segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A lógica operacional nas Polícias Militares (PPMM): uma “rosca sem-fim”?



 A legislação federal que regula a existência e a atuação das PPMM reinicia-se com a norma constitucional de 1988 (Inciso XXI do Art. 22, e Inciso V, Parágrafos 5º e 6º  do Art. 144). Mas desde antes vigoram sem embargo e pouquíssimas alterações os Decretos-Leis que estabelecem critérios de organização e ação das PPMM como forças auxiliares do Exército Brasileiro, sendo precípuas a Defesa Territorial e a Defesa Interna, ambas responsáveis pela estruturação dessas forças auxiliares em regimentos, batalhões, companhias, pelotões e grupos de combate, nos mesmos moldes da força militar federal. Assim é o que se lê no Decreto-Lei nº 667, de 02 de julho de 1969, e no Decreto-Lei nº 88.777, de 30 de setembro de 1983, estes que se mantêm em vigor, salvo grosseiro engano meu por não estar atualizado. Neste caso, peço ajuda a quem melhor estiver informado sobre a legislação que regula as PPMM no contexto da nova ordem constitucional, que, por estes tempos, já não é tão nova...

Vejamos então: nestas duas condições (Defesa Territorial e Defesa Interna), as PPMM trabalham com hipóteses remotas de combate, como tropa militar, contra algum inimigo externo ou interno, respectivamente, tendo havido nos últimos 200 anos situações reais de guerra ou de contraguerrilha urbana e rural. Poucas delas, porém, ensejaram preocupações prioritárias. Resta avaliar, então, a situação real, e não mais as referidas hipóteses (DT e DI), ambas remotas. Ou seja, resta o presente, que é a Defesa Pública, tendo como força adversa a multifacetada criminalidade.

Cabe, porém, às PPMM, neste universo complexo e misterioso do crime, a prevenção e a repressão dos criminosos contumazes, isolados ou formados em bandos armados, ação que se insere no âmbito da Defesa Pública. Eis então onde reside o problema, pois a Defesa Pública não cuida de hipóteses distanciadas da realidade, mas de situações reais a serem detectadas pela inteligência policial ou pela investigação criminal, que, todavia, são mais afetas às Polícias Civis, sendo certo que ambas as instituições costumam chegar atrasadas nas multivariadas e sistemáticas cenas do crime.

Não se pretende dizer, com efeito, que as PPMM não possuam serviços de inteligência. Possuem, sim, mas é certo que foram estruturados visando bem mais ao atendimento da Defesa Territorial e da Defesa Interna, não sendo vocação dos membros da inteligência policial-militar (mantenho o hífen, pois se trata de composto por dois substantivos) o acompanhamento da evolução do crime e a ele se antecipando em tempo, modo e lugar. Cuidam os “inteligentes” de recortes de jornais e revistas já no tempo de embrulhar os peixes, de escutas de rádio e de atenção à tevê, claro que focadas nas notícias sobre a criminalidade que abundam diariamente na mídia. Mas vocação para ir a campo diagnosticar a criminalidade geral e particular não se integra à cultura da inteligência policial-militar. Nada demais, culpa de ninguém, em vista da prioridade de destinação acima resumida...

Daí é que ainda hoje, – e como no ambiente social que nos circunda o crime está a mais e mais visível, – ainda hoje é fácil para as PPMM jorrar efetivos nas ruas, tais como os pescadores lançam suas redes em mares e rios tão abundantemente piscosos que os peixes se prendem antes de serem pescados. Como diria o camelô, “não precisa prática nem tampouco habilidade”, os peixes caem na rede sem muito esforço. Mas nem sempre sem riscos, os “peixes” andam fortemente armados e em “cardumes” cada vez mais organizados, sofisticados e endinheirados, tudo em razão do maior fenômeno criminoso da História da Humanidade: o narcotráfico.

Ah, mas nada disso é problema para as PPMM, elas reforçam suas singelas redes e vão à pescaria. E vão certas de que lograrão êxito e aprisionarão muitos peixes, na realidade sardinhas, muitas sardinhas, enquanto os tubarões, de longe, riem de tudo e amealham o melhor quinhão desta história trágica e sanguinolenta.

