Destaco da matéria o parágrafo:
“Para justificar a venda dos imóveis, o secretário estadual da Casa Civil, Régis Fichtner, alegou que estão subaproveitados e representam gastos aos cofres públicos. Quanto às das polícias Militar e Civil, as mudanças fariam parte de um novo modelo de gestão da Segurança Pública, que busca reduzir as funções administrativas e disponibilizar mais policiais nas ruas.”
Percebe-se que a autoridade supracitada desconhece o real significado da segurança pública ou finge desconhecê-lo, já que é jurista. Porque reduzir a segurança pública, que é, em síntese, garantia da ordem pública, ao simples aumento do policiamento nas ruas, é ignorar outras nuances da ordem pública e, principalmente, é olvidar a realidade da desordem pública e sua gradação natural (ser) em contraposição à ordem pública formal (dever ser), sendo certo que a segunda não determina a primeira em sentido absoluto, o que seria ideal, mas não é real.
A realidade social, no mundo todo, aponta para a necessidade de uma força de segurança para restaurar perturbações e graves perturbações da ordem pública, de tal modo que o descontrole das turbamultas não resulte em tragédia como a que assistimos atualmente na Síria, não importando aqui seus motivos. Interessa constatar a realidade da grave perturbação da ordem pública que o poder político não mais logra evitar e o caos social está instalado naquele país com gravíssimas consequências para a população.
Com o foco na turbamulta, relembro relembrar aquela que atordoou o centro da cidade do Rio de Janeiro a partir de singela decisão judicial aumentando subitamente a passagem dos ônibus sem considerar a reação dos passageiros que se postavam nas filas em horário de regresso do trabalho, ou seja, o juiz decidiu no seu refrigerado gabinete sem considerar que o fazia em pleno rush. Surpreendida pela inusitada decisão judicial, a PMERJ enfrentou graves dificuldades para restaurar a perturbação da ordem pública já com característica de grave perturbação da ordem pública a lhe exigir ações operativas. E esta máxima gravidade só não se efetivou porque a PMERJ se encontrava em final de expediente e pôde rapidamente mobilizar o Batalhão de Choque no seu todo e reforçá-lo com Guarnições de Choque que até hoje são escaladas nas Unidades Operacionais para atender a emergências, incluindo o apoio ao policiamento normal em vista de inesperados confrontos armados contra marginais.
Enfim, o que eu quero iluminar é a ideia de que a PMERJ é polícia de manutenção da ordem pública e esta não se resume ao policiamento preventivo e à repressão pontual de delitos. Trato aqui de movimentos de multidão que se podem tornar turbamulta, com graves consequências para a população, o que pode ocorrer, por exemplo, a partir de uma briga entre torcidas, como aconteceu na Eurocopa esta semana, com torcedores russos e poloneses se enfrentando abertamente, sem qualquer preocupação com legalidade. Ali o “ser” (real) prevaleceu sobre o “dever ser” (formal), e a polícia teve de agir energicamente em razão da realidade do “ser”.
Neste ponto, e para contestar o simplório discurso do secretário estadual da Casa Civil, reproduzo na íntegra o ensinamento do eminente administrativista Diogo de Figueiredo Moreira Neto, in Direito Administrativo da Ordem Pública, Forense, Rio de Janeiro, 1986, págs. 144-145:
É fácil concluir que a justificativa do secretário estadual Régis Fichtner não é apenas reducionista, mas deveras temerária, pois futuramente poderá pôr em risco a população do RJ em caso de grave perturbação da ordem pública, esta que pode decorrer de muitas causas naturais ou artificiais imprevisíveis. Portanto, não é por vaidade que a PMERJ defende seus quartéis e a manutenção da tropa de retaguarda com sua logística. É por imperiosa necessidade, por dever de ofício, e por direito genérico da população. Porque, se não houver local para aquartelar a tropa em situações de sobreaviso ou prontidão, como e onde ela estará reunida para garantir a ordem pública em situações de anormalidade que vão além da corriqueira preservação da ordem pública?
Ora, a PMERJ, goste ou não o governante e seus assessores, é organização militar constitucionalmente destinada à manutenção da ordem pública, esta que não se resume à prevenção e à repressão do crime. Não pode, pois, abrir mão dos quartéis para alojar efetivos concentrados em vista de uma realidade em boa parte desconhecida, porém admitida como hipóteses em planejamentos de emprego de uma pequena fração ou do efetivo total, que deve permanecer aquartelado para atender a uma desordem pública não controlada por lei nem decreto, mas restaurada pelo emprego seletivo da força de segurança pública nos moldes da realidade resumida no quadro de situação ensinado pelo mestre Diogo de Figueiredo Moreira Neto., que no mesmo artigo grafa um lapidar ensinamento:
“O doutrinador não deve eximir-se de chegar à ação. Toda doutrina jurídica não vale a tinta que gasta se não trouxer um aperfeiçoamento ao Direito que se traduza, em termos práticos, em benefício comum.”
Ora, a lei e a doutrina que regem a polícia de manutenção da ordem pública exigem os aquartelamentos, e é o que basta!
Um comentário:
Bom, Misoca, muito bom.
Belzeba
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