MAIORIDADE
PENAL
“O
mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas
por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert
Einstein)
MEU COMENTÁRIO
A quem caberá a
razão?
Venho
ao cerne desta discussão amparado mais uma vez em Manuel López-Rey (*), pesquisador
do fenômeno criminoso em derredor do mundo sob os auspícios da ONU. Dentre suas
obras, destaco a intitulada O CRIME, traduzida em muitos idiomas, disponível
inclusive na língua portuguesa.
O
livro retrata resultado de pesquisa realizada pelo autor em muitos países que cuidam
com seriedade da questão da criminalidade como um fenômeno sociopolítico, sem o
privilégio do que o autor denomina como “generalizações causais”. Entende ele,
porém, que há de se observar os “elementos condicionantes da criminalidade”, porém
situados como causas determinantes de efeitos por erro insistente de muitos que
se dizem estudiosos do fenômeno. Já o estudo do crime por Manuel López-Rey
situa-se num contexto sem contaminações sectárias.
O
supracitado autor se prende à ideia de que a criminalidade, independentemente
de “generalizações causais” ou de “elementos condicionantes”, é inerente ao ser
humano tal como o amor e o ódio. Enfim, quaisquer que sejam suas justificativas,
o crime sempre existirá porque o ser humano o contém como espécie de função
orgânica. É como se um indivíduo sentisse fome e buscasse saciá-la alcançando o
alimento. A forma como o faz varia de pessoa para pessoa, podendo-se especular
a hipótese de o ser humano preferir morrer de fome que furtar o alimento; já
outro preferiria furtar a comida na medida certa da fome a ser saciada. E outro
ultrapassaria todos os limites pelo mero prazer de ser violento. Diferente do
animal dito “irracional”, que usa a agressividade limitada à sua necessidade de
sobrevivência.
Portanto,
resumindo grosseiramente López-Rey, a tendência do ser humano à prática do
crime, que lhe é intrinseca, até pode ser contida mediante uma cultura do
não-crime em determinados ambientes. Seria mais ou menos admitir que no
ambiente social a desordem possa ser restaurada naturalmente, sem a
interferência de leis ou polícias. Mas isto não é regra, é exceção, daí
existirem leis e polícias em países distintos entre si, indo de ditaduras extremas
a um país defensor intransigente das liberdades individuais. Mesmo neste, todavia,
em vista das possibilidades inelutáveis do crime, hão de existir polícias e
leis.
Por
conseguinte, não há como pensar que uma boa educação do ser humano desde a sua
infância, passando pela adolescência e alcançando a fase adulta, evitará sua
inclinação para a prática de crimes. Nem também lhe garantindo excelente
mobilidade social sua predileção pelo crime será apagada. Sim, apesar de tudo haverá
criminosos em ação, que devem ser atalhados antes, durante ou depois do crime.
Conclui-se, portanto, que realmente o crime não se justifica por nenhuma
generalização causal, como defendem os sectários e os desinformados, dentre
outros avessos à razão.
Deste
modo, quando leio algum argumento deveras convincente sugerindo “menos presídio
e mais escolas”, como escreve o ilustre defensor público-geral do RJ, Dr. André
Luís Machado de Castro, chego a imaginar ser ele o detentor da verdade. Mas
como contraponto ao seu forte argumento escreve com mais razão o ex-presidente
do STF, Carlos Veloso, garantindo que um jovem de 16 anos possui, sim,
“capacidade de entender a conduta criminosa”. Mas, para tanto, a conduta criminosa
deve ser adrede tipificada e penalizada.
Vejo
ainda mais, pela argumentação do ilustre ex-presidente do STF, que López-Rey realmente
encerrou o assunto: o crime não passa de fenômeno sociopolítico, cabendo à
sociedade, ou por seus representantes políticos, ou por plebiscito numa
democracia direta, determinar quais condutas são inaceitáveis em cotejo com o
bem maior que deve reger a vida em sociedade: o Bem Comum.
Por
outro lado, em muitos pontos o defensor público-geral do RJ está também coberto
de razão. Sua abordagem é sábia, e suas sugestões devem ser acolhidas, sim,
quando defende “menos presídios e mais escolas”. Mas a realidade empurra a
solução para o tempo presente, não a ponto de situar de maneira simples a
solução de problema tão complexo, como ele sabiamente condena. Eu também
defendo que para um problema complexo há de haver solução complexa. Entretanto,
ela deve ser materializada de maneira simples e direta, ou seja, em concretude
que independa de vieses retardadores, como o de educar uma criança para que no
futuro não seja um adulto criminoso. Cá entre nós, é esperar demais!...
Ora
bem, nem um extremo nem outro, que haja o aproveitamento simultâneo de ambas as
ideias, ainda acrescidas de outras reflexões que escaparam aos insignes
articulistas! Sem dúvida, ambos são renomados juristas, inegavelmente sábios,
mas logo se nota uma importante lacuna a ser preenchida por um sábio em
segurança pública, isto no mínimo, pois esta discussão não pode se restringir a
duas ou três opiniões, mas a várias. Mesmo assim, serão poucas, eis que não
sabemos se traduzem a soberana vontade do povo, o que somente se conseguirá
saber por ampla e profunda pesquisa de opinião.
Neste
ponto, sou mais uma vez obrigado a dar razão ao ilustre defensor público-geral
do RJ. Mudar a maioridade penal apenas por votação de alguns deputados
naturalmente contaminados pelo sectarismo não me parece prudente. No fim de
contas, vivemos num país que não respeita a igualdade de direitos e se prende à
dicotomia senhor-e-escravo, cujo exemplo trazido pelo defensor público-geral
foi definitivo, lapidar, inelutável. Ora, a vida do médico assassinado na Lagoa
por um adolescente, fato considerado “inadmissível” em momento de atordoamento,
não pode valer mais que a vida das vítimas do Morro do Dendê ou de outras
localidades pauperizadas, onde o crime de sangue é tão banal a ponto de sugerir
a indagação: “Seria então admissível”?...
Por
outro lado, concordo integralmente com o comentário do insigne ex-presidente do
STF, ministro Carlos Veloso, cujo argumento é consoante com a ideia central de
López-Rey sobre o crime e os criminosos. Enfim, dois monumentais argumentos,
que, porém não se devem situar em trincheiras opostas, mas se completar até
formar uma só tese a merecer outras antíteses, e assim sucessivamente, até se
chegar à síntese, e isto não pode ser em correria congressual em vista de algum
fato criminoso isolado, por mais cruel que tenha sido e por mais importante que
seja a vítima.
(*)
Manuel López-Rey Arrojo,
catedrático y criminólogo (EL PAÍS 19 DIC 1987)
Manuel López-Rey Arrojo, catedrático y
una de las personalidades más conocida en la rama de criminología, falleció a
los 84 años en Cambridge (Reino Unido). Juez de primera instancia e
instrucción, ocupó la cátedra de Derecho Penal en las universidades de La
Laguna (Tenerife), Sevilla y Salamanca. Durante la II República fue director general
de Prisiones y jefe de Orden Público en Madrid. Posteriormente, al ser
condenado a muerte, se exilió en Bolivia, Chile, Argentina y Perú, y no regresó
a España hasta la llegada del régimen democrático, dedicándose a la enseñanza
en el Instituto Universitario de Criminología de la Complutense de Madrid.
Presidente del Comité de Prevención del Delito en las Naciones Unidas, era
también catedrático de Derecho Penal y Criminología en la universidad de
Cambridge. López-Rey era autor de más de 200 publicaciones y estaba propuesto
para ser investido doctor honoris causa por la Complutense.
Nenhum comentário:
Postar um comentário