Faz pouco tempo a imprensa ameaçou o prestígio da PCERJ apontando um aberrante número de inquéritos amontoados por insuficiência de investigação, incluindo no imbróglio o Ministério Público. Na verdade, essa papelada arrumada em “rito formal” reporta-se à Inquisição, época em que imperava o absurdo de um acusado somente se livrar da tortura se confessasse ser “herege”, deste modo garantindo para si a morte rápida do corpo e o céu para a alma... Sim, incrível, o Inquérito Policial tem origem na desgraçada época de Tomás Torquemada e demais inquisidores, e do Malleus Malleficarum, livro escrito por dois padres alemães instituindo regras terríveis para investigação de “heresias” e punição dos “hereges”.
Eficiente para acusar sem provas e arrancar confissões a tenaz, o rito e o livro resistiram ao tempo e cá estão, entre nós, produzindo ainda seus efeitos danosos. Porque, calcado na subjetividade dum tal “faro policial”, e em depoimentos induzidos por perguntas confusas ou acordos espúrios para obtenção de respostas esperadas, o Inquérito Policial culmina “indiciando” inocentes, e desses “indícios” surgem as “certezas” gravadas em falsas opiniões de quem futuramente não responderá por elas. E todo esse engodo se fortalece por meio da espetaculosidade que a mídia empresta ao ato inquisitorial e à movimentação cinematográfica de autoridades policiais e seus agentes, tais como urubus rodopiando em torno da carniça e dela se deliciando. Posso afirmar, sim! Senti na pele! Confiram no meu site (www.emirlarangeira.com.br), no campo “Réu com muita honra”, pela leitura de sentenças...
O anúncio da falência do Inquérito Policial como método elucidativo de crime, disparado como bomba pela imprensa, assumiu dimensões assustadoras para a PCERJ. Esta, porém, reagiu rapidamente nos bastidores das inconfessáveis negociações entre o poder público e os gananciosos midiáticos, e o assunto tornou-se fade até sumir do noticiário. Então, o que parecia ser bombástico (milhares de inquéritos, sem apontar autores e culpados de crimes por falta de provas técnicas e/ou científicas, ou seja, por falta de investigação), na verdade não passou de cúmulo nimbo que se desfez no ar abortando a enxurrada; ou um pum que fez barulho imenso, fedeu um poucochinho, mas não deixou mau cheiro... Ao mesmo tempo, e nem tanto coincidentemente, as eternas falhas da PMERJ afloraram em fatos graves a serem explorados por uma PCERJ acuada: os assassinatos de uma criança e de uma Juíza de Direito, indo a PMERJ para o epicentro da suspeição em vista do envolvimento de PMs... Ah, boa hora de desviar o foco dos holofotes para a PMERJ!... Sim, foi um prato feito surgido em salvação de quem morria de fome, e a PMERJ mais uma vez se tornou a deliciosa “receita” dos comensais da desgraça alheia: dois homicídios clamorosos a merecerem apuração, ficando o Inquérito Policial como natural receptáculo das iniciativas da PCERJ. Cá entre nós, o inesperado banquete igualmente alegrou a mídia, logo convidada a sentar-se em torno da mesa.
Eis como a PMERJ foi engolida por uma ávida PCERJ invadindo seu quartel para “apreender” o estoque de armas oficiais, como se estas não pudessem ser entregues pela própria corporação aos “investigadores”. Foi, na realidade, uma espécie de “deposição de armas” por rendição ao inimigo, cena incrível, típica de guerra. Mas, se não fora assim, não produziria o efeito premeditado, ou seja, o de que a PMERJ é a única culpada pelos desvios de conduta de alguns de seus membros, transmitindo a falsa impressão de que ela não apura nada, que os protege, o que não é verdade: a PMERJ é rigorosíssima quando apura faltas e pune seus integrantes em todos os casos que impliquem investigação interna ou externa, o que não se pode afirmar da instituição detratora...
Ocorre que se faz necessário o “castigo-espetáculo”, modo de os inquisidores-torturadores hodiernos demonstrarem “competência para investigar”, tudo, claro, graças à existência da peça inquisitorial denominada Inquérito Policial, que, por conta de suspeitas nem sempre fundadas, pediu e conseguiu escancarar um portão de acuado quartel ainda deslegitimado pela ditadura militar, tempo que já passou e não pertence à tropa de hoje, mas permanece como mote para retaliar as gentes fardadas que não fizeram nenhuma história ontem. Não digo, porém, que em meio ao espalhafatoso detetivismo condenado pelas leis penais e processuais penais pátrias, e pela ética, não haja pontos aberrantes irrompendo como um tumor a ser lancetado para esvaziar seu pus. Ou seja, tudo tão fácil e lógico que um leigo seria capaz de empunhar o bisturi e fazer o serviço em discrição... Mas o comedimento ético não atenderia ao glamour nem à desmoralizante foto de policiais civis num quartel da PMERJ, como se chegassem “de surpresa”, e se outra solução não houvesse.
