sexta-feira, 1 de julho de 2011

Reflexão para o fim de semana


Fonte: Jornal O GLOBO de 1º de julho de 2011



Será que estou no Marrocos?... Ou na vila de Itaguaí assistindo à morte de Simão Bacamarte como juiz de si mesmo?...


A roda do tempo pode rolar para onde quiser, nunca poderá escapar à verdade.


(Friedrich Nietzsche)



No artigo último que postei, − ante os absurdos que se sucedem nas relações do governante com os militares estaduais, tendo os bombeiros-militares como foco por razões óbvias, sem, entretanto, ter sido menos surrealista a invasão da sede do CBMERJ pelo BOPE, − referi-me às ficções governamentais.
Quando miro as ficções, apenas copio ensinamentos dando conta de que elas não se podem transverberar no mundo real. Tentar torná-las realidade é estado de loucura, é certeza de impunidade, é se colocar acima do bem e do mal como os heróis e vilões da literatura de entretenimento. Tal consideração me faz lembrar as oportunas palavras do grande jurista Ferrara, na obra Büiow, Civilprozess. Fictionem und Wahreiten (Arq. f. civ. Prax., 62, p. 1/6. Biermann, B. R. 92) "Trattato". Athenaeum, Roma, 1921, nº 9, pág. 50:

"De qualquer maneira, se ficções são toleráveis na lei, das ficções deve fugir a ciência. Ficções são mascaramentos da verdade, e a ciência, que tem por missão descobrir a verdade, não pode contentar-se com um artifício. Toda ficção é um problema não resolvido."

Cá pra nós, chega a ser hilariante a esquiva governamental no sentido de se colocar acima de todas as leis vigentes, mais que claras, para instituir uma “nova ordem” sobre o recebimento de vantagens no RJ. Desgraça maior é impossível! Como pode uma pessoa situar-se como semideus inalcançável por vontade própria, tal como o “sacralizado” rei Mohamed VI?... Mas (pasmem!) em plena vigência das leis pátrias condenando adrede as imoralidades e as ilegalidades públicas, o governante, − indubitavelmente servidor público no exercício do seu múnus eletivo, − imagina-se um Luís XIV a reescrever seu célebre delírio: L’État c’est moi?...
Porque a esquiva do “novo código de conduta” não sugere outra coisa a não ser nos transformar em babacas assumidos. Parece, com efeito, que o governante e seus áulicos cuidam de ficções em delírio máximo que só poderá ser travado pela "Casa Verde" ou uma realíssima prisão... Ora, que moral pensa ter esse indefectível ofensor dos militares estaduais para propor sua própria punição “a partir de”, ignorando solenemente seus “antes de”?... Será que anistiar os bombeiros-militares o isenta de culpa?... Ou ele pensa ser temido como todos temiam a Joseph Stalin?...Ou pensa ser “Magno” como o conquistador Alexandre?... Ah, se Santo Agostinho fosse vivo estaria reeditando a história do pirata aprisionado por Alexandre Magno, contada na sua De Civitate Dei (A Cidade de Deus, IV, 4):

"Como Alexandre lhe perguntasse por que razão infestava os mares, respondeu com audácia: pelo mesmo motivo que infestas a terra; mas como o faço com um pequeno barco, sou chamado de pirata; como o fazes com uma grande frota, és chamado de imperador."

Creio que o “governante-imperador” não abafará a crise com encenações teatrais e esquivas malandras, dele e de sua trupe. Enquanto ele não descer do trono e não largar a coroa e o cetro para exercitar a verdade real, não merecerá o respeito de ninguém. Não mais adianta a sua empáfia de “todo-poderoso” porque a verdade prevalecerá ao fim e ao cabo do rodar da roda do tempo. Pena que uma tragédia tenha sido a ponta do iceberg. Precisou que inocentes morressem para que os assuntos “públicos e privados” se mostrassem tão “misturados” que chega a ser ridícula a declaração do fiel escudeiro Régis Fichtner descrevendo uma solução “para depois” como se o antes não existisse no mundo real. Envereda o fiel escudeiro para a descarada ficção, como se fosse possível ocultar a floresta com uma só árvore (“A árvore impede de ver a floresta” – Provérbio alemão). Não! Não somos tolos! Não nos incluímos na insinuação do visionário William Blake (“O tolo não vê a árvore que o sábio vê”); em contrário, somos sábios o suficiente para não mais sermos engrupidos com ficções estúpidas vindas de pilantras sem defesa possível a não ser se impondo pelo poder totalitário stalinista.


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