Eis um tema que costuma mexer com os nervos do andar de cima, ontem, hoje e amanhã, embora quase todos os nervosos concordassem com o que manifesto quando ocupavam o andar de baixo... É sempre assim a cultura: aplaudidos por quem detém o poder, os meios de vigilância e punição são contestados por quem recebe algum impacto negativo no campo do exercício de direitos insculpidos no Estatuto da PMERJ; predomina, deste modo, a obrigação como regra unívoca, e seu descumprimento resulta retaliação punitiva. Claro que, quanto aos punidos, refiro-me aos “desidiosos” situados invariavelmente no andar de baixo, cabendo ao andar de cima aplicar-lhes o rigor disciplinar e outros mecanismos retaliativos embutidos no que chamam “interesse da administração”, relevando-se a “punição geográfica”. Enfim, há um desequilíbrio no sistema de justiça e disciplina da PMERJ, e um dos motivos se resume na excessiva contiguidade das relações interpessoais, que são geradoras de amizades e inimizades, e, principalmente, fomentadoras de facções.
Com efeito, a intimidade entre a oficialidade é profunda; inicia-se durante o estressante regime de internato da formação e segue em quartéis pouco distanciados entre si, o que contribui para fomentar bons e maus relacionamentos, sendo a disputa pelo melhor espaço de poder o ingrediente de inevitáveis fricções. O fenômeno é menos sentido nas Forças Armadas em virtude da rarefação do efetivo Brasil afora, de tal modo que muitos colegas de turma ou de mesma época de curso não mais se encontram, ou então apenas se veem esporadicamente. Daí as relações cotidianas nas Forças Armadas serem mais profissionais (impessoais), e os locais de serviço pouco ou nada disputados. Há, por conseguinte, nas Forças Armadas, a disciplina consciente. Na PMERJ, em contrário, as relações pautam pela pessoalidade, o que as convergem para a indisciplina consciente... Trata-se, sim, de processo destrutivo, a ponto de os derrotados serem postos numa tal “letra” ou “geladeira”, até que desistam e requeiram passagem para a inatividade, quando já contem tempo. Se não contarem tempo, o jeito é suportar a esquivança e as ameaças veladas dos eventualmente poderosos, sendo certo que, se vencedores fossem os derrotados, eles agiriam do mesmíssimo modo...
Porque, inobstante a dissimulação, não se há de negar a existência desta cultura prejudicial à sadia união corporativa, que hoje se resume a quem manda e a quem obedece. Este, por sua vez, para lograr um espaço de permanência na ativa com perspectivas de promoção e de poder, deve ser obediente e conformado... Sem embargo, não há um só grupo dirigente que não prepare seus sucessores enquanto manda às favas os adversários. Assim tem sido nas últimas décadas, não importando nenhum valor corporativo além da amizade pessoal ou do sentimento de turma (facção), este mais contundente que aquela. É, enfim, um processo de autofagia mais poderoso que os fins em si da instituição. Pior é que essa nefasta cultura não desperta a atenção externa, que se liga mais no imediatismo da quantidade de tropa posta aqui, ali e acolá por exigências que nem sempre são as do cidadão, mas do mandatário político em vista de seus fins eleitorais.
Por conseguinte, para instituir e manter este subserviente modelo é indispensável centralizar o poder interno, o que é feito com primor por quem manda e pretende permanecer mandando acima de quaisquer interesses institucionais voltados para o atendimento genérico da sociedade. Entretanto, não seria possível centralizar o poder interno se não por meio de um sistema disciplinar rigoroso e injusto com roupagem de justiça. E é como funciona o sistema de justiça e disciplina no militarismo estadual: uma borduna de bugre certeira em sua destinação e geralmente empunhada por algum poderoso em desfavor de quem não conseguiu alcançar a sua própria borduna para fazer a mesma coisa, ou seja, aplicar a pancada mortal no seu oponente, que, paradoxalmente, nasceu na mesma oca e pertence à mesma tribo.
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