sexta-feira, 3 de abril de 2015

RIO EM GUERRA XXXVIII

“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)

G1 Rio

03/04/2015 16h19 - Atualizado em 03/04/2015 17h40

Protesto contra morte de menino no Alemão tem confronto com a PM


Polícia chegou a lançar bombas de efeito moral contra moradores.

Eduardo de Jesus, de 10 anos, foi vítima de bala perdida em operação.

Moradores do Conjunto de Favelas do Alemão, no Subúrbio do Rio, realizam um ato na tarde desta sexta-feira (3) santa, na Estrada do Itararé, uma das vias de acesso à comunidade. Eles protestam contra a morte de Eduardo de Jesus Ferreira, de 10 anos, na quinta-feira (2), durante uma operação policial na favela do Areal. Houve tumulto entre manifestantes e policiais. A PM chegou a lançar bombas de efeito moral.

Manifestantes mais exaltados revidaram atirando garrafas e pedras contra os policiais. Barricadas também foram montadas para dificultar a movimentação de PMs. Pessoas que participavam do ato precisaram cobrir os rostos com panos para amenizar os efeitos das bombas. Moradores de casas da Estrada do Itararé estenderam panos brancos em suas janelas pedindo paz.

O protesto se encaminhava para a sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Alemão, quando o tumulto começou. Houve correria e pessoas de idade, que participavam do protesto, precisaram se esconder em bares. O policiamento foi reforçado com policiais do Batalhão de Ações com Cães (BAC) no local.




Polícia lançou bombas de efeito moral contra manifestantes (Foto: Reprodução/ Globo News)

Entenda o caso

A doméstica Terezinha Maria de Jesus, de 40 anos, diz não ter dúvida de que foi um policial militar do Batalhão de Choque que matou seu filho, Eduardo de Jesus Ferreira, de 10 anos. Em entrevista ao G1, ela afirma ainda que foi ameaçada pelo mesmo policial ao cobrar o crime.

O garoto foi baleado na porta de casa e morreu na hora no fim da tarde de quinta-feira, no Conjunto de Favelas do Alemão. A Divisão de Homicídios da Polícia Civil investiga a autoria do disparo.
“Eu marquei a cara dele. Eu nunca vou esquecer o rosto do PM que acabou com a minha vida. Quando eu corri para falar com ele, ele apontou a arma para mim. Eu falei ‘pode me matar, você já acabou com a minha vida’”, contou.

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Terezinha disse que estava sentada na sala de casa, assistindo televisão quando viu o filho ser morto. “Ele estava sentado no sofá comigo. Foi questão de segundos. Ele saiu e sentou no batente da porta. Teve um estrondo e, quando olhei, parte do crânio do meu filho estava na sala e ele caído lá embaixo morto”, relembrou.

Eduardo de Jesus Ferreira iria começar um curso na Tijuca, Zona Norte do Rio, segundo a mãe. “Ele estudava o dia inteiro, ele ia fazer um curso do Sebrae na Tijuca. Eu matriculei e ele ia começar na quarta-feira (8), e eles tiraram o sonho do meu filho”, afirmou.

PMs afastados

Os policiais do Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque) e da Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) que estavam na operação que resultou na morte do menino Eduardo de Jesus Ferreira foram afastados do policiamento nas ruas, tiveram suas armas recolhidas para a realização de exame balístico e já estão respondendo a um Inquérito Policial Militar (IPM), informou nesta sexta-feira (3) o governo do estado. 

Por volta das 16h desta sexta-feira (3), mãede Eduardo, Terezinha Maria de Jesus, prestava depoimento a policiais da Divisão de Homícidios no Institutlo Médico lecal (IML), na ZOna Portuária. O corpo do garoto ainda não foi liberado. Terezinha quer enterrar o corpo do filho no Piaú, sua terra natal.

MEU COMENTÁRIO

Não é assunto repisado, é desdobramento duma revolta de moradores em lugar tido como “conquistado e pacificado” até receber sua bandeira vermelha (no conceito das autoridades, trata-se de região ainda conflitante).

