evitar tumulto como o ocorrido em sessões da comissão especial que elaborou e aprovou a PEC antes de o texto seguir para o plenário. Em uma das reuniões do colegiado, integrantes da União Nacional dos Estudantes Secundaristas (UBES) e da União Nacional dos Estudantes (UNE) subiram nas mesas do plenário da comissão, interrompendo a leitura do relatório da proposta. Seguranças reagiram com spray de pimenta, o que gerou ataques de tosse e correria pela Câmara.

“[O acesso] será por senha distribuída aos partidos de acordo com o tamanho das bancadas”, disse Cunha. Se ainda assim houver confusão ou manifestações em plenário, como vaias e barulho, o presidente da Casa poderá determinar a retirada do público. Diversas entidades que atuam na defesa dos direitos das crianças e adolescentes, como a Andi, convocaram um protesto contra a redução da maioridade penal  para ser realizado a partir das 17h na Câmara.

A PEC que será analisada pelo plenário reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal para jovens que cometerem crimes hediondos (como latrocínio e estupro), homicídio doloso (intencional), lesão corporal grave, seguida ou não de morte, e roubo qualificado.

Pelo texto, jovens entre 16 e 18 anos cumprirão a pena em estabelecimento separado dos maiores de 18 anos e dos adolescentes menores de 16 anos. Para ir ao Senado, a proposta precisa ser aprovada em dois turnos com o voto de pelo menos 308 deputados.

Divergência entre partidos

O PT é contra alterar a Constituição para reduzir a maioridade penal. Depois que Cunha decidiu acelerar a tramitação da PEC, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e a bancada do PT na Câmara passaram a admitir discutir alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente para ampliar o tempo de internação de jovens que cometem crimes graves.

Ao participar de visita à Assembleia Legislativa de Manaus nesta segunda (29),  Eduardo Cunha disse que o governo só “se mexeu” e aceitou negociar propostas que estabelecem sanção maior aos adolescentes depois que ele decidiu colocar na pauta do plenário a proposta de emenda à Constituição que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal.

É bom a gente ver que o governo se mexeu depois que nós colocamos [a proposta de redução] na pauta. Antes o PT obstruía a comissão que trata de alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente." (Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara) “É bom a gente ver que o governo se mexeu depois que nós colocamos na pauta. Antes o PT obstruía a comissão que trata de alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente. Depois que colocamos na pauta, eles começaram a tentar um acordo para votar alteração no ECA, que tem que ser mudado, sim. E deverá ser mudado, mas é uma discussão posterior. O ECA trata da idade até a maioridade. Resta ao Congresso decidir qual é a maioridade”, declarou.

O líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC), disse que vai tentar fazer “aquilo que for possível" para atrasar e impedir a votação no plenário. Além dos recursos regimentais (chamados de “kit obstrução”, que incluem a apresentação de requerimento para retirar tema de pauta, esvaziamento do plenário, entre outros) que poderão ser usados, Sibá disse que tem focado seus esforços no “convencimento” dos colegas.

“O kit obstrução é interessante, mas ele se esgota em algum momento. Nessa altura, o melhor é procurar voto”, afirmou.

A deputada Maria do Rosário (PT-RS), ex-ministra da Secretaria de Direitos Humanos, também defendeu que o partido utilize todas as ferramentas para barrar a votação da PEC. “A luta vale porque nós estamos convencidos de que essa medida, ao contrário de ter potencial para reduzir a violência, indica que vai ampliar a criminalidade no Brasil”, disse.

Líder do PMDB, o deputado Leonardo Picciani (RJ) afirmou que, pessoalmente, defende a redução da maioridade penal para crimes graves. Segundo ele, a bancada se reunirá antes da votação, nesta terça, para tentar chegar a uma posição de consenso sobre o tema. “Eu defendo, mas a bancada irá discutir a posição na reunião amanhã”, declarou.

A luta vale porque nós estamos convencidos de que essa medida, ao contrário de ter potencial para reduzir a violência, indica que vai ampliar a criminalidade no Brasil" Deputada Maria do Rosário (PT-RS), ex-ministra  da Secretaria de Direitos Humanos.

O líder do PSDB, Carlos Sampaio (SP), afirmou que quase a totalidade dos 53 deputados do partido votará a favor da PEC. “A bancada na sua ampla maioria, eu diria 90%, vota favoravelmente à proposta, até porque o deputado Laerte Bessa [relator da proposta] acolheu nossa posição de reduzir a maioridade somente para crime grave. A tendência é uma posição amplamente favorável”, disse.

Na mesma linha, o deputado Nilson Leitão (PSDB-SP) argumentou que a “grande quantidade” de crimes com participação de menores justifica uma medida “mais radical”.  “Estamos tendo um momento de surto da violência, como um surto de doença. E, num surto, temos que atacar na raiz, radicalizar. Em todas as cidades do Brasil está havendo crimes de menores todos os dias. Precisamos estancar e para estancar temos que radicalizar.”

O tucano também criticou o PT, dizendo que o partido se opõe à redução da maioridade penal sem apresentar alternativas para o problema da criminalidade. “O PT é um partido inerte em relação a qualquer ação no sentido de evitar crimes de menores. Estamos vivendo uma crise absurda. Como eles não têm nem proposta de prevenção, nenhuma alternativa, eles começam a querer trabalhar por exclusão.”

