segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Urany Larangeira e Carmem Di Novic: duas gerações da arte vencendo o tempo
















Artista não é corpo: é alma. Assim era meu tio Urany Larangeira (1923-2007): corpo com alma de artista. Sim, alma de artista! Porém tão arrojada que enfiou o corpo dele em farda da milícia fluminense. Nesta época de arroubo varonil, Urany se tornou exímio cavalariano, propiciando aos olhos de atônitos mortais verdadeiros shows de equitação, dentre outras incontáveis aventuras fardadas. Mas o militarismo foi apenas necessidade de treinar o corpo para vencer as vicissitudes que lhe viriam à frente e não desanimá-lo ante a missão principal que lhe fora destinada ainda no verdor da juventude por influência paterna: abraçar-se ao violão. Foi ele em seguida aprofundar-se na teoria musical e aprimorar-se na execução ilimitada de músicas populares e eruditas. Já então era requisitado aos recitais e acompanhava famosos cantores nas rádios, nos picadeiros de circo e em palcos diversos, e não se escusava dos convites para tocar ave-marias em igrejas casamenteiras e emocionar nubentes em caminhada até os altares-mores.

Ainda vivenciando a fase militar, a alma de Urany, apaixonada, fez-se corpo para casar com Helena. Enfeitado em farda de sargento, foi ele ao conúbio que lhe rendeu numerosa prole: quatro filhas e dois filhos, − não necessariamente nesta ordem, − hoje desdobrados em muitos netos e bisnetos*. Alma amante da vida, sim, porém guerreira: manteve-se fiel à farda durante a II Guerra Mundial, até que se enfiou em novas aventuras, pedindo demissão da briosa e se lançando ao mundo como caminhoneiro a percorrer estradas poeirentas e lamacentas. Alma indócil, aventureira, ela levava e trazia Urany sem depender de ninguém para desenguiçar caminhão: o corpo dele pegava no pesado sem reclamar. Alma irrequieta, inventiva, bastava-lhe uma folga entre um recital e outro para pôr Urany a assentar tijolos em obras familiares. E a precisão dele era de fazer inveja aos melhores profissionais do ramo. Sim, porque nada que aquele corpo fazia era improviso: a alma dele era superdotada, e tornava-o capaz de vencer o impossível. Bela alma! Belo corpo! Formavam um ser humano especial!...











Era, sim, a alma de Urany − é a mais pura verdade! – que lhe tocava o corpo sempre e sempre; e o meteu em sala de aula que antes frequentara como aluno, agora como professor de matemática. Que linda alma!... No colégio, Urany arrancava suspiros das adolescentes, porque sua alma artística se projetava além do corpo durante seus ensinamentos. Os alunos o chamavam “Divino Mestre”, carinhosa alcunha que o acompanharia durante os anos de magistério. Que alma destemida, a de Urany!... Ignorava o sofrer do corpo e partia em multivariados desafios a suprir suas ânsias por mais vida, porém sem largar o violão, que a cada dia se apurava em qualidade. Foi quando Urany, por decisão da alma, tornou-se serventuário da Justiça e passou a concomitantemente se dedicar à atividade que ocuparia a maior parte do seu tempo terreno: compositor, executor e professor de violão erudito e popular. Enfim, um maravilhoso concertista!

Ah, a alma dele estava feliz! O corpo sofria, sim, gostava da aventura, amava os riscos e queria mais e mais; porém a alma, almejando sossego, recolheu-se-lhe no íntimo do corpo para deixá-lo envelhecer em paz na aposentadoria; e assim o tempo trapeiro escorreu em sua inelutável trajetória rumo ao mistério maior do fim: o corpo do artista passou a comunicar à alma certo cansaço... A alma respeitava a fadiga do corpo, sim, mas se mantinha fiel à arte, principal elemento de sua comunicação com o mundo físico e metafísico, ressoando dos toques de bordões e primas belíssimas composições. Deste modo seguiu o velho corpo: firme na sua missão espiritual; corpo, aliás, mui discreto, e que se somava à alma numa só determinação: ambos não gostavam de holofotes.

