sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Sobre o reforço de policiamento em locais com UPPs

FONTE: O GLOBO de 18 de janeiro de 2013




 Um pensamento otimista


A matéria da jornalista Ana Claudia Costa, escudada em declarações do atual comandante da Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) é bastante elucidativa e se encaixa perfeitamente nas reflexões que venho fazendo sobre UPPs. Até confesso que no início eu não entendia bem os objetivos das UPPs e tudo me pareceu casuísmo, espécie de jogo de interesse entre o sistema situacional e a mídia em vista da Copa do Mundo e das Olimpíadas a serem realizadas no Brasil. Hoje, porém, vejo as UPPs como um modelo que veio para ficar e se estender de algum modo a outros locais, dependendo de ajustes como os que agora são anunciados, os quais, e em outra linguagem, sugeri em artigos anteriores. Isto, porém, não significa nenhuma descoberta da pólvora, mas um óbvio conhecido ante os novos desafios que emergiram em vista do açodamento dos traficantes em locais pacificados, o que não representou surpresa, embora o ideal fosse não acontecer a reação dos criminosos.

Não afirmo, todavia, que a UPP é modelo destinado ao sucesso. É cedo para fechar esta questão. Mas também não é justo condenar a intenção formulada e levada à prática pela PMERJ, não sei se por iniciativa dela como dona da ideia ou devido a orientações superiores. Creio até que o fato de a PMERJ seguir adiante com o programa de UPPs, com a coirmã PCERJ distante desse dia a dia, sugere que a ideia pode ter origem intramuros e haja ainda alguma ciumeira no ar... Bem, não sei... A PCERJ faz falta nesse contexto... Mas como possuo formação em Ciências Administrativas, sei que um dos fundamentos organizacionais importantíssimos se resume máxima de que “a forma deva seguir a função” (Paulo R. Motta & Geraldo R. Caravantes in Planejamento Organizacional, FGV, Porto Alegre, 1979).

O aforismo em destaque pode ter origem em Druker ou ainda ser atribuído a outras fontes de referência, mas isto é mero detalhe, o que importa é a arrojada ideia de que no mundo moderno as estruturas organizacionais devam ser flexionadas para atender a novos e dinâmicos objetivos. Esta ideia de inovação na Administração se aplica mui bem às UPPs como nova estrutura em vista de objetivos jamais atacados tão frontalmente como agora. E se justifica a inovação na medida em que o modelo tradicional de polícia (e aqui incluo a coirmã PCERJ e demais polícias pátrias) vem fracassando em vista da extensão e da gravidade do tráfico de drogas como sistema transnacional, regional e local.

É inegável que os núcleos populacionais pauperizados se tornaram fortalezas do tráfico, assim como não se pode negar que as ações de todas as instituições policiais não atingiram nenhum objetivo global nem específico no sentido de conter o avanço do tráfico, tanto no asfalto como na favela. Na realidade, o narcotráfico tomou de assalto boa parte do mundo e sua invisibilidade é ainda impressionante, bem como o capital que movimenta é assustadoramente volumoso. As favelas, portanto, representam a ponta da linha, somente torneiras que jorram drogas a partir de mananciais inesgotáveis. Imaginar, por conseguinte, que a polícia brasileira dê conta de tão grave problema é o mesmo que admitir ser possível recolher água com peneira. Contudo, desistir de combater o tráfico na ponta da linha (papel da PMERJ e da PCERJ) é ainda pior, em especial porque os traficantes se tornaram grupos paramilitares poderosíssimos e transformaram as favelas em nichos rentabilíssimos.

Toda essa gama de situações criminosas é ainda associada a uma ideologia de “revolta social”, tentativa descarada de justificar como “questão social” a ação sistemática e desenvolta dessas quadrilhas organizadas. Isto só dificulta a solução do grave problema, e mais gravoso ele se torna quando a sociedade subestima o poderio do tráfico para dissimular sua própria omissão consciente e acovardada. E deste modo o tráfico se expande num meio de cultura propício, certo de que a polícia é inútil como meio formal de controle dessa pujante atividade criminosa.

Se eliminar da tessitura social o tráfico de drogas é impossível, o mesmo não se pode nem se deve dizer dos grupos paramilitares, estes que precisam ser contidos enquanto é tempo e o banditismo armado não se torne calamidade tal e qual a do México. Uma coisa é admitir a inutilidade da repressão direta ao tráfico de drogas, mesmo, claro, que seja sistemático e permanente no tempo e no espaço. Porque, mesmo com peneira é possível recolher algumas gotas d’água, se houver rapidez no seu manuseio. Mas é insustentável conviver com a arrogância de bandos armados em plena zona urbana, dominando pelo terror das armas muitas comunidades cheias homens, mulheres e crianças infortunadas pela sorte. Eis aí a importância das UPPs, que vêm mudando essa paisagem desalentadora e injetando esperança em muitas favelas aonde as UPPs ainda não chegaram, mas um dia chegarão, assim como a repressão operativa, de conquista (por meio de tropas especiais), pode ser deflagrada mesmo sem se completar com a pacificação.

Experimentar uma ação intermediária em locais com UPPs, com a finalidade de desarticular os resíduos de banditismo, parece-me boa ideia. E nada há também que impeça um planejamento visando a ações globais de conquista, com a desmobilização dos bandos armados, seguidas de ações pontuais de desarticulação dos recalcitrantes antes ou depois de instaladas as UPPs. Porque essa mobilidade da tropa dará às UPPs e ao policiamento preventivo e repressivo das Unidades Operacionais uma dinâmica diferente, ou surpreendente, deste modo desbaratando os marginais até mesmo pelo aviso de ações que poderão ou não acontecer, o anúncio delas será suficiente para tirar o sono dos facínoras. Chama-se isto, para não dizer que “invento a roda”, “guerra psicológica”, sem essa de preconceito ideológico contra o método, que não pertence a nenhuma ditadura de esquerda ou de direita, mas se integra à arte da guerra. São, sim, ações capazes de surtir o efeito desejado da inquietação ininterrupta, inda mais agora em que a notícia (falsa ou verdadeira) vai a qualquer canto com a velocidade do raio.

Bem, o assunto não se esgotará tão cedo, muitas surpresas acontecerão e reações ao inesperado explodirão em risco enquanto os planejamentos se aprimoram em face de novos diagnósticos. E, aprimorados, se anteciparão evitando que “o inesperado faça uma surpresa”, parodiando grosseiramente a música do mestre Johnny Alf... Porque esta é a primordial função do planejamento: a antecipação calcada em diagnósticos aprofundados, enfim, a ação proativa em lugar de uma reação geralmente desentrosada e arriscada. E nesta linha consciente e responsável, como estão avançando as UPPs, o dia chegará em que elas se tornarão una (globalística) e poderão se deslocar em bloco para outras favelas e regiões, assim como poderão retornar à origem, não dando espaço para esses grupos paramilitares afrontarem o cidadão simples e sua família, mais ainda do que afrontam a sociedade. Por enquanto é sonho... Mas futuramente o sonho poderá ser realidade imutável!

Nenhum comentário: