1. Aproveito os últimos acontecimentos da Rocinha estampados no Jornal O GLOBO de 22 deste mês (confronto entre bandos rivais pela hegemonia do tráfico ignorando a força policial de ocupação) para tecer algumas considerações na sequência do raciocínio que venho desenvolvendo sem pretender ser dono de nenhuma verdade. Já hoje, 23, o foco é no Complexo do Alemão e Santa Teresa. Situação preocupante...
2. Começo, entretanto, por Niterói, mais especificamente por São Francisco, bairro nobre da cidade que ultimamente se vê assolado por sucessivos assaltos a residência perpetrados por quatro bandidos (os mesmos) que, segundo me informaram, foram identificados por câmeras instaladas numa das residências assaltadas. Enfim, quatro vagabundos provavelmente nativos infernizando um bairro inteiro sem que a investigação criminal os alcance, o que seria mais lógico nesse andar da carruagem em que o policiamento preventivo (mínimo) falhou. E tentam atribuir o fato isolado à “migração” de traficantes do Rio para Niterói em inadmissível reducionismo.
3. Reponho agora na mesa da discussão as UPPs, que, como subsistemas (ainda não o são), não se veem apoiadas por subsistemas da PCERJ, que deveriam estar ocupando as localidades concomitantemente com a PMERJ. No caso da Rocinha e do Vidigal, quando comentei sobre a parcial conquista, não deixei de sugerir ser hora de a coirmã assumir a sua parte instalando-se lado a lado com as UPPs a garantir o ciclo completo de polícia.
4. Não falo de “invasão social”, piada de mau gosto que se vem resumindo a badalados shows em algumas comunidades, em especial no Complexo do Alemão, sendo certo que esse tipo de evento dispensa licitação e gera mídia “pra inglês ver”. Refiro-me à “invasão policial” pela PCERJ para singularizar criminosos que decerto ainda se ocultam nas localidades ocupadas por UPPs. Mas como a PMERJ é avessa à Teoria de Sistemas, cujo foco não é o Direito, mas a Administração, ela se escusa de solicitar a indispensável ajuda da coirmã, que exerce com exclusividade a atividade de polícia judiciária (tendo a investigação criminal como principal tarefa).
5. Isolada, pois, a PMERJ segue com as UPPs absorvendo culpas alheias e sendo alvo de especulação pertinente, como a do sociólogo e coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ, Michel Misse, que destaco no frontispício. Em momento algum, aliás, a PCERJ entrou na roda. O foco é único, e se prende à PMERJ, inobstante o fato de ser ela incompetente para exercitar o ciclo completo de polícia.
6. Venho falando de “cobertor curto” em meus artigos. Hoje acrescento que a PMERJ é “capenga”; e nenhuma UPP vingará somente com policiamento preventivo, que é superficial, tal como a repressão de polícia administrativa, que age após um efeito que caberia ser antes (ou depois) atalhado pela PCERJ, “in loco”, bastando para tanto a instalação de núcleos da Polícia Civil onde há UPPs. Reitero, pois, que sem investigação criminal permanente, sem inteligência policial civil atuante, não há PMERJ que chegue nem Exército que dê conta. Os bandidos voltarão dos três modos sugeridos pelo sociólogo Michel Misse ou de outro modo qualquer.
7. Defendo as UPPs, sim, mas insisto que sua visão sistêmica aponta já para a entropia, de pouco ou nada adiantando aumentar efetivos nos locais ainda descontrolados. Ademais, o aumento do efetivo significa desdobrar o “cobertor curto” e ficar de mãos abanando, vazias, sem saída. A não ser, claro, se se esvaziar a mais e mais o interior do RJ deslocando para a capital efetivo interiorano composto por jovens de unidades operacionais já depauperadas por fatores diversos, dentre os quais, e mesmo que muitos discordem, sublinho a fusão (com “f” minúsculo, mesmo!), porque seus efeitos danosos à segurança pública persistem e são inegáveis...
8. Não sou carioca nem niteroiense! Sou cidadão fluminense nascido em São Gonçalo e vivo em Maricá. Prezo, todavia, meu torrão natal como início de uma suposta cidadania a toda hora abalroada em virtude de eu costumar dizer o que não agrada a muitos. Lamento. Pois entendo que a nacionalidade e a cidadania se iniciam com a naturalidade, e São Gonçalo é só prejuízo desde que me entendo como gente. E neste caso não me refiro tão-só à segurança pública, mas poderia fazê-lo porque o crescimento populacional desordenado (culpa da ponte) responde diretamente pelo aumento da criminalidade, já que o crime, como o amor e o ódio, é inerente ao ser humano, como nos informa Manuel López-Rey (vide outros artigos). Inevitável, portanto, o crime precisa ser contido, e para tanto depende de um mínimo de correspondência entre o território (vastíssimo), a população (talvez um milhão e meio) e os meios materiais e humanos destinados ao labor policial. Mas estes mínguam desde a fusão e atualmente são ridículos. Assim não dá!
9. Sem, porém, abalar meu otimismo, devo reconhecer que as UPPs, – sem o status de sistema (ou subsistema) apoiado, no mínimo, por subsistemas policiais civis (inteligência policial e investigação criminal), – as UPPs tenderão à entropia. Ou seja, poderão fracassar nos termos em que aponta o sociólogo: “Um é voltar tudo como era antes, a derrota do projeto.” Ele não admite a hipótese; nem eu. Mas, em permanecendo o atual isolamento, sem o complemento sistêmico a que aludo (participação permanente da PCERJ), há o risco de fracasso, sim! E os acumulados exemplos de confronto entre PMs de UPPs e traficantes ainda homiziados nas comunidades ou tentando retornar à força (indicando descontrole da situação de paz) e de má conduta, principalmente, reforçam o cenário duplamente proposto pelo sociólogo, que também é fim de festa: o do “arrego”... Enfim, e de qualquer modo, configura-se a inaceitável "derrota do projeto".
7 comentários:
Caro Larangeira, respeito a tua posição de defensor das UPPs. Melhor ainda, de defensor sem ser intransigente. Do mesmo modo, os críticos têm que ser respeitados em suas opiniões. Coloco-me entre estes. Não aceito a UPP, pois ela não inova em nada e só sublinha a insensatez de aplicar uma overdose de policiamento ostensivo em áreas geográficas reduzidas, para depois o governo sair anunciando que a 'solução' é um Ovo de Colombo! Vamos sempre insistir que só na cidade do Rio de Janeiro existem mais de mil favelas e a 'solução' milagrosa não atinge dois dígitos em percentuais da população fixada em tais áreas. A questão do geoprocessamento poderia servir de trilho para aplicação de qualquer política inovadora nesse campo, mas não é isso o que acontece. Pouco a pouco, como se observa, as coisas estão voltando àquela 'normalidade' de sempre. É lógico, como voce aponta, que as tais UPPs - êta nome sem-vergonha que arranjaram! - não podem fazer sucesso sozinhas, como de resto qualquer ação policial isolada dos pressupostos garantidores da cidadania. Mas, aí, caímos novamente na vala comum e constatamos, então, que tudo está como dantes no quartel de Abrantes!
Caro Laranjeira,
Sem querer ser chato mais do que devia, vou insistir no ataque às UPPs, tomando como base as análises feitas pelo sociólogo da UFRJ, em ‘O Globo’, e as suas no comentário. Ambos citam as UPPs como PROJETO, como também com frequência o faz o secretário de segurança, o Sr. Beltrame. Então, eu diria, em favor da minha posição que sugere que ‘as UPPs não são nada, a não ser pirotecnia política’, apesar de bem engendrada como tal, que justamente por elas contrariarem tudo o que é previsto em qualquer projeto que se preze, elas não têm ‘perigo nenhum de dar certo’, como dizia um experiente amigo PM quando inferia fracasso em determinada coisa. Faço isso sem querer parecer ave de mau agouro.
A observação feita por você a respeito do desarranjo sistêmico em que se encontram as UPPs, bastante pertinente por sinal, tem sua gênese exata e precisamente na falta de um projeto, onde tudo isso estaria pensado e previsto.
Não é demais relembrar que PROJETO é o dispêndio de energia, durante um período determinado, com o objetivo de criar um produto, serviço ou resultado exclusivo. Os projetos e as operações diferem. Os projetos são temporários e exclusivos, enquanto as operações são contínuas e repetitivas. Sendo assim, poderíamos elencar como as principais características dos projetos: - temporários, possuem início e fim definidos; - planejados, executados e controlados; - entregam produtos, serviços ou resultados exclusivos; - desenvolvidos em etapas e continuam por incremento com uma elaboração progressiva; - realizados por pessoas; - com recursos limitados. Rápidas e melhores noções podem ser obtidas na Wikipédia,na qual me louvei, para os que se interessassem em mergulhar na questão aqui discutida. Contudo,
neste parágrafo apenas, já podemos juntar conceitos importantes e cotejá-los com as realidades atuais das UPPs, para verificar que nada disso é ou foi seguido, pois tudo é ou foi improvisado, como aquela invasão do Conjunto do Alemão, que misturou, como num liquidificador, a PM, a PC, o Exército e, antes dele, a Marinha! Veja só, o Exército só foi para lá após discussões dolorosas, sabe-se lá quantas! Então, isso é PROJETO? Lógico que não, parece que o que chamam de projeto das UPPs é simplesmente a realização de operações repetitivas e já existentes, executadas por um maior número de agentes dentro de uma área restrita. Isto pode ser submetido ao crivo técnico como um projeto? Achamos que não.
