sexta-feira, 17 de junho de 2011

Caminho sem volta I






O recente “castigo-espetáculo” da prisão em massa dos bombeiros-militares e do enquadramento deles no absurdamente rigoroso Código Penal Militar (moldado mais para uma remota guerra do que para a presente paz) partiu do ambíguo argumento de que eles são exclusivamente militares. São sim!... Não?... Sim?... Não?... Mas o tratamento que até então lhes vinha sendo dispensado pelo governo estadual coadunava-se bem mais com o papel de servidores civis, com toda a tropa do CBMERJ insolitamente transferida para exercer cargos e funções na estrutura da Secretaria de Estado de Saúde. Aliás, se existe um militarismo que precisa ser discutido pela sociedade brasileira é esse “militarismo estadual”, cada vez mais incompatível com o exercício cotidiano das atividades de policiais e bombeiros.
Mas é assim o modelo: carcomido pelo tempo e pelo mau uso. Portanto, correto seria, no mínimo, tentar honrar as leis vigentes enquanto não mudam o modelo no Congresso Nacional. Por exemplo, diante dos últimos e traumáticos acontecimentos, seria de bom alvitre retornar o CBMERJ ao seu nicho, já que ele é “organismo de segurança pública” nos termos do Art. 144 da Constituição Federal e seu endereço legítimo e legal é a Secretaria de Estado de Segurança Pública. Assim feito, tudo ficaria em conformidade com a Carta Magna e com outros diplomas federais que versam sobre a missão dos corpos de bombeiros. Cá pra nós, ainda não se mensurou na globalidade a consequência da baderna hierárquico-disciplinar decorrente da decisão governamental no sentido de desviar o rumo daquela organização militar para a pasta da saúde.
Dentro dessa lógica, parece-me precipitado recriar a Secretaria de Estado de Defesa Civil (atividade gravada na Carta Magna como subsidiária à função principal dos corpos de bombeiros). Porque, tal como ocorre com a Polícia Militar e a Polícia Civil, − e existindo uma Secretaria de Estado de Segurança Pública, − o ideal seria subordinar o CBMERJ a esta pasta, passando a Defesa Civil a figurar como órgão independente e subordinado à Secretaria de Governo. Deste modo, a Defesa Civil ficaria próxima do governante, modelo predominante nos demais Estados Federados, além de consagrado em diversos Seminários Nacionais de Defesa Civil. É simples entender, a doutrina é cristalina: a Defesa Civil é muito mais que atividade de bombeiros, e deve ser exercitada por equipe multidisciplinar governamental e não-governamental, integrada também pelos valorosos soldados do fogo.
A Secretaria de Estado de Defesa Civil é reedição de antiga invencionice. Renasce, segundo o vozeirão do governo, para demonstrar que o CBMERJ “está com prestígio”; ou seja, confessa que antes da crise o CBMERJ não gozava de prestígio algum, o que é a mais absoluta verdade. Mas a elevação do status político do CBMERJ em detrimento da Polícia Militar e da Polícia Civil tende a agravar o histórico divisionismo que permeia essas três instituições que, obrigatoriamente, deveriam estar no mesmo patamar de valor social e político. Sim, insisto, a Lei Maior grafa as duas instituições militares estaduais e a Polícia Civil como “organismos de segurança pública”. É só cumpri-la para evitar a sucessão de “achismos” que denotam desconhecimento do que sejam Segurança Pública e Defesa Civil no seu contexto legal e doutrinário. Contudo, − e de modo insólito, − o atual governo insiste em atropelar leis e doutrinas...
Ora, não mais cabe empurrar a sujeira para baixo do tapete governamental dando ao CBMERJ o status de secretaria de estado e reinventando gratificações somente para atender a alguns, manobra frequente do governo no sentido de discriminar a maior parte da tropa e acariciar aqueles que fazem a vontade do governante!... Na verdade, foram esses erros insistentes − e conscientes − que desaguaram no acirramento de ânimo dos bombeiros-militares, com o desfecho grave que ora assistimos em perplexidade: centenas de bombeiros judicialmente acusados da prática de “crimes de guerra”...
A recriação da Secretaria de Estado de Defesa Civil é outra manobra ilusória. Por isso as manifestações continuarão, pois aos bombeiros-militares o que importa é a anistia dos processados e uma remuneração condigna a beneficiar toda tropa, incluindo-se os policiais civis e militares (tudo utópico, segundo o deputado André Corrêa, líder do governo na ALERJ). Ou seja, não atendendo à base representada pelas três instituições, a insatisfação se alargará e se poderá desdobrar em novas reações. E ouso grafar minha certeza de que a tropa de heróis do fogo prefere ser parte ativa da segurança pública, tal como reza a Carta Magna...