Indo direto ao assunto, os confrontos bélicos entre tropas normais e especiais da PMERJ e traficantes no Complexo do Alemão sugerem um cenário de guerrilha urbana com todos os seus ingredientes, incluindo-se o principal: o apoio dos habitantes aos bandidos, por não terem nem como pensar em apoiar o sistema situacional lá representado pela corporação militar estadual.

Enfim, não há como conceber alguma pacificação sem o apoio da população favelada, hoje nitidamente revoltada contra o Estado-repressor, o que a põe naturalmente ao lado dos traficantes, inviabilizando assim o projeto de UPPs na populosa comunidade ainda caracterizada pelo difícil acesso.

Sem o apoio da população, os serviços de inteligência da polícia ficam neutralizados. Em contrário, os bandidos contam com toda gama de informações sobre os deslocamentos da polícia nas comunidades, grave óbice operacional a pôr em risco de vida do PMs. Estes, por sua vez, diante do extremo risco, são naturalmente vencidos pelo estresse e reagem até ao voo da mosca, resultando desastres como o da morte do menino Eduardo de Jesus Ferreira.

O cenário que se vê, portanto, é o mesmo de ontem, e resumido ao seguinte: ação de presença da PM, resistência armada de bandidos, reação imediata da PM, tiroteios sem controle de alvos e morte de inocentes. A seguir emergem os protestos ao modo de sempre: barricadas de pneus, o povo jogando pedras e garrafas contra a tropa que avança para contê-lo, tornando-se a “guerra” da PM não mais contra os bandidos, mas contra pessoas ordeiras que se revoltam cheias de razão. Sim, cheias de razão, pois a índole (cultura) da PMERJ em relação à repressão ao tráfico no varejo em favelas é a mesma de trinta anos atrás: nada mudou a não ser para pior.

Lembra-me aqui uma frase de Henry Ford: “O que deve ser feito, deve ser bem feito.”

A verdade é que a PMERJ vem dando com seus burros n’água por querer sair de sua rotina tão-somente para atender aos inventos e reinventos dos gestores políticos. E estes, que dependem de eleições para a permanência no poder, insistem em inovar naquilo que desconhecem. Tudo bem, eles podem errar à vontade, pois sabem que ao fim e ao cabo a culpa de tudo recairá na PMERJ. E esta, desunida internamente, com dissidências profundas entre os seus quadros, especialmente entre oficiais superiores, torna-se a mais e mais subserviente ao poder político somente para garantir o mando interno e lograr êxito em outros interesses distanciados dos reclamos institucionais.

Contam os eventuais detentores do poder interno com uma rígida estrutura hierárquico-disciplinar-piramidal que culmina com o mando total e absoluto de apenas um: o ungido pelo poder político como comandante-geral. Claro que este possui seu grupo de interesse, que geralmente se reporta aos alojamentos, refeitórios e salas de aula da Academia Dom João VI, salvo algumas dissidências de caminho. Como são promovidos a um só tempo, quando um deles é alçado ao poder interno o grupo assume todas as posições estratégicas a partir do paradigma de todos os grupos de amizade e interesses: aos amigos tudo, aos contrários e inimigos a pior ou a nenhuma parte.

Eis como a corporação vem há anos se apresentando ao público para mais uma etapa do jogo político, tudo isto bem antes de ir às ruas para cumprir sua missão constitucional. Mas, neste andar da carruagem, a principal missão é a de obedecer ao mando de fora e o resto que se ajeite. Daí é que os comandos, as chefias e as direções vivem em permanente sobressalto, com um grupo mandando em tudo e outros grupos, devidamente alijados, tentando sabotar seus desafetos. Sim, eis aí a estrutura forjada em dissensões que, queiram ou não os gestores externos e a sociedade como um todo, afetam a tropa de cima para baixo. E assim vai às ruas diariamente. Em princípio, e partindo dum pressuposto tão otimista quanto falso, todos que vão às ruas são bem-intencionados, tecnicamente preparados, insubornáveis e de mentes saudáveis. Será?...

