“(...) Graças ao envelhecimento da população ou a um êxito da política antidrogas, não se sabe o motivo, a criminalidade caiu em todo o país (...). Caíram de forma inédita e sem razão aparente.” (Franklin Zimring – Revista ÉPOCA – 19 de março de 2012)
Interessante a entrevista publicada na Revista ÉPOCA (em destaque), na qual o Professor de Criminologia da Universidade da Califórnia, em Berkeley, Franklin Zimring, dentre tantas opiniões polêmicas afirma que “o importante não é acabar com a venda de drogas, e sim tirá-la das ruas.” Para explicar a queda da violência em Nova Iorque ele se prende ainda a duas assertivas (“pequenas mudanças na natureza da cidade e grandes mudanças na natureza do crime”). Assim o professor contraria a ideia da necessidade de grandes planos para combater o crime, demais de sepultar mitos, tais como: “prisão é escola de crime”, “combate à pobreza reduz a violência”. Ainda considerou a política nova-iorquina da “tolerância zero” nada mais que mito.
O ideal seria ler o livro dele, gerador da entrevista, que deve reunir muitas informações nesta linha de “incerteza quântica” quando se trata de explicar a queda dos índices de violência pontuando alguns crimes graves, que, afinal, e segundo a percepção do estudioso, não se prende a nenhuma causa absoluta, mas, em contrário, são todas relativas, e até desconhecidas, o que me deixa de certo modo espantado. Por outro lado, há um dado esclarecedor quanto ao narcotráfico como causa primeira dos homicídios, em especial pela disputa dos pontos de venda de drogas no varejo produzindo os crimes de sangue. Segundo ele, a ocupação dos espaços urbanos com policiamento nos “pontos quentes” produziu mudanças na “natureza do crime” (deslocamento de criminosos para outros lugares, até deixarem as ruas e comerciarem drogas dentro de suas casas, evitando as disputas sangrentas pela hegemonia das ruas). Isto não é novidade, temos por aqui o “disque-drogas” inclusive alastrado pelas pequenas cidades interioranas, e nem por isso há significativa diminuição dos índices de homicídio.
Enfim, a conclusão é a de que, segundo a ótica do autor, baseada em estatísticas e outras fontes de pesquisa confiáveis, o comércio de drogas nas ruas responde significativamente pelo acirramento dos crimes de sangue, o que para nós também não é novo. A novidade, sim, é que nos EUA não há favelas, como aqui, transformadas em cidadelas inexpugnáveis por traficantes poderosos e fortemente armados. Esses traficantes não apenas se confrontam entre si como também matam impiedosamente os usuários inadimplentes. Demais disso, mantêm-se entrincheirados nas favelas e conseguem conter os avanços policiais ou contornar as ocupações por meio de velhas táticas de guerrilha que dominam em plenitude: “se o inimigo avança, recuamos; se o inimigo recua, atacamos; se o inimigo para, inquietamos”.
O aparentemente simples ensinamento, talvez de Vo Nguyen Giap, general vietnamita vencedor de guerras contra a França e os EUA, continua vivo os dias de hoje e funciona até por instinto. E é deste modo que os traficantes vêm produzindo expressivas baixas no aparato policial, sendo incontáveis as emboscadas no asfalto vitimando centenas de policiais civis e militares, pressupondo, neste caso, a máxima do recuo da polícia a facilitar os ataques sempre articulados ao modo guerrilheiro. Já na favela há a tal “contenção” encetada pelos traficantes para dar tempo de ocultar a droga e o arsenal, até que eles próprios desapareçam no terreno tais como ratos de esgoto. A polícia circula então como “conquistadora”, arrecada algumas armas e drogas deixadas muitas vezes de propósito e se retira com ares de “vencedora”, garantida a mídia televisiva do dia e a venda dos jornais no seguinte.
Por fim, e onde se inserem as UPPs (“quando o inimigo para, inquietamos”), abundam exemplos desta máxima nos últimos tempos. Pior é que a inquietação não emerge apenas de dentro do território “conquistado” e “ocupado”. Aguns traficantes mais ousados já se arriscam na reconquista do espaço perdido, como se vê na Rocinha ou no Salgueiro, ou em Santa Teresa e algures. Trata-se de fator preocupante, pois a derrota de qualquer UPP significará o fracasso de todas, em especial porque o policiamento predominantemente preventivo e excepcionalmente repressivo de polícia administrativa não conseguirá conter a onda de crimes tendente ao tsunâmi...
Enfim, sob a ótica do estudioso, embora ele compare Rio de Janeiro e São Paulo à “velha Nova York” (como está na revista), não há muito que encaixar sua teoria da diminuição dos homicídios vinculados ao comércio de drogas (“natureza do crime” e “natureza da cidade”) ao nosso modelo tupiniquim de sociedade organizada (ou desorganizada). Nossas favelas não se comparam aos bolsões de pobreza nova-iorquinos, pelo menos foi a impressão que tive quando fui a Nova Iorque e visitei o Bronx e o Brooklyn. Aqui é outra realidade, outro ambiente (ambientes diversificados dentro de ambeintes inda mais diversificados), o que implica variar os métodos de controle da criminalidade, o que, por sinal, não o fazemos nem minimamente, bastando perceber que o modelo mais aplaudido (UPPs) nem conta com o ciclo completo de polícia, demais de outras deficiências a mais e mais visíveis com o passar do tempo...
Como se pode notar, todavia, lá e cá a discussão situa-se na ponta da linha do tráfico como causa da violência. Ninguém sequer se refere às fontes produtoras da matéria-prima disseminados mundo afora: cocaleiros sul-americanos e demais plantadores de maconha, papoula etc., que, no contexto do mal que causam à humanidade, não estão longe de serem comparados aos países que insistem em programas nucleares como ameaça futura. Mas estes são retaliados... Já as drogas, lembrando a peste negra dos tempos medievos, dizimam diariamente milhões de vidas por conta dos ostensivos plantios que lhes dão origem, tudo, porém, escudado numa “soberania” respeitada pelos países ricos – seus pródigos consumidores. Eis o tolerado manancial a sustentar o tráfico transnacional de drogas, e a culpa (causa) da violência, ao fim e ao cabo, é tão-somente do varejo, daqueles “pontos quentes” da reportagem em comento?... Ora! ora!...
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