Entendo que há em curso, excluída a necessária apuração dos crimes do menino Juan e da Juíza Patrícia Acioli, um obsedado interesse da PCERJ em desmoralizar a PMERJ por conta do desgaste causado por meia dúzia de maus policiais, que, a par da ação da “coirmã” (?), já seriam severamente investigados pela PMERJ, postos na rua e entregues aos tribunais competentes. Portanto, e ressalvando que a PCERJ também teu seus maus policiais a requisitar igual “faxina”, acrescento que os crimes em comento não dispensam outras investigações técnico-científicas que a PMERJ é capaz de desenvolver com isenção e rigor técnico. Eis o grande temor da PCERJ: a PMERJ reúne coragem para lancetar suas próprias feridas e capacidade de se apoiar em investigações que nada devem às da PCERJ, tanto no rito (peça inquisitorial) como no uso de técnicas investigativas que não são sinônimas de inquéritos policiais, mas simplesmente instrumentos de pesquisa visando a desvelar mistérios tais como a pesquisa metodológica o faz em benefício da verdade científica.
Muitas dessas metodologias enviaram o homem à lua, colocaram no espaço sideral telescópios investigadores de astros longínquos, claro que com critério e em natural silêncio, sem estardalhaço, como faz um cientista de rosto colado ao microscópio a desvelar doenças para curá-las, publicando a vitória da ciência somente depois de confirmada a cura por repetidos experimentos. Apurar crimes para punir seus autores é como investigar a doença para curar o paciente, e assim deveria funcionar a investigação criminal, ou seja, mediante uso de técnicas apropriadas e sua anotação em laudos infalíveis por guardarem inegável caráter científico. Porque inferir sobre prova cientificamente produzida é diferente de especular sobre fato anotado em depoimento de testemunha temerosa e/ou premiada, e conseguintemente tendenciosa, razão do acúmulo de inquéritos policiais arquivados.
Ora, a PCERJ tem a obrigação de apurar crimes como o cientista apura causas de doenças, ou seja, com um máximo de meios e critérios técnico-científicos. Porém, está a fazer blitze nas ruas, catando motos e recolhendo CNH vencidas como se fosse “DETRAN”, vestida com “meio-uniforme” a produzir efeitos midiáticos, tarefa, aliás, exclusiva da polícia ostensiva (PMERJ) em vista da Constituição da República Federativa do Brasil. Ah, uma instituição policial assim, aleatória e desrespeitadora das leis e da ética, não deveria merecer confiabilidade social. Porque sua confiabilidade como “polícia investigativa” resume-se às ilegais blitze (aberrante desvio de finalidade com roupagem de abuso de poder) ou à solenidade do Inquérito Policial como se sua instauração e o posterior envio à Justiça fossem “solução” de crimes. Não é solução de nada, mas suficiente para o MP abraçar a causa e opinar muitas vezes erroneamente, inclusive pedindo a prisão temporária ou preventiva em desfavor de suspeitos massificados como rebanho destinado ao abate, e cada gado que se dane para provar sua inocência em inversão do ônus da prova para não restar condenado pelo que não fez. Ou então, pior, manda o MP arquivar a peça falha e o crime é sepultado em cova profunda e as vítimas, em cova rasa...
Ah, qual vantagem tem a sociedade ante um sistema de justiça criminal funcionando em inaceitável tirania? No meu modo de ver, nenhuma. Mas aqui, na “democracia tupiniquim”, é assim: trabalha-se no continente dos fatos e não no seu conteúdo. Sim, primeiro se acusa sem provas para depois anunciar que elas serão ardorosamente buscadas. Que absurdo!... Fosse uma investigação discreta, e isenta, e fundada na ética, e escorada na técnica... Ah, é querer demais!... No fim de contas, a mídia não pode esperar, nem a vaidade humana é capaz de ser freada, assim como o interesse escuso de alguns ignominiosos sistemas em desmoralizar a PMERJ fala mais alto. E a PMERJ, por sua vez, embora aparente ser um touro bravio, comporta-se como gado que à primeira estocada não reage, e se conforma, e entra na fila do abate, e fim!...
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