quinta-feira, 30 de agosto de 2012

VERDADE E APARÊNCIA


Não acontece por si mesmo que o povo tome uniformes e títulos pelas reais qualidades de competência. Quem use esses símbolos de autoridade e quem se beneficie deles deve iludir o pensamento crítico e realista de seu povo e obrigá-lo a crer na ficção. Quem quer que pense sobre ela saberá das maquinações da propaganda, os métodos pelos quais o julgamento crítico é destruído, como a mente é levada à submissão por clichês, como o povo é empulhado porque se tornou dependente e perdeu sua capacidade de confiar nos próprios olhos e no próprio julgamento. O povo torna-se cego à realidade pela ficção em que acredita. (Fromm, Erich – TER OU SER? – LTC EDITORA, quarta edição, Rio de Janeiro, 1976).

Deixando claro que a reflexão não é crítica ao STF em vista do famigerado "Mensalão". Ao contrário, o brasileiro, de alma lavada, assiste no STF ao verdadeiro papel da JUSTIÇA por meio de decisões serenas e firmes dos eméritos julgadores. Mas, enquanto isso...

Neste mundo de aparências a Verdade é rubra de vergonha, é feia ante o espelho, esquiva ante os fatos, covarde ante a hipocrisia e apática ante o interesse do mais forte, e quando atacada é mais leniente que veemente. O problema da Verdade é que ela não costuma ser repetida mil vezes para se provar, deixa esta incumbência com a Mentira, esta sim, que se repete até se tornar Verdade. Aliás, nem necessita de se repetir, basta ser difundida em floreios eloquentes, em frase de efeito, em sensacionalismo ao modo Kane.
A franqueza gera o ódio, e a simulação recebe o aplauso neste mundo de aparências em que as pessoas se sentem eternas mesmo sabendo que o câncer as consome. Acreditam piamente na vaidade e no pedantismo de suas vestes recortadas; creem na força da imagem do jaquetão e do tailleur, e a eles ainda sobrepõem o símbolo do poder máximo sobre a vida das pessoas simples, a capa solene tal como solenemente se vestiam os carrascos nos idos das barbáries.
A solenidade exige mistério. Manter ares secretos é preciso. Não há armadilhas sem mistério. Daí a imperiosa necessidade da surpresa para haver o abate mortal, motivo pelo qual se venda os olhos aos condenados que não devem assistir à própria execução. Alguns, porém, a enfrentam olho no olho; desafiam o poder mesmo no momento extremo, como fez Tiradentes e tantos outros mártires. Bobagem! Sob a ótica da vida terrena, o vencedor permanece vivo se achando eterno, mesmo que já enrugado e velho. Morrerá também...
Curioso é que o carrasco se comporta como se ganhasse nova vida a cada vida que ceifa no seu “exercício regular do direito”. Age como se Deus inexistisse e ainda entende que o executado tem lugar certo no inferno. Não crê que lá é o seu exclusivo lugar porque que atende à vontade geral representada pelos que usam vestes solenes e se submetem aos ritos, tais como ele o faz no fim da linha da execução. Ah, o rito da condenação e da execução, que, segundo quem acusa e julga, é resultado final do processo e não o seu início. Mas para o julgado a condenação está inscrita no primeiro ato secreto: a DENÚNCIA – sempre afirmativa da culpabilidade do réu. Dizer então que o processo é um direito é a mais estúpida falácia que se conhece.
Se antes a marca de ferro caracterizava o condenado, hoje os chavões chulos cuidam de lhe marcar uma depreciativa alma. Uma das marcas, como se feita a tenaz, é o apodo desmerecedor do nome de pia do acusado para não ser esquecido (“Que o castigo fira mais a alma que o corpo” – Foucault). Daí a ostentação do suplício iniciar-se na primeira audiência, solenidade em que se acolhem Mentiras saídas de boquirrotos aclamados por acusadores que as transformam em “Verdades Insofismáveis” por meio da retórica. E a hipocrisia é tão tamanhona que o teatro de horrores se volta contra o acusado sem outro roteiro que não seja o da dilaceração da alma pela exposição do seu corpo inerte e inerme. O acusado é um morto-vivo ao qual só cabe esperar a sentença que lhe foge ao controle, dada a sua insignificância. Chamam o processo “direito do réu”. É muita caradura!...
E o ritual de horrores (o processo) rasga o tempo e a alma do acusado, porque, para ele, ser réu injustamente é ser condenado previamente. Não pensam assim os enfeitados na encenação de seus horrores: a encenação de um poder dissimulado em solenidade que, antes de se demonstrar maior que eles (e elas), serve para afastá-los da realidade de que são também seres humanos que comem e bebem e vão ao banheiro tais como os que acusam e julgam. Não são deuses, mas pensam inconscientemente que o são; não são semideuses, mas agem como se o fossem.
E o espetáculo de horrores segue como a antiga carruagem de exposição do supliciado, só que agora todos nela viajam comodamente até que, no fim da linha, os condenados sejam postos a ferros como dejetos de seus acusadores e jogados nos porões de almas assassinadas. E assim caminha e caminhará a humanidade até o fim dos tempos, com as solenes gerações de hoje se tornando pó terreno a receberem o pisoteio das próximas gerações, sem que a Terra altere o seu tamanho natural (“Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” – Lavoisier). Enfim, dentre acusadores e acusados nada restará, tudo é holograma, é um flash e nada mais.


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