domingo, 3 de julho de 2011

REFLEXÃO DE FIM DE SEMANA


HORA DE MUDAR V



Os militares estaduais somam talvez 500.000 no serviço ativo país afora (apuração de bastidores, imprecisa, pois as PPMM não costumam divulgar seus efetivos). Número maior, portanto, que o somatório das Forças Armadas (igualmente em apuração de bastidores, creio que talvez sejam 360.000 militares federais na ativa); com a ressalva de que os militares estaduais vestem suas camisas voluntariamente, e os federais, em boa parte, são conscritos descartáveis após o cumprimento do serviço militar obrigatório. Também releva a condição precípua de policial para o PM e de bombeiro para o BM, duas atividades que não guardam nenhuma necessidade de militarismo para a sua eficiente e eficaz execução. Essa história, portanto, de que é necessário ser militar para bem cumprir a função policial ou apagar incêndio não procede no cotidiano da manutenção da ordem pública. O militarismo estadual decorre, a bem da verdade, de mera tradição dos tempos monárquicos, imperiais e republicanos, que se mantém por temor dos militares federais com alguma sublevação de Estados-membros, absurdo de se conceber até como hipótese nos dias de hoje.
Mais relevante ainda é o fato de as Forças Armadas não mais se interessarem por essa esdrúxula subordinação dos militares estaduais ao Exército Brasileiro, da forma como está posta no texto constitucional (Inciso XXI do Art. 22 e Art. 144, Inciso V, §§ 5º, 6º e 7º) e igualmente consagrada em leis e decretos carcomidos pelo tempo e pelo desuso. Mas a condição de “militar estadual” é imposta aos integrantes das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares com todos os deveres e obrigações dos militares federais e talvez mais... Os militares federais, todavia, não se expõem ao desgaste em tempo de paz e ao fim e ao cabo contribuem para emperrar a evolução do sistema de segurança pública pátrio; mui pior ainda, acirram a insegurança púbica na medida em que contribui para manter agrilhoado à hierarquia e à disciplina militares esse imenso contingente de homens e mulheres que envelhecem na profissão.
Os militares estaduais (nunca é demais lembrar) morrem e são feridos às pencas durante o serviço e na folga em virtude do exercício desgastante da profissão policial. Não é a profissão militar que os fere ou mata, mas a policial ou de atendimento às catástrofes. A essas funções precípuas e altamente arriscadas somam-se as desgraças de um militarismo humilhante, cerceador de direitos e determinador de deveres que vão às raias do espanto interno, pois é certo que a sociedade civil não tem nenhuma ideia dessa teratogenia institucional. Sim, os militares estaduais são submetidos a escalas de serviço degradantes; trabalham aos sábados, domingos e feriados, na chuva e na canícula, de dia e de noite, marcham para lá e para cá em eventos que nada acrescentam ao seu ânimo e sem que recebam qualquer remuneração extraordinária. E não podem reclamar. Se o fizerem, é “transgressão disciplinar”, e daí cadeia e rua. É como pulo de perereca na chapa quente: rapidinho... Como vencer tal aberração?
Ora bem, o primeiro passo é desatrelar os militares estaduais dessa condição tacanha de “força auxiliar reserva” do Exército Brasileiro, de modo que, mesmo permanecendo como “militares estaduais”, eles possam receber tratamento diferenciado daquele imposto ou defendido pelas Forças Armadas. Digo defendido porque as Forças Armadas não alteraram seus modelos durante o regime militar porque não quiseram. Não é o caso das Forças Militares Estaduais, compostas por PMs e BMs, que durante os anos de chumbo foram ainda mais piqueteadas e tratadas como escórias, a ponto de constar na Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, dentre tantas coisas importantes ou desimportantes, uma literal proibição de os integrantes das Forças Militares Estaduais ganharem mais que seus equivalentes em postos e graduações no Exército (“Art. 13, Inciso IX, § 4º As polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem pública nos Estados, territórios e no Distrito Federal, e os corpos de bombeiros militares são considerados forças auxiliares reserva do Exército, não podendo seus postos ou graduações ter remuneração superior à fixada para os postos e graduações correspondentes no Exército”). Cá pra nós (Irra!), é o que basta para os militares estaduais abominarem a impertinente subordinação, mesmo considerando que hoje esta abjeta discriminação está sepultada, não por morte, mas como um zumbi capaz de voltar do além-túmulo...
Libertar os militares estaduais é preciso! Demais disso, o Exército Brasileiro desde muito não se incomoda com a existência das PPMM e dos BBMM como suas “tropas auxiliares” (vide o conceito − ou o preconceito − de “tropa mercenária” em O Príncipe, de Maquiavel). Hoje, porém, e que se diga por amor à verdade, tenta o nosso “padrasto verde-oliva” sobreviver ao péssimo tempo das cobranças por acontecimentos passados, o que, por sinal, é injusto e pode ser pavio de pólvora no futuro. Porque há um limite para os excessos, mas parece que a turma de assaltantes, sequestradores e homicidas, que deste modo tentou implantar o totalitarismo stalinista no país, pensa que já venceu a guerra em meio a apenas uma batalha. Sim, é certo que eles e elas (glamorosos militantes esquerdistas e guerrilheiros de outrora) não defenderam nenhuma “democracia”; ao contrário, tentaram transformar a tênue democracia, vigente até 1963, em regime totalitário de esquerda.
