“Existem objetos como as rochas e os abridores de
latas, que simplesmente existem e podem ser completamente explicados por uma
lista de suas propriedades. E existem coisas que somente podem ser explicadas contando
uma história. Para as coisas do segundo tipo, uma simples descrição nunca é
suficiente. Uma história é a única descrição adequada para elas, porque
entidades como as pessoas e as culturas não são de fato coisas, mas sim
processos que se desenvolvem no tempo.” (Smolin, Lee – Três caminhos para a
Gravidade Quântica)
Faz tempo que a PMERJ
promove estudos a respeito de vantagens e desvantagens da especialização.
Depois de muito produzir conhecimento sobre o tema, tendo geralmente como foco
o efetivo de companhias (frações de batalhão) para avaliar se as especializadas
produziriam mais que as de natureza geral, as conclusões indicaram a
inutilidade de se optar por uma condição ou outra.
Para melhor
entendimento do assunto é só imaginar um batalhão com suas companhias, cada
qual cuidando de suas respectivas subáreas (disposição dos meios no terreno) e
exercitando todas as formas de policiamento (POG, RP, PATAMO, PAMESP etc.), ou
seja, dividindo tarefas por subáreas específicas e facilitando a supervisão pelo comando da respectiva companhia. Ou então um batalhão estruturado
por companhias especializadas, distribuídas na área total do batalhão, com a
desvantagem da dispersão do comando e da supervisão.
Mas é bom que se diga
que a opção por um ou outro modelo não significa uma simples troca de meia
dúzia por seis, isto porque, segundo os estudos, a especialização significa
concentração de uma só cultura operacional e o rendimento é supostamente mais
aproximado do que a Teoria Geral da Administração designa como “resultado
ótimo” (o todo maior que a soma das partes). Por outro lado, a especialização
resulta num natural desinteresse do PM por outros conhecimentos que lhe podem
fazer falta diante da necessidade de rodízio dos efetivos para evitar a inércia
funcional (acomodação). Como se vê, não é assunto simples porque afeta o
desempenho individual.
Creio que a
especialização vem funcionando muito bem quando se trata de tropa adrede
considerada “especializada”, como o BOPE. Já o Batalhão de Choque, que deveria
ser especializado em controle de distúrbios, vem sendo a mais e mais utilizado
na contenção do tráfico em favelas, o que o torna semelhante a qualquer
batalhão operacional. Bem, nem vou adentrar os métodos de ação, pois cada
favela é uma favela e cada caso é um caso, ou seja, são cenários de terreno
diversos, demandando ações pontuais e específicas de evolução no terreno para
enfrentamento de reações armadas.
Neste contexto complexo
é que as tropas especializadas vêm avançando em conquistas visando à posterior pacificação
das áreas conquistadas, transição que se demonstra nada fácil principalmente
nos complexos favelados historicamente emblemáticos por homiziarem “sedes” de
facções criminosas geralmente rivais.
Porque, se por uma lado
é possível à PMERJ agir operativamente para conquistar, inclusive com o providencial
apoio das Forças Armadas, por outro não é simples pacificar esses locais com
policiamento normal e tentativas de exercício da “polícia de proximidade”, que até
vêm dando certo em algumas localidades como no Morro Dona Marta ou no Vidigal.
Já em outras localidades a realidade não é alvissareira, demandando reestudos
de situação e providências novas, de modo a que tudo se ajuste à máxima
estrutural de Louis Sullivan: “A forma deve seguir a função.”
Enfim, para cada objetivo
ou grupo de objetivos é necessário adaptar as estruturas (exercício da
eficiência) para alcançar ótimos resultados (eficácia), esperando-se que haja o
aplauso da população (efetividade). Mas não se trata de situações fixas,
inflexíveis, imutáveis, porque tudo é processo, o que implica admitir avanços e
recuos mesmo durante a execução de tarefas. Numa visão sistêmica, é possível
realimentar o sistema com os resultados para novamente processá-los e assim
corrigir rumos. Aliás, não é somente possível, mas indispensável. E, pelo que
entendi das declarações do secretário Beltrame, confirmado no cargo, é o que
ele pretende fazer com as UPPs, e para tanto deve ser apoiado.