Na prática da Defesa Pública, – que seria, em tese, a atividade de “polícia administrativa de segurança pública” com vistas à manutenção da ordem pública, – as PPMM só precisam distribuir seus regimentos, batalhões, companhias, pelotões e suas frações no ambiente social dos Estados Federados, tais como se jogassem redes ao mar: uma aqui, outra ali, mais outra acolá... E, no final de cada dia, lhes basta recolher as redes para verificar quantos peixes foram alcançados, sem muita preocupação com quantos pescadores naufragaram. Sim, isto não lhes é problema, há pescadores demais nas filas do desemprego.

Enfim, é como se cada instituição PM, – através do pico da pirâmide militar fundada na hierarquia e na disciplina, – pendurasse na parede seu grande relógio de ponteiros fixos girando no mesmo eixo. Assim a estrutura militar das PPMM funciona: batalhões e áreas, companhias e subáreas, pelotões e setores, guarnições e roteiros, tudo girando no ambiente social a “pescar” ocorrências, contando ainda com o povo a denunciar as já deflagradas pelos criminosos, cabendo a alguma guarnição a tarefa de correr depois para tentar aprisionar o peixe que já roubou a isca. E assim permanecem no tempo e no espaço: como “rosca sem-fim”...

Mas, diriam alguns, as PPMM apresentam resultados positivos, aprisionam muitos peixes diariamente. Sim, não se há de negar, as PPMM estão sempre a mostrar alguma árvore enquanto a floresta permanece oculta... Porque a maioria dos peixes que rouba a isca não é alcançada por essas redes jogadas sempre nos mesmos lugares, do mesmo modo e ao mesmo tempo cronometrado dos roteiros e pontos-bases que antes aprisionam as patrulhas para serem facilmente fiscalizadas em rotinas predeterminadas. Eis o princípio da desconfiança lá da Teoria Clássica da Administração...

Burlar este sistema institucional retrógrado é transgressão grave da disciplina. As patrulhas, portanto, hão de estar em seus roteiros e setores, hão de estar estacionadas em seus pontos-bases pelo tempo determinado, e só podem se desviar de rumo se receberem ordem da Central de Operações para conferirem alguma denúncia de populares pelo famigerado telefone 190, atualmente atendido por civis. Deste modo, as PPMM ignoram, via de regra, milhares de PMs que se tornaram deficientes físicos em decorrência do serviço, mas guardam a vivência de como os ponteiros giram em torno do eixo no relógio de parede de cada batalhão ou equivalente, o que não deixa de ser uma vantagem. Mas não são aproveitados em alguns Estados Federados, mormente no RJ. E os civis, terceirizados, nem isto sabem, não têm vivência de nada...

Ora bem, em sendo este o problema, como então resolvê-lo?

Tal indagação nos remete à conjuntura política, por sinal desfavorável, constituindo-se numa contradição, pois num momento de liberdade política seria plausível instituir um novo corpo de legislação a partir da Carta Magna e seus carcomidos desdobramentos. Porque, com os grilhões mantidos na CRFB, ao Poder Executivo caberia, em princípio, pôr o problema na mesa, talvez através da Inspetoria Geral das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (IGPM), órgão do Estado-Maior do Exército. Assim feito, pelo menos se poderia pensar num Estatuto Geral das PPMM, – tal como vimos vingar o Estatuto Geral das Guardas Municipais, – invertendo-se a ordem de prioridade das referidas defesas (territorial, interna e pública) e revendo o sistema de hierarquia e disciplina para adequá-lo à atividade policial. Sem ferir suscetibilidades verdes-olivas...

Enfim, já que parece ser impossível ou demasiadamente temerário extinguir as PPMM, – como no fundo sugere a PEC 51 do Senador Lindberg Farias e do seu guru, o sociólogo Luis Eduardo Soares, – pelo menos se poderia montar um sistema legal mais arejado, de modo que o policial-militar finalmente pudesse ser escrito sem hífen, composto por dois substantivos, aliás, erradamente grafado no Aurelião em desatento desdobramento do verbete “policial”. E, deste modo, dar-se-ia o primeiro passo para a implementação de um “militarismo PM” englobando a hierarquia, a disciplina, a formação, o plano de carreira, e, principalmente, estabelecendo uma doutrina de segurança pública voltada para a defesa da sociedade e do cidadão e não para a defesa do estado e de suas instituições, como se petrificou na Carta Magna, mas que terá de se ajustar aos novos tempos antes que a entropia as alcance inexoravelmente.

15 comentários:

Anônimo disse...

Coronel,o sr tem como postar um artigo sobre a lei dos 25 anos de serviço(regime especial),sancionado esta semana pelo estado do rio de janeiro? Se abrange policiais civis,militares e GMs. Grato!

Anônimo disse...

Emir disse: vou estudar o texto e retorno falando sobre a referida lei. Vou aproveitar para historiar a lei anterior da inatividade para oficiais aos 25 anos de serviço, contando como 30 anos, com o ganho de um soldo acima. Em 1991/1994, como deputado, legislei sobre ela estendendo o direito às praças e o Brizola arguiu a constitucionalidade dela (Lei 1649, se não me engano), acabando por sepultar a conquista depois de ele mesmo sancionar, um absurdo de falta de palavra.

Anônimo disse...

Obrigado pela atenção. Me lembro vagamente do que aconteceu neste período em relação a aposentadoria com 25 anos. Incorporei em 92 e cheguei a ouvir alguma coisa dos mais antigos. Gostaria muito de saber o que houve na íntegra.

Anônimo disse...

Emir disse;

Vou ter de ver com calma e postar em artigo o assunto, que é vasto e complexo. Mas você pode começar a penetrar nele pelo Google (Lei 1900/91). Foi nesta lei que inseri as emendas que Brizola vetou depois de ter aceitado o acordo. Ele foi um FDP. Vai estudando por aí enquanto vejo a decisão atual, que creio ter sido do STF.
Não sei se isto gera direitos anteriores em vista da lei 1900. Mas um bom jurista pode esclerecer,

Anônimo disse...

OK!O assunto já foi tratado na súmula vinculante 33 do STF aprovada em sessão plenária de 09/04/2014 e publicada no DOU 24/04/2014.Já no dia 15/09/2014 foi publicado a lei complementar nº 161 no DOERJ .Alguns geram controvérsias pq ela regulamenta o artigo 40,inciso III,PARÁGRAFO 4 da CRFB/88 e lá constam os os incisos I e II.Alguns acham que o inciso III não nos cobre com a aposentadoria especial,somente o inciso II(que não está regulamentado)outros acham que sim.Vou olhar lá a lei 1900/91.Acho que o estado do RJ vai nos dificultar e dar só para os bombeiros.É a minha opinião.

Anônimo disse...

Emir disse;

Não creio que a PMERJ se negue porque responderá na justiça por isso. O bom é que eu quando tentei estender o direito às praças em emenda específica, dentre outras que podem ser lidas, eu estava certo. Mas na época o Brizola embargou na justiça na base do prestígio, mesmo depois de a lei já ter sido aplicada e muitos PMs atendidos. Teve de voltar todo mundo à ativa. Irra! Mas agora para mim é um alento saber que eu estava certo e fiz a minha parte. Vou estudar o assunto e falarei posteriormente sobre ele.

Anônimo disse...

Ok,pesquisei la a lei 1900/91. Realmente consta la os 25 anos conforme o sr. Comentou. Realmente o sr estava certo.

Anônimo disse...

Emir disse:

Naquela época, vivenciando o furor brizolista contra mim, por ser PM, mesmo assim consegui emplacar muitos direitos em emendas à Lei 1900. Pena que eu não recebia apoio da tropa. Não havia movimentações como as que ocorreram recentemente. Talvez, se houvesse, muitos direitos sociais (hora extra, adicional noturno, inatividade aos 25 anos, dentre outros) estariam hoje consagrados. Também consegui aprovar um Estatuto avançado em termos de direitos jurídicos para o PM, mas o Brizola vetou e não foi nenhum PM fazer coro comigo para derrubar o veto. O medo imperava na tropa, o comando da PMERJ excluía a praça a bem da disciplina em menos de uma semana. Havia o terror disciplinar patrocinado por oficiais apaniguados do Brizola, como o Valmir Brum e seus xerimbabos. Tempos difíceis para a tropa.

Anônimo disse...

Cel,mesmo nesta época de brizola e seus asseclas o sr deu os primeiros passos.E isso também é importante.Subimos alguns degraus hoje pq alguém ,um dia,ousou subir o primeiro degrau.E o SR o fez.Sinta-se feliz.E o brizola e seus asseclas hoje não são ninguém.Cadê eles? o sr foi e é vitorioso.Não se esqueça que aquela época era finzinho de ditadura e essas pessoas eram recalcadas.O sr fez o máximo que se podia fazer naqueles anos.Como o sr mesmo disse:´´tempos difíceis pra a tropa´´.

Anônimo disse...

Emir disse:

Curioso é que poucas pessoas sabem o que eu tentei fazer naquela época. O resultado foi a perda da eleição diante do fenômeno Newton Cerqueira/Duran, que predominou na tropa em 1994. Não fui mal votado, mas não pude vencer a empolgação da tropa com a dupla. Foi pena, porque com Marcelo Alencar talvez eu pudesse retomar os temas, o que Duran não fez no mandato dele, cuidou de interesses outros e não avançou em busca de um novo corpo de legislação, como eu efetivamente tentara. Mas houve algumas conquistas importantes como o direito de todos os profissionais de saúde acumularem cargos ou empregos, o que era permitido somente aos médicos. Esta Emenda Constitucional eu consegui aprovar contra Brizola, que ingressou com ADIN. Anos depois o STF a considerou constitucional, não sem antes a Jandira Feghali apresentar "xerox" da minha EC estadual, obtendo sua aprovação na CRFB. Mas valeu! Tenho ainda hoje o apreço da tropa, o que não ocorre com os atuais PM detentores de mandato parlamentar (quatro PMs entre 70 deputados), que ignoram os interesses da tropa enquanto cuidam de cada um por si.

Anônimo disse...

Que coisa essa do cel alexa dre fontenelle,cel. Já vi isso acontecer só q nunca foi feito isso q o mp fez. Eh o fim da picada. Tem q limpar de cima pra baixo mesmo.

Anônimo disse...

De anônimo p/ o último anônimo.
Acredito que o MP só se envolveu nessa empreitada porque o corporativismo entre os oficiais estão ou estavam escancarados, basta acompanhar as notícias dos jornais. Parece-me que a corregedoria deixou brechas ao não cumprir como devia a sua função, aí deu no que deu!

Anônimo disse...

Emir disse:

A verdade é que não há como a PMERJ apurar em IPM assunto que envolve o comandante-geral. Neste caso a apuração administrativa sai da esfera da corporação. Pegou mal instaurar IPM para apurar o tema com o CG no centro da suspeição. O MP, com base no Art. 55 do CPPM, pode fiscalizar a hierarquia e a disciplina da PMERJ, por analogia. Não me lembro se a instauração do IPM ocorreu antes do decisão do MP em investigar a cúpula da PMERJ. Houve acerto ao encaminhar o problema para a CGU, esta que entendeu serem poucas as razões para investigar as autoridades maiores na sequência do escândalo. Se tudo se baseia na delação premiada da praça, creio que o MP exagerou. Mas agora tem de ir até o fim, apurar mesmo, para que não haja dúvida quanto à probidade da cúpula da PMERJ. Eu prefiro não opiniar a respeito, apenas entendendo que o direito á presunção da inocência deveria ser respeitado. Verdade é que o dano à reputação dos oficiais da cúpula já aconteceu. Quem pagará por isso caso nada fique provado contra eles?

Anônimo disse...

Cel Larangeira.

Concordo, mas o sr não acha que o direito à presunção de inocência deveria também ser usado para os praças acusados de alguma falha? É muito comum ver "moradores" acusando PMs de alguma coisa e estes logo são retirados das ruas, depois descobre-se que a verdade era outra. Aliás, isso já aconteceu comigo.

Anônimo disse...

Emir disse;

Com toda a certeza! Infelizmente a praça, que é em maior quantidade e está em permanente contato com a população, está bem mais sujeita a toda espécie de azar e também ao infortúnio da morte. Claro que deve haver muito critério dos comandos ao lidar com esses inevitáveis azares. Não sei seu tempo de PM, mas tente saber como eu fazia quando comandava. A praça precisa ser protegida até quando tudo está contra ela. Porque a tendência é a da injustiça manu militari, com o que não concordo. Cito o caso do ex-major Dilo (não o estou julgando, mas apenas constatando). Só agora, recentemente, saiu a decisão do TJ condenando-o à perda da patente. Mas as praças que com ele estavam no dia dos fatos (faz anos) foram para o olho da rua imediatamente. E depois alguns desses PMs foram absolvidos, mas já eram ex-PMs e assim permanecem. A PMSP deu um belo exemplo de como se deve fazer. Refiro-me ao PM que matou o camelô que tentou tomar o spray e talvez a arma dele. Lá em São paulo a PM tem na DGP um serviço de psicologia para cuidar dos PMs em caso de azares nas ruas. Não saem licenciando nem expulsando ninguém abruptamente. Infelizmente aqui...