sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Sobre as UPPs neste novo momento





“Existem objetos como as rochas e os abridores de latas, que simplesmente existem e podem ser completamente explicados por uma lista de suas propriedades. E existem coisas que somente podem ser explicadas contando uma história. Para as coisas do segundo tipo, uma simples descrição nunca é suficiente. Uma história é a única descrição adequada para elas, porque entidades como as pessoas e as culturas não são de fato coisas, mas sim processos que se desenvolvem no tempo.” (Smolin, Lee – Três caminhos para a Gravidade Quântica)

Faz tempo que a PMERJ promove estudos a respeito de vantagens e desvantagens da especialização. Depois de muito produzir conhecimento sobre o tema, tendo geralmente como foco o efetivo de companhias (frações de batalhão) para avaliar se as especializadas produziriam mais que as de natureza geral, as conclusões indicaram a inutilidade de se optar por uma condição ou outra.

Para melhor entendimento do assunto é só imaginar um batalhão com suas companhias, cada qual cuidando de suas respectivas subáreas (disposição dos meios no terreno) e exercitando todas as formas de policiamento (POG, RP, PATAMO, PAMESP etc.), ou seja, dividindo tarefas por subáreas específicas e facilitando a supervisão pelo comando da respectiva companhia. Ou então um batalhão estruturado por companhias especializadas, distribuídas na área total do batalhão, com a desvantagem da dispersão do comando e da supervisão.

Mas é bom que se diga que a opção por um ou outro modelo não significa uma simples troca de meia dúzia por seis, isto porque, segundo os estudos, a especialização significa concentração de uma só cultura operacional e o rendimento é supostamente mais aproximado do que a Teoria Geral da Administração designa como “resultado ótimo” (o todo maior que a soma das partes). Por outro lado, a especialização resulta num natural desinteresse do PM por outros conhecimentos que lhe podem fazer falta diante da necessidade de rodízio dos efetivos para evitar a inércia funcional (acomodação). Como se vê, não é assunto simples porque afeta o desempenho individual.

Creio que a especialização vem funcionando muito bem quando se trata de tropa adrede considerada “especializada”, como o BOPE. Já o Batalhão de Choque, que deveria ser especializado em controle de distúrbios, vem sendo a mais e mais utilizado na contenção do tráfico em favelas, o que o torna semelhante a qualquer batalhão operacional. Bem, nem vou adentrar os métodos de ação, pois cada favela é uma favela e cada caso é um caso, ou seja, são cenários de terreno diversos, demandando ações pontuais e específicas de evolução no terreno para enfrentamento de reações armadas.

Neste contexto complexo é que as tropas especializadas vêm avançando em conquistas visando à posterior pacificação das áreas conquistadas, transição que se demonstra nada fácil principalmente nos complexos favelados historicamente emblemáticos por homiziarem “sedes” de facções criminosas geralmente rivais.

Porque, se por uma lado é possível à PMERJ agir operativamente para conquistar, inclusive com o providencial apoio das Forças Armadas, por outro não é simples pacificar esses locais com policiamento normal e tentativas de exercício da “polícia de proximidade”, que até vêm dando certo em algumas localidades como no Morro Dona Marta ou no Vidigal. Já em outras localidades a realidade não é alvissareira, demandando reestudos de situação e providências novas, de modo a que tudo se ajuste à máxima estrutural de Louis Sullivan: “A forma deve seguir a função.”

Enfim, para cada objetivo ou grupo de objetivos é necessário adaptar as estruturas (exercício da eficiência) para alcançar ótimos resultados (eficácia), esperando-se que haja o aplauso da população (efetividade). Mas não se trata de situações fixas, inflexíveis, imutáveis, porque tudo é processo, o que implica admitir avanços e recuos mesmo durante a execução de tarefas. Numa visão sistêmica, é possível realimentar o sistema com os resultados para novamente processá-los e assim corrigir rumos. Aliás, não é somente possível, mas indispensável. E, pelo que entendi das declarações do secretário Beltrame, confirmado no cargo, é o que ele pretende fazer com as UPPs, e para tanto deve ser apoiado.

Devo também inserir que nem é preciso falar das instalações precárias que acolhem as UPPs. Trata-se de providência mínima de conforto e segurança, carências estruturais que devem ser imediatamente supridas sem economia de meios. Do mesmo modo, a seletividade do uso da força preventiva e repressiva deve ser seriamente reavaliada em função da morte de muitos PMs em locais com UPP, algo que deve cessar a qualquer custo. A superioridade da força pública demanda a aplicação de maiores efetivos no dia a dia do patrulhamento, garantia mínima de resguardo da vida dos PMs, dos cidadãos favelados e até dos bandidos, estes que, diante da derrota certa, costumam recuar, tornando-se menos belicosos.

Reitero que não trato aqui de preferências políticas. Cuido de sugestões institucionais, que devem interessar a qualquer profissional da área, não importando se estejam ou não executando tarefas, e sejam ou não alinhados ao governo. Os conceitos pertencem a todos.

Sabemos não haver boas tarefas sem o escudo de bons conceitos, a teoria é terrivelmente instrumental. Sem ela, a prática se prejudica. Portanto, tem razão o secretário ao afirmar ser hora de diagnosticar todo o processo de UPPs, em todos os locais onde existem, verificando o que vem dando certo e o que necessita de revisão.

Reestudar sistemas e subsistemas em andamento é salutar em qualquer organização. Sim, porque não há como sugerir à opinião pública que tudo está bem e que nada precisa de correção de rumo. Afinal, o ambiente é dinâmico e exige mudanças. Ambiente é processo. É história. Vamos então aguardar e torcer para que as UPPs realmente atendam aos anseios primeiramente dos favelados, que têm direito a uma vida de paz. E se somente este objetivo for alcançado, já está ótimo.

Lembro, por último, que Pezão não é Cabral e deve agir diferente no seu compromisso com o povo. Não votei nele, mas nem por isso torcerei contra ele. Por outro lado, manter-me-ei em minha postura crítica, sempre construtiva, que não envolve pessoas, mas conceitos. E no caso das UPPs a PMERJ não pode e não deve falhar, assim como nenhum candidato considerou a hipótese de extingui-las. A UPP é fato consumado, pelo menos por um longo tempo. Mas, como estrutura disposta a atingir fins elevados, deve ser revista como sugeriu o secretário em discurso coerente com o novo momento. Que tenham todos um bom recomeço!

2 comentários:

Anônimo disse...

Até é compreensível o plano de instauração duma UPP evitar o confronto armado; mas, contudo, um bom trabalho de inteligência urge ser implantado para evitar a transferência de armas de grosso calibre para outras regiões do Estado.

Anônimo disse...

Emir disse:

Com certeza! Vide o que a PM e a PC apreenderam em Cabo Frio faz pouco tempo. Por isso é que eu defendo que tudo deve ser estudado com fundamento na Teoria de Sistemas, pois tudo é interligado: favela-asfalto-capital-periferia-interior. Enfim, tudo, pois não existe nada isolado, a visão globalística é essencial. O problema é que nossas fronteiras pátrias estão à mercê de traficantes de drogas e de armas e neste jogo de empurra quem sofre mais é a PM. Nenhuma novidade, fiz esta reclamação em 1989, quando apreendi na Favela de Acari o primeiro fuzil AR-15 em mãos de traficantes. Naquela época o armamento do bandido (e do policial) era constituído por metralhadoras, escopetas, pistolas e revólveres. E hoje?... Vou postar a matéria de época e minha reclamação que morreu na praia...