Neste ponto, devo afirmar que a legislação castrense é clara: o militar estadual que se deslocar de sua estrutura original para exercer cargo ou função de natureza militar ou não-militar em organismos civis (há lei estadual que define ambos) deve ser imediatamente agregado. No caso de cargo ou função de natureza militar, eles são listados num rol interno a lhes garantir promoções e outros direitos. Já no caso do exercício de cargo ou função de natureza civil, o militar estadual é apartado e deixa de concorrer a promoções e de receber outros benefícios em sua carreira; e, após dois anos nesta segunda situação, ele deve ser conduzido ex-officio à inatividade, com ganhos proporcionais ao seu tempo de serviço na condição de militar, nele inserindo o tempo ocupado em cargo ou função de natureza militar.
Ocorre que o governo do Estado, ignorando todas as prescrições relativas aos militares estaduais a partir da Carta Magna, − com destaque para o Inciso XXI do Art. 22, − deslocou não apenas os bombeiros-militares para a Secretaria de Estado de Saúde (inegavelmente civil), mas toda a estrutura do CBMERJ. E desse modo incrível criou-se uma situação avessa à legalidade, e que deveria, depois de dois anos, conduzir à inatividade todo o efetivo do CBMERJ. Porque, se há um princípio consagrado na Teoria Geral da Administração, é o de que nenhuma estrutura é capaz de funcionar sem pessoas, nem considerando toda a tecnologia disponível...
Não se trata de ilação, tenho notícia de algumas situações esdrúxulas de bombeiros-militares subordinados a servidores civis inclusive terceirizados, fato que poderia ser investigado com o foco na “Regulação de ambulâncias do SAMU”... É evidente que as atividades várias exercitadas por bombeiros acoplados a uma secretaria civil não podem ser consideradas militares. Enfim, consagrou-se a descaracterização do militarismo no âmbito do CBMERJ para efeito de trabalho, o mesmo militarismo que agora serve de base para a punição da tropa em vista dos rigores do Código Penal Militar. Isto é no mínimo contraditório...
Ora, se deixou de ser o CBMERJ, conjuntural e estruturalmente, uma organização militar, então ele se há de ter tornado momentaneamente “civil”. E nesta ambígua condição de “militares-civis” que os bombeiros-militares “invadiram” o Quartel Central da instituição, cabendo-lhes a pecha de “invasores” apenas em tese, pois eles adentraram a própria casa, pela porta da frente, depois de obrigados a derrubar a grade que lhes fora batida na cara por seus iguais.
Com efeito, − e apesar da justificável revolta acumulada em seus espíritos por obra e graça de um governo arrogante e irresponsável, − os valorosos bombeiros não deveriam ter derrubado a porta; aliás, tal como fez o BOPE de modo pior, porque também não deveria ter explodido e danificado a porta dos fundos para invadir quartel alheio atacando homens, mulheres e crianças com armas não-letais e (pasmem!) letais...
As invasões foram temerárias, sim, algo sem precedentes na história do malfadado Estado do Rio de Janeiro! Basta imaginar como possibilidade alguma reação dos bombeiros-militares, que podem e devem portar armas de fogo, mas, conscientes de suas responsabilidades, e mesmo desesperados, não as portavam nem com elas reagiram à violência do BOPE, o que transformaria o confronto em carnificina. Quem, afinal, responderia por tragédia tão iminente que se poderia ter tornado espantosa realidade, bastando qualquer lado riscar o fósforo sobre o rastilho de pólvora adrede espalhado pelo governante?
Ora!... Certo seria o governante antecipar-se e no mínimo aguardar a ação das chefias e lideranças do CBMERJ representadas por milhares de oficiais de todas as patentes, mas que, literalmente, sumiram. Onde estavam eles? Por que não tomaram a iniciativa de controlar seus comandados por meio de firme imposição hierárquica ou pelo diálogo? Acovardaram-se a ponto de a Polícia Militar ser ordenada a empregar contra os heróis da sociedade uma tropa de combate destinada a ações em situação de grave perturbação da ordem pública produzida por facínoras?...
Ora, ora!... Onde estavam ou estão esses oficiais da coirmã que até agora não se reuniram em lugar algum nem se pronunciaram? Onde estava o ex-comandante-geral do Corpo de Bombeiros e seu Estado-Maior quando a Polícia Militar invadiu o Quartel Central?... “Tomaram doril”?... Que vergonha! Eles são tão coronéis, tenentes-coronéis, majores, capitães e tenentes quanto os oficiais da Polícia Militar que lá se enfiaram a mando do governante! Bolas, por que esses garbosos oficiais da coirmã permitiram a indecorosa invasão do seu “santuário” por tropas da Polícia Militar?...
Prendo-me aqui à indagação: que “motim” foi esse extraído do episódio? Tratados como civis, humilhados em todos os sentidos, os bombeiros-militares foram postos a ferros como autênticos militares em zona de guerra, embora o atual governante os tenha antes descaracterizado em delírio. E acrescento outra indagação: por que não coíbem os demais BMs que se manifestam nas ruas, agora juntos com PMs, enquadrando-os no mesmo Código Penal Militar? Afinal, os regulamentos proíbem manifestações coletivas de quaisquer espécies e a inobservância de leis e regulamentos é, no mínimo, crime militar capitulado no artigo 324 do Código Penal Militar.
