terça-feira, 2 de agosto de 2011

Sobre os últimos acontecimentos criminosos envolvendo UPPs

Fonte: O Globo




(...) Indivíduos cuja propensão para o mal se faz através de uma "fria" racionalidade caem fora da legislação penal e do sistema prisional desse tipo de Estado, baseado na concepção de que todos os indivíduos, por serem seres humanos, são reeducáveis (...). (Rosenfield, Denis – Sociedades desguarnecidas – O Globo, 1º de agosto de 2011)

Não é necessário enumerar esses acontecimentos criminosos, porém são muitos, e graves, e eclodidos em UPPs diversas ou com elas de algum modo relacionadas. Pode parecer desânimo iniciar assim a reflexão, mas o meu objetivo é tentar explicar, segundo o meu tirocínio, uma inevitável situação de desordem em virtude da criminalidade globalizada. Refiro-me à macrocriminalidade transnacional, imenso e incontrolável manancial responsável pelo desdobramento, em extensão e gravidade, da criminalidade daqui e d’algures. Negar esta influência é abraçar a ingenuidade; do mesmo modo, ignorar que o narcotráfico é uma robusta locomotiva a percorrer o planeta puxando vagões de drogas e armas, embarcando e desembarcando passageiros em diferentes estações do crime, é fadar-se ao autismo.
É inegável que essa vertente da macrocriminalidade (tráfico de drogas e armas) responde por inumeráveis crimes conexos, não importando aqui avaliar estatísticas, perfis biológicos ou psicofisiológicos de criminosos, ou a quantidade de crimes sob nenhum aspecto além do demográfico. Enfim, o crime é um fenômeno sociopolítico e cresce na proporção do aumento populacional, sendo aquele mais veloz que este segundo exaustivas pesquisas de Manuel Lopez-Rey1 (“muitas vezes o crime cresce mais depressa do que a população”). Portanto, imaginar a possibilidade da existência de “ilhas sem crime” no ambiente social urbano é crer piamente na “Utopia” de Thomas Morus. Cá pra nós, nem mesmo na “ilha” do santo havia paz absoluta: a escravidão era necessária e a defesa da ilha dependia da contratação de mercenários.
Pretendo com a alegoria afirmar que até a mais primorosa segurança é relativa, bem como não existe segurança absoluta senão na imaginação. Crer, portanto, nas UPPs como miraculosamente capazes de proteger as pessoas contra todos os riscos é mais que utopia, é estupidez. Afinal, as UPPs são consequentes de interesses puramente societários, embora implantadas em comunidades carentes. Na verdade, foram instaladas com o nítido objetivo de atender aos reclamos alienígenas por mais segurança em vista da Copa do Mundo e das Olimpíadas. O que não se esperava é que as UPPs apresentassem sintomas entrópicos tão cedo...
Por outro lado, é inegável que as UPPs vêm comprovando a capacidade da PMERJ de conquistar territórios dominados pelo tráfico, demais de ocupá-los permanentemente objetivando promover uma segurança preventiva como regra e repressiva como exceção. Mas falta ainda nesses lugares carentes a prevenção primária, que não é labor policial. Refiro-me à “UPP social”, que vem sendo protelada em descaramento, apesar das chiadeiras de autoridades da segurança pública. Entretanto, nada garante que a salutar “invasão social” (se houver), somada à badalada “invasão policial”, erradicará o crime. Isto ainda se encontra no campo das probabilidades ainda não testadas.
Como venho insinuando desde muito tempo, o mar não está calmo e a nau que transporta as UPPs apresenta alguns furos comprometedores, para não dizer rombos ao modo “Titanic”. Sim, as UPPs arriscam-se ao insucesso ante o poderio de uma criminalidade que floresce contra tudo e todos, e não apenas aqui, mas em todo o mundo, o que torna a violência decorrente desse fenômeno um dado assustador. Pior é que até hoje não houve como conter a violência gerada pela multifacetada criminalidade. Os estudos sobre o crime ao longo dos séculos, em países democratas ou totalitários, indicam a supremacia do Mal em detrimento do Bem, este último entendido como situação de harmonia e paz na convivência social. Por conseguinte, não é a UPP nenhum milagre capaz de curar esse insuportável Mal que assola a humanidade e termina com seus tentáculos nas favelas.

1. López-Rey, Manuel: CRIME – Um Estudo Analítico. Tradução de Regina Brandão. Rio de Janeiro, 1973, pág. 216.

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