A bancada na sua ampla maioria, eu diria 90%, vota favoravelmente à proposta, até porque o deputado Laerte Bessa [relator da proposta] acolheu nossa posição de reduzir a maioridade somente para crime grave. A tendência é uma posição amplamente favorável", Deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), Líder do PSDB.

O PSOL pretende engrossar a mobilização do PT no plenário contrária à redução. “Achamos que essa PEC não só é inconstitucional, mas discordamos do mérito dela. Vamos travar toda a batalha possível, na base dos argumentos, para evitar a votação”, destacou o líder do partido na Câmara, Chico Alencar (RJ).

Apesar de considerar “incerto” o resultado da votação, ele avalia que o perfil do plenário é menos conservador do que o dos integrantes da comissão que analisou a PEC. “A comissão, como foi muito procurada por deputados ultraconservadores da linha duríssima, não tem uma proporção fiel à realidade do plenário, porque, se isso fosse verdade a redução já estaria consolidada”, opinou.

Na bancada do PSB, embora a maioria se posicione contra a redução da maioridade, não há consenso, de acordo com o líder da legenda, Fernando Coelho Filho (PE). A orientação do partido para a votação vai depender de uma reunião entre os deputados pela manhã. “Vamos votar internamente na bancada. Se for uma ampla maioria contrária, vamos orientar para derrubar. Mas, se for apertado, talvez libere a bancada”, explicou.

MEU COMENTÁRIO


Como se esperava, o tema vai pôr o Congresso Nacional em máxima ebulição, numa disputa ideológica, emocional e casuística. Como sempre, isto é bom!... Mas também é um perigo, pois não se é preciso ser nem medianamente racional para concluir que a fixação de um paradigma subjetivo de maioridade para estabelecer regras de punição não afetará a criminalidade geral. Ah, quem dera se alguma lei impedisse o ser humano de praticar crime. Fosse assim, as leis existentes seriam mais que suficientes e as prisões estariam vazias ou inexistiriam.

O problema é que o crime, segundo a ótica de muitos estudiosos, dentre os quais sublinho o criminalista espanhol Manuel López-Rey, é antes um sentimento humano, tal como o amor e o ódio. Por isso existe desde os mais remotíssimos tempos. Mas cuidar de atalhá-lo seguindo o mesmo expediente emocional não parece ser de bom senso. Ademais, é certo que infratores menores de 16 anos continuarão impunes, pois não há quem prove ser a idade de 18 anos algum parâmetro de maturidade, assim como não se pode concebê-la até entre maiores de 18 anos. Enfim, a prática de crimes, em princípio, não se prende à idade.

Talvez os ilustres parlamentares, contra ou a favor da diminuição da maioridade penal, devessem ouvir especialistas da psicologia e da psiquiatria, dentre outros mestres no assunto, já que existem estudos demonstrando ser a idade entre oito e doze anos fundamental para a formação psíquica do futuro adulto, como ensinou Jean Piaget, por exemplo. Cito-o, todavia, reconhecendo que trago pouca experiência conceitual sobre a influência da idade na formação do jovem e do adulto. Por outro lado, possuo razoável vivência com menores infratores sob a ótica de quem atuou na prevenção e na repressão ao crime como policial administrativo. Creio, porém, ser a primeira informação sobre Jean Piaget mais preciosa, mas ambas se perdem ante o clamor público que se construiu artificiosamente nos últimos meses. E isto é ruim...

Por outro lado, com o foco em López-Rey, penso que a diminuição da maioridade penal para crimes já tipificados como hediondos deva ser precedida, obrigatoriamente, de um sistema escolar de esclarecimento aos pré-adolescentes e adolescentes, de modo que o racional se sobreponha ao irracional e a sociedade esteja certa de que esses jovens não mais poderão alegar desconhecimento da lei, o que é comum ocorrer ainda hoje com a massa ignara em geral, incluindo os adultos que nas favelas pesam e embrulham quantidades mínimas de drogas (papelotes) para venda, porém certos de que estão apenas “trabalhando”.

Já deparei muitíssimas vezes com esta constrangedora situação de senhoras idosas, mulheres grávidas, velhos e crianças “trabalhando” na “endolação” de maconha e cocaína em favelas. E me refiro a grandes quantidades de gentes ignaras que se punham diante da lei, como infratoras, sem que efetivamente soubessem disso. E confesso que muitas vezes “prevariquei” para não entupir as cadeias de crianças e pessoas como as que aqui me refiro sem qualquer saudosismo.

Quem atuou em favelas combatendo o tráfico sabe do que falo, conhece o que seja um “paiol de endolação”, que, dependendo da demanda, pode exigir longo e exaustivo preparo para venda, em pequenas porções, de muitos quilos de coca e maconha. Enfim, falo de um comércio ilegal de produtos que são avidamente procurados por consumidores (viciados) lá na fonte do varejo: a favela. E muitas dessas pessoas que preparam a droga são movidas pela fome dos filhos, pela carência do remédio e, principalmente, pela desinformação. E olhe que tráfico de drogas é crime hediondo...

A verdade é que manifestação emocional dos políticos desembocará nos corredores policiais, nos ombros dos operadores do Direito (promotores, juízes e defensores) e nos meandros do falido sistema carcerário. Porque todos terão de se desdobrar em esforço para dar conta da nova fornada de criminosos desinibidos perante a dureza da nova lei, esta, que poderá funcionar como estímulo à valentia desses jovens a serem penalizados com maior rigor. Enfim, o tiro, se disparado sem cuidados racionais, poderá sair pela culatra...


Esperemos... Esperemos...

Nenhum comentário: