Desde os
primórdios do absolutismo reinante entre os povos, quando os sinos tocavam o
povo seguia à igreja para orar ou receber alguma ordem de emergência; ainda hoje,
nos campos, quando o peão toca o berrante o gado se encaminha aos piquetes para
a engorda antes do abate; e nos quartéis e teatros de operações, ao toque
marcial da corneta os soldados entram em formação e partem à guerra para morrer
pela pátria sem discussão. Enfim, rebanhos de gado e gentes acostumadas a reações
dóceis, enquanto aqueles que verdadeiramente mandam riem do alto de suas varandas amplas, nas
cidades e nos roçados, a cena não muda, povoléu é povoléu, e boiama é boiama, e
povoléu é boiama, e vice-versa, outrora e agora...
Nas
calmarias dos contemporâneos ambientes urbanos, porém, os traçados ortogonais
são estudados pelas forças de segurança em mapas detalhados. Bonecos imitam
gentes em passeata por uma das ruas, geralmente a mais larga. Bonecos fardados são
dispostos no traçado ortogonal e movimentados a separar a multidão, nela
penetrando em “cunha” (^), até que, num cruzamento, a “cunha” (^) se reparta em
dois “escalões à direita (/) ou à esquerda” (\) ou em “linha” (|) a fracionar o
povo, e assim sucessivamente, até que a massa humana se veja fatiada, e que, ao
fim e ao cabo, ressurjam os indivíduos isolados e amedrontados, sem mais
palavras de ordem a impulsioná-los ao efêmero heroísmo. Todos então tomam o
caminho de casa...
A Revolução
Francesa foi exceção; a Revolução Bolchevique foi exceção; a Revolução Cubana
foi exceção, e outras poucas revoluções aqui e mundo fora foram exceções, a
regra é a do conformismo, da apatia ante as fracas ideologias, que, a bem da
verdade, são combustíveis incapazes de dar força e velocidade à massa humana em
protesto. Diferente é o gado, que à simples faísca dispara enlouquecido até o
abismo. E morre... Mas gado não raciocina, é diferente do ser humano, que, por
mais animado ou exaltado, cogita sobre as consequências do que está a fazer e
não quer perder seus bens mais preciosos: a liberdade e a vida.
Daí é que
desde os velhos tempos as manifestações populares são perdedoras, embora se
sintam ganhadoras por um efêmero momento do eterno tempo. Porque a fraqueza das
massas é conhecida das forças de segurança, estas que, em contrário, podem se
dedicar integralmente à vigilância e à ação repressiva dos movimentos
populares, pois ganham para fazer exatamente isso. Já os manifestantes sabem
que um dia a mais no anonimato em meio às turbas poderá pôr fim ao seu emprego já
instável ou ao improdutivo ano escolar. E em não havendo como arriscar,
retornam ao cotidiano abraçando o conformismo. E o fazem ao primeiro apito da
fábrica ou ao tilintar da campainha escolar, até que os sinos repiquem
conclamando-os ao arrependimento como garantia de salvação da alma, já que ao
corpo só resta o trabalho árduo ou o desemprego. E tudo isso as forças de
segurança, – feitas pelas elites dominantes para a “defesa do estado e das
instituições democráticas”, nos termos da “constituição cidadã”, – e tudo isso
as forças de segurança sabem. E por tudo isso o Estado sempre será mais forte
que o povoléu.
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