sexta-feira, 5 de abril de 2013

Triste fim do QG da PMERJ




A venda do QG da PMERJ é mais que venda de imóvel comum ou mesmo de simples quartel sem muito valor. É, sim, o fim de um emblema histórico com mais de 200 anos de idade, fim de uma era de glória e luta que as esquerdas pátrias pretendem sepultar como indigente. Tal como reiteradas vezes anunciou o governante do RJ, de assumida esquerda militante, trata-se de “acabar com o conceito de aquartelamento”, cabendo-nos interpretar a intenção dele como escopo de enfraquecer o militarismo praticado pela PMERJ, instituição centenária que inclusive guerreou contra o Paraguai.

Não aceito a venda passivamente porque sei que não tratamos de valores materiais, o RJ não depende desse dinheiro para nada, sem falar nos critérios de avaliação do imóvel, histórico, e que encerra uma cultura imaterial a ser preservada segundo a legislação referente. Não preservando o QG da PMERJ, – e demolindo-o, como se anuncia, – com ele desaparecerá uma cultura material e imaterial que não me pertence, não pertence ao governante e muito menos aos atuais dirigentes da corporação. Pertence, sim, aos milhares de militares estaduais vivos, mortos e aposentados; pertence também a seus familiares, o que designamos como “Público Interno”. Mais ainda, pertence à Sociedade, esta, que não pertence ao governante, assim como nada do Estado lhe pertence.

Não há como associar, em boa fé, a venda do quartel a alguma ideia de se instituir uma polícia civilista, não militarizada, isto é matéria constitucional e concernente à União. Portanto é ato visando ao enfraquecimento psicossocial da corporação militar estadual, de modo que sua cultura fique à deriva, sem rumo, sem norte ou sul, sem leste ou oeste, sem nada. A destruição do QG da PMERJ longe está de ser gesto semelhante ao do polêmico Robert Moses. Não há como associar o comportamento governamental daqui com as maluquices alienígenas do supracitado personagem que entrou para a história norte-americana como espécie de vilão, mesmo não tendo destruído nenhum quartel. Aliás, se ele intentasse destruir algum quartel no país dele (EUA), decerto provocaria uma reação violenta dos militares de lá, que, diga-se de relance, já deram exemplo de energia extrema com a Guerra da Secessão, dentre outros.

Bem, tornemos à nossa triste realidade estadual e ao inusitado que aqui ocorre. A desgraceira começou por Niterói, onde uma extensa e nobre área física da cidade, – que acolhia instalações da antiga PMRJ e guardava um precioso tesouro da História do Brasil, – tornou-se pátio de containeres, nada mais que terreno malmente cercado em antiestética muralha, tal como muros de prisões de segurança máxima, enfeando deste modo grosseiro a cidade-sorriso. E a tropa miliciana jamais saberá o que terá ocorrido nas trevas da negociação do Estado com o particular.

O conformismo da PMERJ, no entanto, justifica-se, eis que se integra à cultura maior de fraqueza moral que nos remete à casa-grande e à senzala, sendo certo que os militares estaduais se enquadram na última categoria social composta de rotos e esfarrapados, pois é de onde saem e para onde voltam até que lhes alcancem as covas rasas e os vermes trabalhadores da morte. Tal resignação, mais que circunflexão, talvez genuflexão, é tão humilhante que não encontro palavras para situá-la no contexto histórico pátrio ou no da corporação a que orgulhosamente pertenço. Apelo então para a lucidez do mestre Roberto da Matta, nos termos que se seguem. E é o que me basta!



CRÔNICAS AGUDAS DE UM ESTADO CRÍTICO II – PÉ NA SENZALA, PÉ NA COZINHA, PÉ NA PORTA E PÉ NA BUNDA.


Por Roberto da Matta (Sociólogo, Antropólogo, Professor e Pensador).


Texto extraído da Monografia de Wainer Teixeira de Souza (TCel PMERJ) submetida ao corpo docente do curso de Licenciatura Plena em Ciências Sociais em 2001, para obtenção do grau de Licenciado em Ciências Sociais nas Faculdades Integradas Campograndense, mantidas pela FEUC (Fundação Educacional Unificada Campograndense).


“Quando da chegada da família Real ao Brasil, em 1808, fez-se necessário o recrutamento de homens nas camadas livres e pobres da cidade com a finalidade de complementar o quadro de agentes encarregados do controle social. O Estado brasileiro, desde então, vem se sofisticando no intuito de separar cada vez mais estes homens, salvos da exclusão social pela possibilidade de uma carreira no serviço público, da população de onde paradoxalmente surgiram e são obrigados a controlar, a despeito da identificação natural a que estão sujeitos, dada a sua origem social.


No Império havia um esforço concentrado das elites em manter os homens livres pobres e escravos em regime de contenção. Em duzentos (200) anos pouco mudou.


Façamos agora um exercício de imaginação, um voo sobre a cidade do Rio de Janeiro. Veremos algumas ilhas de cidade formal cercadas de favelas por todos os lados. Feito esse exercício, tente uma ida a um Shopping Center, ou assista urgentemente ao capítulo de alguma novela televisiva para anestesiar-se o suficiente para sobreviver. Segui as recomendações acima? Então continuemos.