Caro Laranjeira,
Sem querer ser chato mais do que devia, vou insistir no ataque às UPPs, tomando como base as análises feitas pelo sociólogo da UFRJ, em ‘O Globo’, e as suas no comentário. Ambos citam as UPPs como PROJETO, como também com frequência o faz o secretário de segurança, o Sr. Beltrame. Então, eu diria, em favor da minha posição que sugere que ‘as UPPs não são nada, a não ser pirotecnia política’, apesar de bem engendrada como tal, que justamente por elas contrariarem tudo o que é previsto em qualquer projeto que se preze, elas não têm ‘perigo nenhum de dar certo’, como dizia um experiente amigo PM quando inferia fracasso em determinada coisa. Faço isso sem querer parecer ave de mau agouro.
A observação feita por você a respeito do desarranjo sistêmico em que se encontram as UPPs, bastante pertinente por sinal, tem sua gênese exata e precisamente na falta de um projeto, onde tudo isso estaria pensado e previsto.
Não é demais relembrar que PROJETO é o dispêndio de energia, durante um período determinado, com o objetivo de criar um produto, serviço ou resultado exclusivo. Os projetos e as operações diferem. Os projetos são temporários e exclusivos, enquanto as operações são contínuas e repetitivas. Sendo assim, poderíamos elencar como as principais características dos projetos: - temporários, possuem início e fim definidos; - planejados, executados e controlados; - entregam produtos, serviços ou resultados exclusivos; - desenvolvidos em etapas e continuam por incremento com uma elaboração progressiva; - realizados por pessoas; - com recursos limitados. Rápidas e melhores noções podem ser obtidas na Wikipédia,na qual me louvei, para os que se interessassem em mergulhar na questão aqui discutida. Contudo,
neste parágrafo apenas, já podemos juntar conceitos importantes e cotejá-los com as realidades atuais das UPPs, para verificar que nada disso é ou foi seguido, pois tudo é ou foi improvisado, como aquela invasão do Conjunto do Alemão, que misturou, como num liquidificador, a PM, a PC, o Exército e, antes dele, a Marinha! Veja só, o Exército só foi para lá após discussões dolorosas, sabe-se lá quantas! Então, isso é PROJETO? Lógico que não, parece que o que chamam de projeto das UPPs é simplesmente a realização de operações repetitivas e já existentes, executadas por um maior número de agentes dentro de uma área restrita. Isto pode ser submetido ao crivo técnico como um projeto? Achamos que não.
Caro Monnerat
Sua avaliação é perfeita. Aliás, confesso o meu cansaço ao falar de planejamento como processo, de sistema e de outros conceitos fundamentadores de ações acompanhadas em vista de objetivos claros a serem alcançados. Claro que sei que projeto sugere algo em vista de ações futuras e não o contrário. estamos, na verdade, avaliando o passado, o que não é mais projeto, é ação. Também não sei se o sociólogo utilizou o termo imaginando ter realmente havido algum "projeto", que, no caso, pode significar plano ou planejamento, ou seja, a concepção de algo a ser feito no futuro. Daí a necessidade de diagnósticos ("mapeamento ambiental" para o mundo administrativo e "levantamento estratégico" no meio militar) para garantir a escolha de objetivos em vista dos meios disponíveis e alcançá-los otimamente (resultados ótimos). Não creio que o "projeto" das UPPs tenham ultrapassado a lógica da criação de um cinturão de segurança em vista da Copa do Mundo e das Olimpíadas, o que exaustivamente denunciei aqui até ter certeza disso após o sistema situacional assumir que o grande objetivo das UPPs era esse desde antes. Tudo bem, temo aí um "projeto" de conqusista e ocupação, duas ações militares conhecidas desde os tempos remotos. Cá entre nós, a diferença da tática reside apenas no tipo material bélico (espada antes, armas automáticas agora). Por outro lado, desbarracar a bandidagem arrogante justifica qualquer ação de conquista. Agora, ocupar permanentemente as mais de mil favelas com UPPs (o nome não importa) importaria o emprego de um efetivo absolutamente irreal, daí sabermos que o "projeto" se completou e o resto é "ameaça" como temos ouvido que serão instaladas UPPs em Niterói. Claro que não serão! Até havia uma no Morro do Estado (pioneira na cidade) e que foi desfeita, pelo que sei. Tudo bem, só sei que, com ou sem projeto não há como desencadear ações. Bem, como o estado tem "sete vidas" e não depende de lucro e o prejuízo é do contribuite, para que planejamento? Para que visão prospectiva, se o imediatismo é o que conta e a publicidade governamental paga com verbas públicas, como eu já cansei de dizer, é a chave do sucesso no mundo de hoje? Uma coisa eu garanto: até as eleições, as UPPs estão fadadas ao sucesso, nem que seja virtual. Mas, como vemos, a realidade é tão tamanhona que o virtual se desmancha em fade e tende a desaparecer. A culpa do fracasso, porém, já sabemos de quem será: da PMERJ. Bem feito! Como pode cuidar de fazer polícia pela metade, se nem a completa tem resolvido o problema da criminalidade?... Vamos, entretanto, rezar, orar, bater cabeça etc., de modo que as UPPs não se reduzam à cria dquela escrava do conto machadiano ("Pai contra Mãe"), que ao fim e ao cabo não vingou ("nem todas as crianças vingam")...