Devo também inserir que
nem é preciso falar das instalações precárias que acolhem as UPPs. Trata-se de
providência mínima de conforto e segurança, carências estruturais que devem ser
imediatamente supridas sem economia de meios. Do mesmo modo, a seletividade do
uso da força preventiva e repressiva deve ser seriamente reavaliada em função da
morte de muitos PMs em locais com UPP, algo que deve cessar a qualquer custo. A
superioridade da força pública demanda a aplicação de maiores efetivos no dia a
dia do patrulhamento, garantia mínima de resguardo da vida dos PMs, dos
cidadãos favelados e até dos bandidos, estes que, diante da derrota certa,
costumam recuar, tornando-se menos belicosos.
Reitero que não trato
aqui de preferências políticas. Cuido de sugestões institucionais, que devem
interessar a qualquer profissional da área, não importando se estejam ou não
executando tarefas, e sejam ou não alinhados ao governo. Os conceitos pertencem
a todos.
Sabemos não haver boas
tarefas sem o escudo de bons conceitos, a teoria é terrivelmente instrumental.
Sem ela, a prática se prejudica. Portanto, tem razão o secretário ao afirmar
ser hora de diagnosticar todo o processo de UPPs, em todos os locais onde
existem, verificando o que vem dando certo e o que necessita de revisão.
Reestudar sistemas e
subsistemas em andamento é salutar em qualquer organização. Sim, porque não há
como sugerir à opinião pública que tudo está bem e que nada precisa de correção
de rumo. Afinal, o ambiente é dinâmico e exige mudanças. Ambiente é processo. É
história. Vamos então aguardar e torcer para que as UPPs realmente atendam aos
anseios primeiramente dos favelados, que têm direito a uma vida de paz. E se
somente este objetivo for alcançado, já está ótimo.
Lembro, por último, que
Pezão não é Cabral e deve agir diferente no seu compromisso com o povo. Não
votei nele, mas nem por isso torcerei contra ele. Por outro lado, manter-me-ei
em minha postura crítica, sempre construtiva, que não envolve pessoas, mas
conceitos. E no caso das UPPs a PMERJ não pode e não deve falhar, assim como
nenhum candidato considerou a hipótese de extingui-las. A UPP é fato consumado,
pelo menos por um longo tempo. Mas, como estrutura disposta a atingir fins
elevados, deve ser revista como sugeriu o secretário em discurso coerente com o
novo momento. Que tenham todos um bom recomeço!
2 comentários:
Até é compreensível o plano de instauração duma UPP evitar o confronto armado; mas, contudo, um bom trabalho de inteligência urge ser implantado para evitar a transferência de armas de grosso calibre para outras regiões do Estado.
Emir disse:
Com certeza! Vide o que a PM e a PC apreenderam em Cabo Frio faz pouco tempo. Por isso é que eu defendo que tudo deve ser estudado com fundamento na Teoria de Sistemas, pois tudo é interligado: favela-asfalto-capital-periferia-interior. Enfim, tudo, pois não existe nada isolado, a visão globalística é essencial. O problema é que nossas fronteiras pátrias estão à mercê de traficantes de drogas e de armas e neste jogo de empurra quem sofre mais é a PM. Nenhuma novidade, fiz esta reclamação em 1989, quando apreendi na Favela de Acari o primeiro fuzil AR-15 em mãos de traficantes. Naquela época o armamento do bandido (e do policial) era constituído por metralhadoras, escopetas, pistolas e revólveres. E hoje?... Vou postar a matéria de época e minha reclamação que morreu na praia...
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