Nos tempos dos Reis, os policiais que não cumpriam a contento com suas ‘obrigações’ eram excluídos sumariamente. Ainda hoje o procedimento é o mesmo, a despeito da pouca eficácia comprovada, e o que vemos no excluído é o retorno ao convívio dos excluídos, de onde saiu.


Notamos no brasileiro, mormente entre os mais politizados, uma tendência à tolerância ao crime, no mais das vezes justificada pela frágil argumentação do ‘sociologismo’, o que surpreendentemente não ocorre quanto ao desvio de qualquer ordem produzido pelo policial.


Nossos governantes reproduzem com muita propriedade esta tendência como se dessem ao integrante dos quadros da Força a orientação, remuneração, treinamento e todo respaldo necessário ao impedimento do desvio de conduta.


Nos tempos do Império, ao negro habilidoso nas lides domésticas era permitido tirar o pé da senzala, adentrar a casa-grande e pôr um pé na cozinha. Hoje ao policial é determinado que habilidosamente, nos aglomerados bolsões de miséria, ponha o pé na porta, mas que tenha o cuidado de não fazê-lo de modo a pôr em risco a estabilidade do mandante, pois caso contrário lhe é reservado um exemplar pé na bunda.


Este é o Estado que queremos? Esta é a ordem pela qual lutamos? Pois esta é a Sociedade em que vivemos e esta é a polícia que temos.”

3 comentários:

Francisco disse...

Sinceramente custo a acreditar que o Brasil demolirá um prédio, bicentenário, numa cidade onde diversos foram inescrupulosamente extintos e outros tantos significativos ardem no fogo, ainda hoje.
Essa cidade é tão linda pela natureza, em primeiro, e pela arquitetura singular na América, única cidade americana que o Rei viveu.
Depois da criação desastrosa de Brasília o Rio vem se deteriorando gradativamente. A pouco quase foi destruído o casarão do “ex-Museu do Índio”, assim, vê-se chegar o momento da Espanha comprar o Galeão, principal porta de entrada ao cartão postal do Brasil, e impedir os brasileiros de entrarem no país europeu, ainda em solo nacional.

Renato Cesar disse...

O direito à preservação da cultura de raiz de um povo é um dos Direitos Humanos, e, baseado nesta linha de raciocínio é que demonstro o meu descontentamento frente à decisão de derrubada do QG da PMERJ. "Todos os direitos têm a mesma importância sejam eles culturais, fundamentais, políticos, sociais, etc.", são direitos culturais e direitos humanos, tudo que diz respeito ao tradicionalismo (a Genesis cultural). Portanto, os membros de uma corporação, com mais de 200 anos de história, têm o Direito Humano de preservar, divulgar, falar, usar os meios legais e democráticos, por exemplo, as redes sociais, para demonstrar seu profundo descontentamento pela decisão de derrubada de um importante marco das origens bicentenárias da Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Existem impedimentos institucionais a livre manifestação o que, na verdade, significa uma transgressão aos Direitos Humanos, porém a identidade cultural que caracteriza a instituição Policia Militar é um direito que os membros desta briosa corporação devem, dentro da disciplina e hierarquia, defender - a Constituição Brasileira de 1988 garante a todos o pleno exercício dos direitos culturais (art. 215), portanto, é um Direito Humano, ter orgulho de seus valores históricos (inclusive corporativos) e preservar seus símbolos (arquitetônicos, cultural, etc.). Porém, por força de uma política econômica imediatista, o QGPM, um importante marco histórico do acervo arquitetônico da região central da cidade do Rio de Janeiro, será sumariamente derrubado, antes mesmo de existir, efetivamente, um local apropriado e previamente preparado, para garantir uma migração tranquila, transparente e definitiva. Segundo Nietzsche, "Um político divide os seres humanos em duas classes: instrumentos e inimigos". Sei que minhas palavras estão me transformando em inimigo, porém é uma atitude mais coerente do que ser por ação ou omissão, um mero instrumento. É importante destacar que estamos nos aproximando de um período democrático de transição política (eleições 2014) e quem garante que o novo gestor do Estado do Rio de Janeiro irá concluir as obras no local que "futuramente" poderá ou não, abrigar o novo QGPM? A evolução é um processo natural em qualquer sociedade ou empresa (pública ou privada), mas, neste caso específico, não seria mais adequado aguardar as eleições onde teremos no mínimo, quatro anos de administração dos novos gestores políticos. Concordo que a PMERJ deve modernizar sua estrutura, mudando sua visão sistêmica, frente a uma sociedade em constante evolução que exige a construção de estruturas administrativas mais eficientes. Mas defendo que sejam atribuídas funções dignas para o espaço histórico do QG/PMERJ, sua estrutura poderia ser preservada e transformada, por exemplo, em um centro cultural, em um complexo comercial, etc., ou seja, o prédio do QG/PMERJ não precisa ser destruído e sim preservado com novas funções culturais.

Anônimo disse...

Emir disse

Tem toda razão, Renato!