Caro Larangeira,
não canso por defender um ponto de vista caso esteja convicto de que seja algo de fundamental para manutenção da ortodoxia da posição escolhida ou firmada pelas circunstâncias. Daí, desculpem-me, pela xaropada a seguir, você e os que nos lerem. Peço apenas distinguirem ortodoxia como algo bem diferente de fundamentalismo em sentido figurado.Volto a tocar na estrutura organizacional das PPMM, que muitos julgam ultrapassada, mas que não arranjaram outra até agora para substituí-la. A manutenção dessa estrutura hierárquica, piramidal, que ensaiou desde sempre uma tímida modelagem matricial, através da ação de Estado-Maior, misturando o antigo com o contemporâneo, de modo a sempre conservá-la razoavelmente atualizada, é de fundamental importância para a lógica de sobrevivência das PPMM, operacional e politicamente considerando-se a questão, e de qualquer lado que se tome, seja a do agente público, seja do cidadão cliente da ação. Pois, então, diria que a simples concepção das UPPs, como estão aí postadas, significa uma agressão a essa estrutura, como se esta não valesse nada e para nada. Simplesmente uma negação total e absoluta do que deu sustentação, até agora, a essas instituições, as PPMM, sempre previstas como forças auxiliares e reservas do Exército, naturalmente pelo que significam em termos de FORÇA, instituto de exercício privativo do Estado. Ora, examine-se o terreno em que estão postadas essas tais UPPs, como se estruturam, a quem estão subordinadas, a quem devem satisfação, como são preparadas, quanto custam ao Estado, quanto auferem em salários os seus componentes, como são os seus efetivos recrutados , selecionados e formados, etc., e se chegará sem muito trabalho à conclusão que elas não estão ligadas a nada e a ninguém em se falando de PM, pois o próprio comando-geral não deve apitar nada lá, pois aquilo é fruto de um arranjo político mambembe e que se orienta pelo acontecer do dia a dia. Se o policial que ali está ganha um salário diferente, diga-se, maior do que de outro mais antigo designado para uma unidade convencional, que as regras e procedimentos de serviço, da execução de uma prisão à eventual resposta a uma agressão a tiros, são completamente diferentes do que se pratica em outras áreas, podemos crer que existe uma vontade manifesta em se 'apagar' a estrutura convencional da PM, desiderato que acaba aflorando em outros campos, como o total desprezo pelo cumprimento da prerrogativas legais garantidas aos policiais militares, como o encerramento deles em unidades prisionais destinadas à execução penal, a negação sistemática de qualquer direito que traga benefícios financeiros aos componentes da instituição, a alienação criminosa de bens imóveis da corporação, etc., daí poder-se afirmar que as UPPs, por serem gestadas em tais circunstâncias e adquirirem as características que vêm adquirindo, são organizações FRACAS, mero ferramental político a ser descartado na primeira virada partidária que ocorrer no nosso cenário. Não ficará pedra sobre pedra... porque simplesmente elas não foram construídas com pedras...são contêineres de fantasias a serem deslocados no primeiro tropeço de monta que a 'ideia' sofrer,pois, como vimos, nem projeto é ou são.
Caro Monnerat
Seu comentário crítico está mais que impecável, está irresistível!
Que sirva de fonte de reflexão em tudo que é canto de interesse!
Obrigado!
Esqueci de gravar meu nome. Vai agora para clarear meu breve comentário.
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