sexta-feira, 22 de maio de 2015

RIO EM GUERRA LXXVI


MAIORIDADE PENAL

“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)





MEU COMENTÁRIO

A quem caberá a razão?

Venho ao cerne desta discussão amparado mais uma vez em Manuel López-Rey (*), pesquisador do fenômeno criminoso em derredor do mundo sob os auspícios da ONU. Dentre suas obras, destaco a intitulada O CRIME, traduzida em muitos idiomas, disponível inclusive na língua portuguesa.

O livro retrata resultado de pesquisa realizada pelo autor em muitos países que cuidam com seriedade da questão da criminalidade como um fenômeno sociopolítico, sem o privilégio do que o autor denomina como “generalizações causais”. Entende ele, porém, que há de se observar os “elementos condicionantes da criminalidade”, porém situados como causas determinantes de efeitos por erro insistente de muitos que se dizem estudiosos do fenômeno. Já o estudo do crime por Manuel López-Rey situa-se num contexto sem contaminações sectárias.

O supracitado autor se prende à ideia de que a criminalidade, independentemente de “generalizações causais” ou de “elementos condicionantes”, é inerente ao ser humano tal como o amor e o ódio. Enfim, quaisquer que sejam suas justificativas, o crime sempre existirá porque o ser humano o contém como espécie de função orgânica. É como se um indivíduo sentisse fome e buscasse saciá-la alcançando o alimento. A forma como o faz varia de pessoa para pessoa, podendo-se especular a hipótese de o ser humano preferir morrer de fome que furtar o alimento; já outro preferiria furtar a comida na medida certa da fome a ser saciada. E outro ultrapassaria todos os limites pelo mero prazer de ser violento. Diferente do animal dito “irracional”, que usa a agressividade limitada à sua necessidade de sobrevivência.

Portanto, resumindo grosseiramente López-Rey, a tendência do ser humano à prática do crime, que lhe é intrinseca, até pode ser contida mediante uma cultura do não-crime em determinados ambientes. Seria mais ou menos admitir que no ambiente social a desordem possa ser restaurada naturalmente, sem a interferência de leis ou polícias. Mas isto não é regra, é exceção, daí existirem leis e polícias em países distintos entre si, indo de ditaduras extremas a um país defensor intransigente das liberdades individuais. Mesmo neste, todavia, em vista das possibilidades inelutáveis do crime, hão de existir polícias e leis.

Por conseguinte, não há como pensar que uma boa educação do ser humano desde a sua infância, passando pela adolescência e alcançando a fase adulta, evitará sua inclinação para a prática de crimes. Nem também lhe garantindo excelente mobilidade social sua predileção pelo crime será apagada. Sim, apesar de tudo haverá criminosos em ação, que devem ser atalhados antes, durante ou depois do crime. Conclui-se, portanto, que realmente o crime não se justifica por nenhuma generalização causal, como defendem os sectários e os desinformados, dentre outros avessos à razão.

Deste modo, quando leio algum argumento deveras convincente sugerindo “menos presídio e mais escolas”, como escreve o ilustre defensor público-geral do RJ, Dr. André Luís Machado de Castro, chego a imaginar ser ele o detentor da verdade. Mas como contraponto ao seu forte argumento escreve com mais razão o ex-presidente do STF, Carlos Veloso, garantindo que um jovem de 16 anos possui, sim, “capacidade de entender a conduta criminosa”. Mas, para tanto, a conduta criminosa deve ser adrede tipificada e penalizada.

Vejo ainda mais, pela argumentação do ilustre ex-presidente do STF, que López-Rey realmente encerrou o assunto: o crime não passa de fenômeno sociopolítico, cabendo à sociedade, ou por seus representantes políticos, ou por plebiscito numa democracia direta, determinar quais condutas são inaceitáveis em cotejo com o bem maior que deve reger a vida em sociedade: o Bem Comum.

Por outro lado, em muitos pontos o defensor público-geral do RJ está também coberto de razão. Sua abordagem é sábia, e suas sugestões devem ser acolhidas, sim, quando defende “menos presídios e mais escolas”. Mas a realidade empurra a solução para o tempo presente, não a ponto de situar de maneira simples a solução de problema tão complexo, como ele sabiamente condena. Eu também defendo que para um problema complexo há de haver solução complexa. Entretanto, ela deve ser materializada de maneira simples e direta, ou seja, em concretude que independa de vieses retardadores, como o de educar uma criança para que no futuro não seja um adulto criminoso. Cá entre nós, é esperar demais!...

Ora bem, nem um extremo nem outro, que haja o aproveitamento simultâneo de ambas as ideias, ainda acrescidas de outras reflexões que escaparam aos insignes articulistas! Sem dúvida, ambos são renomados juristas, inegavelmente sábios, mas logo se nota uma importante lacuna a ser preenchida por um sábio em segurança pública, isto no mínimo, pois esta discussão não pode se restringir a duas ou três opiniões, mas a várias. Mesmo assim, serão poucas, eis que não sabemos se traduzem a soberana vontade do povo, o que somente se conseguirá saber por ampla e profunda pesquisa de opinião.

Neste ponto, sou mais uma vez obrigado a dar razão ao ilustre defensor público-geral do RJ. Mudar a maioridade penal apenas por votação de alguns deputados naturalmente contaminados pelo sectarismo não me parece prudente. No fim de contas, vivemos num país que não respeita a igualdade de direitos e se prende à dicotomia senhor-e-escravo, cujo exemplo trazido pelo defensor público-geral foi definitivo, lapidar, inelutável. Ora, a vida do médico assassinado na Lagoa por um adolescente, fato considerado “inadmissível” em momento de atordoamento, não pode valer mais que a vida das vítimas do Morro do Dendê ou de outras localidades pauperizadas, onde o crime de sangue é tão banal a ponto de sugerir a indagação: “Seria então admissível”?...

Por outro lado, concordo integralmente com o comentário do insigne ex-presidente do STF, ministro Carlos Veloso, cujo argumento é consoante com a ideia central de López-Rey sobre o crime e os criminosos. Enfim, dois monumentais argumentos, que, porém não se devem situar em trincheiras opostas, mas se completar até formar uma só tese a merecer outras antíteses, e assim sucessivamente, até se chegar à síntese, e isto não pode ser em correria congressual em vista de algum fato criminoso isolado, por mais cruel que tenha sido e por mais importante que seja a vítima.

(*) Manuel López-Rey Arrojo, catedrático y criminólogo (EL PAÍS 19 DIC 1987)

Manuel López-Rey Arrojo, catedrático y una de las personalidades más conocida en la rama de criminología, falleció a los 84 años en Cambridge (Reino Unido). Juez de primera instancia e instrucción, ocupó la cátedra de Derecho Penal en las universidades de La Laguna (Tenerife), Sevilla y Salamanca. Durante la II República fue director general de Prisiones y jefe de Orden Público en Madrid. Posteriormente, al ser condenado a muerte, se exilió en Bolivia, Chile, Argentina y Perú, y no regresó a España hasta la llegada del régimen democrático, dedicándose a la enseñanza en el Instituto Universitario de Criminología de la Complutense de Madrid. Presidente del Comité de Prevención del Delito en las Naciones Unidas, era también catedrático de Derecho Penal y Criminología en la universidad de Cambridge. López-Rey era autor de más de 200 publicaciones y estaba propuesto para ser investido doctor honoris causa por la Complutense.



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