Sim, a arte da alma pertencia somente a ela, e só admitia interagir com almas especiais, e nem todas se demonstravam especiais: umas não venciam os primeiros acordes; outras paravam a meio caminho... Para a alma do artista, porém, a resposta à sua busca lhe veio pelas mãos de Deus. Urany morava em São Gonçalo, RJ. Sua filha mais velha, Margot, médica novata, escolhera Umuarama, PR, como base futura. Somente por isso Urany e Helena adotaram a distante cidade paranaense, onde decidiram permanecer por bom tempo. E lá, claro, Urany não deixou descansar o corpo: entrou a lecionar violão numa Escola de Música. Foi onde conheceu aquela que seria sua aluna predileta: Carmem Di Novic.





A simbiose não se deu em pouco tempo. Carmem Di Novic teve de se dedicar ao estudo da teoria musical e à maneabilidade do violão por horas e horas, dias e dias, anos e anos, tal como antes o fizera Urany Larangeira. E a alma de Carmem, depositada num corpo jovem, formou família enquanto acumulava o conhecimento da música e aprimorava a habilidade na execução do violão. E Carmem explodiu para o mundo sob a forma de muitas artes: de esposa dedicada, de mãe extremosa, de diligente aluna e magnífica mestra de música e violão. Artes independentes, sim, em corpos desdobrados, porém unidos em sinergia divina.

Hoje, após 83 anos e 09 meses, o corpo de Urany Larangeira descansa, mas sua alma está feliz ao ver-se representada pela jovem artista cujo corpo resistiu ao esforço exigido pelo talento. Da perseverança de Carmem Di Novic refloresceu a arte máxima do violão, somatório de dois talentos magistrais. E ela a cada dia prova sua maestria ao tocar músicas de todos os naipes, eruditas e populares, acrescentando peças nascidas do seu próprio talento e de sua perícia na manipulação da teoria musical e do mágico instrumento: o violão. Ela é uma artista completa: paciente ao ensinar, ao tocar prova que o Universo é música.

Quem diria que o adolescente Urany Larangeira levaria adiante o seu sonho, desafiando em audácia o preconceito contra o violão? Eis como o pinho era maltratado, em denúncia de Lima Barreto, 1915, no seu romance
“Triste Fim de Policarpo Quaresma”: “(...) Logo pela primeira vez o caso intrigou a vizinhança. Um violão em casa tão respeitável. Que seria? (...); a vizinhança concluiu logo que o major aprendia a tocar violão. Mas que coisa? Um homem tão sério metido nessas malandragens? (...) Que era? Um batalhão? Um incêndio? Nada disto: o Major Quaresma, de cabeça baixa, com pequenos passos de boi de carro, subia a rua, tendo debaixo do braço um violão impudico.”














Assim eram os tempos em que Urany Larangeira decidiu assumir a sua arte, sempre apoiado e amado pela família. E hoje, vencidos todos os obstáculos terrenos, o seu corpo descansa; mas sua alma permanece em alegria ao se deliciar dos acordes de sua aluna predileta, a obra-prima do “Divino Mestre”: a musicista e concertista de violão Carmem Di Novic!




Conheça a obra de Carmem Di Novic clicando o link ao lado.




*Filhos e Netos:

Margot: Nicole, Rossini Humberto e Verena
Wagner: Glauce Helena, André e Hugo Henrique
Rosane Maria: Georgelio Junior, Cintia, Kelly e Claudio
Ana Christina: Floriano Vitor
Solange Helena: Priscila e Ana Karina
Ubiratan Levi: Waghner

Bisnetas:

Neta de Margot: Natthalya Christina (filha de Rossini Humberto)
Neta de Wagner: Julia Botafogo (filha de André); vem vindo por aí o Caio, filho de Glauce Helena, que está grávida.
Netas de Rosane Maria: Leticia Cristina (filha de Kelly); Fernanda (filha de Georgelio Junior); Maria Eduarda e Luiza (filhas de Cintia)

TOTAL: 06 filhos, 14 netos e 06 bisnetos.

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