Não! Na verdade, os que vão às ruas não formam uma corporação no seu sentido mais essencial: um só corpo e um só coração. O jogo de interesses individuais é pesado, as desavenças são profundas e alcançam o PM isolado, este que interrompe o direito de ir e vir do cidadão numa blitz, em violência moral, não raro desdobrando esta “polícia de proximidade” em violência física. Tudo isto ocorre ainda na suposta fase preventiva de polícia administrativa, esta que, desde muito tempo, é pautada pelo distanciamento e pela aversão ao binômio polícia-povo, que hoje se representa por seu inverso: polícia versus povo.

Sim, porque o PM ou está dentro da viatura em movimento e indiferente ao ambiente, ou se mostra agressivo somente pelo olhar dirigido ao transeunte, ou está com a viatura estacionada, com ele fora dela, porém sem se comunicar com os passantes. Sim, esta é a cena mais comum e observada por qualquer cidadão, salvo raríssimas exceções, geralmente quando o PM cruza com algum colega de folga, ou amigo de infância, ou vizinho, ou algo que o valha. Mas não demora muito para que a PMERJ determine uma blitz (Ação Repressiva - ARep) e esse efetivo, que já está fora do foco institucional, mude da água para o vinho... Para pior...  Daí as pessoas são paradas sem qualquer motivo que não seja a idiossincrasia do PM. E quando reagem furando a blitz são fuziladas pelas costas, cena comum de tão repetida no cotidiano da ação operacional da PMERJ em todo o RJ.

E aí emerge a pior parte: as ações operacionais em favelas do RJ, com cada batalhão agindo conforme a idiossincrasia do seu eventual comando, claro que tudo enquadrado nas normas vigentes. Tal paradoxo decorre exatamente daquele modelo estrutural hierárquico-disciplinar-piramidal que lembra os poleiros de galináceos de tal modo superpostos que os galináceos de cima sujam os de baixo. Mas a PMERJ não pode parar, tem de apresentar serviço, tem de gerar matéria para ávidos jornalistas que, no fundo, querem ver o circo pegar fogo. Daí é que, se não houver o “kit imprensa”, os comandos são questionados até na sua honestidade. Por sua vez, o “kit imprensa” é exigido da tropa, e ela tem de se esmerar para garantir seu pedacinho de poder representado pela possibilidade de agir contra ou a favor dos cidadãos, tudo depende, tudo é relativo, em cada cabeça uma sentença...

No meio desta confusão institucional antiga é que emergiu a ideia da “pacificação”, não sem antes um governante vociferar ao mundo sua postura defensora do “enfrentamento”. Por sinal, após ocorrência da PCERJ no Complexo do Alemão que resultara em 19 mortes de “supostos” traficantes (o “suposto” é para imitar os repórteres). Na verdade, a “pacificação” surgiu ao acaso, como declarou o secretário Beltrame em livro sobre a sua (dele) vida pessoal e profissional. Tudo bem, no início, e numa pequena comunidade da Zona Sul (Morro Dona Marta), a primeira UPP acertou e empolgou o Rio, e o Brasil, e ganhou o mundo como panaceia para todos os males da criminalidade. Que ledo engano!...

Não vou me alongar. Não vou mais falar em seletividade do uso da força nem detalhar como a CRFB prescreve a missão das Polícias Militares. Também não vou me estender pela doutrina nem descreverei como a PMERJ atua (ou deveria atuar) no ambiente social do RJ. Menos ainda devo dizer que a segurança pública é antes de tudo um direito do cidadão, seja ele da favela ou do asfalto. Também não vou historiar sobre a evolução das facções criminosas a partir dos presídios do RJ, isto antes da própria evolução do tráfico no mundo e aqui. Só direi, para finalizar, o seguinte: o narcotráfico dominou as favelas brasileiras, não apenas as do Rio de Janeiro. O narcotráfico apresenta-se mais poderoso que o sistema estatal, e o final desta história eu não sei e talvez jamais saiba. Sei, porém, que muitos PMs morrerão ou serão feridos no RJ, outros serão encarcerados, e muitas pessoas inocentes pagarão com a vida pelo azar de nascer em berço de lata enferrujada e morar em favelas. Pois interessa a muitas gentes finas a permanência da luta entre os rotos e os esfarrapados...


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