Desculpem-me o desabafo, mas devo consignar que não sou nem “de esquerda” nem “de direita” e defendo a democracia também para os militares estaduais com responsabilidade e patriotismo. Porque é difícil ser feliz numa profissão tão discriminada. Daí os militares estaduais bem que poderiam possuir regime de trabalho próprio, porém com direito à sindicalização e à greve e com acesso aos direitos sociais prescritos para os trabalhadores urbanos e rurais no Art. 7º da CRFB, no mínimo englobando os Incisos I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXII, XXIII, XXIV, XXV, XXVI, XXVII, XXVIII e XXX. Sem isso, a tendência é a crise, e o único caminho são as manifestações sem que grilhões militares as contenham. Mesmo assim, insistem em pecar as autoridades públicas mantendo debaixo do braço muitas leis administrativas e penais anacrônicas, e nas mãos a lança afiada para tanger os militares estaduais como “gado de rebanho”.
É hora de mudar, sim! Ou melhor, já passou da hora, e não será a anistia de 500 militares estaduais num universo de 500.000 que aplacará a indignação acumulada. Portanto, é melhor que os políticos acordem para o grave problema que poderá afetar a própria evolução da democracia no Brasil. Digo-o assim porque, em sendo militar estadual interessado nas mobilizações que ocorrem há tempos, pressinto que qualquer dia esses 500.000 militares estaduais do serviço ativo, somados a outros tantos milhares de inativos e familiares adultos, poderão ganhar as ruas do país e desembocar em Brasília. Cá pra nós, não sei se pacificamente, não sei se armados ou desarmados, e talvez não mais a pleitear, mas a explodir em indignação contra seus detratores instalados na política e na mídia, não sem antes arrasar seus respectivos quarteirões representados pelos Estados-membros.
Trata-se de tema delicado, e quem pensa que há no país alguma força capaz de vencer turbamulta grandiosa como essa, engana-se. Nem as três armas das Forças Armadas, unidas, conseguirão, sendo válido considerar a hipótese de elas não se prestarem a atender a nenhuma ordem governamental nesse sentido. Afinal, os militares federais estão sendo sacaneados tanto ou mais que os militares estaduais, e com eles poderão formar lado a lado em vez de medir forças.
É possível que eu esteja delirando, mas venho delirando faz tempo, e nos meus delírios já concebi por mais de uma vez a hipótese de incidentes como o último envolvendo o CBMERJ e a PMERJ, com esta última assumindo o risco máximo de confronto sangrento contra bombeiros-militares revoltados. Sim, foi por pouco que a irresponsável ordem de invasão do Quartel Central do CBMERJ pelo BOPE não se tornou outro Carandiru com consequências impensáveis. E duvido que alguém, em sã consciência, seja capaz de imaginar um segundo entrevero desta natureza, pois é quase certo que terminará em carnificina, já que o primeiro confronto pegou os bombeiros-militares de surpresa e (pasmem!) “dentro de casa”. Claro que tal distração não mais ocorrerá, pois eles são homens corajosos e capazes de defender a honra pondo em risco a própria vida. E não é por outro motivo que o governante está recuando: ele perdeu a batalha da sua arrogância contra a indignação dos bombeiros-militares, que, aliás, não é somente deles, mas também dos policiais-militares, dos policiais civis, dos professores, dos médicos e de muitos servidores públicos por ele humilhados em todos os sentidos nos últimos anos.
Pior que delirar, entretanto, é erroneamente manter na segurança pública a forma dissociada da função. O modelo estrutural da segurança pública permanece cristalizado pelo temor de mudar enquanto pessoas comuns e proeminentes discutem seus efeitos indesejáveis. Os fracassos do sistema situacional na luta contra o crime são porque as autoridades públicas não penetram nas causas dele. Ficam na superfície, prendem-se a clichês, como o motorista que critica o carro sem freio, mas não procura substituí-lo por um novo sistema de frenagem. Fica tentando remendar o velho freio, e, até sofrer um acidente, nem pensar trocar de freio ou de carro. Só que morre...
Mudar é preciso! A autonomia federativa, em se tratando de segurança pública, inexiste. Tudo que se tenta fazer é na base da invencionice, do improviso, do remendo. Enquanto a população aumenta vertiginosamente, o crime se sofistica e a violência se amplia sobremodo, tudo como condição natural da inevitável explosão demográfica. Como nos ensina o mestre Manuel López-Rey, criminologista espanhol, como o crime é inerente ao ser humano, basta o aumento populacional para que ele aumente em extensão e profundidade, emergindo novas formas de delito da complexidade da convivência humana. O ambiente social está a mais e mais incerto e turbulento e exige flexibilidade estrutural para vencer as surpresas. E, dentre as muitas medidas de controle social, como o replanejamento urbano, a revisão do sistema viário, a melhoria dos serviços de saúde pública etc., há de se pensar na reestruturação da segurança pública como um sistema globalístico, para que seja permanentemente renovado e não ingressar num irreversível processo entrópico. Porque hoje a segurança pública é ineficiente e onerosa por falta de flexibilidade estrutural. E esta decorre da inflexibilidade dos dirigentes políticos, bem mais a medo de mudar do que por qualquer convicção que a justifique. E por conta dessa teimosia da União em desmerecer os Estados-membros, roubando-lhes a autonomia federativa na segurança pública, num sistema de desconfiança inaceitável, o crime avança em metástase cancerígena aguda. E se assim continuar, o sistema situacional, a exemplo do alegórico motorista sem freio, finalmente morrerá...

Um comentário:

Anônimo disse...

Missão em Brasília + PEC 300


Senhores Bombeiros Militares e Policiais Militares e Civis de todo o Brasil, vamos aprender com eles (BOMBEIROS DO RIO).

Chega de gratificações, a hora é essa, se perdermos esta oportunidade dificilmente teremos outra. Vamos fazer manifestações em todo o País.

Assistam aos vídeos que estão no link abaixo, que certamente servirão de incentivo.


http://www.bombeirosdobrasil.com/2011/07/missao-em-brasilia-pec-300.html