Sim, por onde anda a coragem das autoridades públicas para desencadear ações contra os manifestantes ainda soltos e que deveriam, à luz fria da lei castrense, ser presos em flagrante independentemente de invadirem ou não invadirem quartéis? Por que não mandam o BOPE para enfrentar os manifestantes militares nas ruas?... Ah, o governante não tem coragem!... Sabem onde está a coragem dele?... Em lugar algum! Essas autoridades públicas de vida efêmera não têm mais legitimidade para agir contra os manifestantes porque foram as primeiras a produzir as ilegalidades que deram causa ao “motim”. E agora intentam novamente enganar a tropa com promessa de gratificações que não são aumento da remuneração, mas ilusórias benesses a tentar dividir e enfraquecer a coesão do movimento reivindicatório cuja bandeira não é somente dos bombeiros, mas também dos policiais civis e militares... Ah, isto é que é trapaça política! Mas a ingloriosa justiça a ignora. Trata os manifestantes como “baderneiros” e não atenta para a bagunça governamental anterior, atual e decerto futura, de modo a lembrar o famigerado Luís XIV (“O Estado sou eu!”) ou o delírio de Nero a incendiar Roma...
Não sei que desfecho terá o incidente tornado gravíssimo com a prisão judicial de 439 bombeiros-militares (foram soltos, mas ainda enfrentam grave risco de pesada condenação em processo criminal). Só sei que, do lado de cá, entre os sofridos militares estaduais (PMs e BMs), − que agora se unem a despeito de pressões e ameaças formais, − não há o temor de enfrentar os verdadeiros vândalos. Sim, sim, sopesadas suas responsabilidades, são elas, sim, − as efêmeras autoridades políticas e comissionadas, − que afundam no seu próprio lodo, sendo certo que não será uma decisão judicial precipitada que irá travar o ímpeto dos militares estaduais, desta feita unidos aos valorosos policiais civis na busca da verdadeira justiça, que é a JUSTIÇA SOCIAL!...
Porque, se existe alguma baderna do lado de cá, pior ainda é a que vem sendo produzida do lado de lá, do lado governamental, tudo à revelia da Carta Magna e das leis vigentes, desde o primeiro desgoverno brizolista em que a PMERJ, a PCERJ e o CBMERJ foram alçados à condição de secretarias de estado e a pasta da segurança pública foi extinta. E ao mesmo tempo o governante, esperto em dividir para enfraquecer, jorrou cargos comissionados intramuros dessas instituições. Tornou-as, na verdade, tropas mercenárias a seu serviço personalíssimo, mal que perdura até hoje.
É verdade, pois, no fim de contas, os cargos e encargos que antes eram inerentes aos postos e graduações e se limitavam à remuneração tornaram-se alvo de disputa caracterizada pela subserviência de baixo para cima e pela truculência de cima para baixo. E se antes a tropa de praças não era alcançada pelas benesses, hoje boa parte é aquinhoada com gratificações por motivos políticos vários, obscuro privilégio inconstitucional que abalroa o princípio da isonomia. Porque onde há privilégios há de haver discriminações, e é como vejo a próxima trapaça anunciada: a utilização a taxa de incêndio para gratificar tão-somente os “leais ao governo”...
É muita podridão! Atualmente, cargos e funções, bem como os discutíveis resultados estatísticos, valem dinheiro, muito dinheiro... E como não há cargo nem função para todos, − nem é possível avaliar com precisão esses resultados (estatística não é nada mais que parcial instrumento de apoio a planejamentos), − muitos desinfelizes militares estaduais e policiais civis passarão ao largo dessas benesses. Permanecerão tratados a pão e água na base do “quem não está comigo está contra mim”...
Eis o que vem construindo esse poder político a partir de 1983 (e aos poucos destruindo as estruturas militares e civis da segurança pública). É um grupo político realmente insidioso, porém nem tanto que faça tremer a imensa maioria de policiais civis e militares e de bombeiros-militares que se mantém entrincheirada do lado de cá e disposta à luta extrema para defender seus valores, seus direitos, sua família e a verdadeira pátria democrática de direito, que, seguramente, não é a que eles, do lado de lá, fingem defender utilizando trapaças jurídicas, políticas, midiáticas e armas de fogo nos moldes duma ditadura stalinista...


Um comentário:

Nascimentonatan disse...

A Policia Militar do Rio de Janeiro tem uma tradicao de mais de 200 anos,sendo a Corporacao Militar mais antiga,criada por D.Joao em 1809,quando se instalou no Rio como Principe-Regente. E uma vergonha que os governantes insistam em nao reconhecer os antecedentes historicos e a importancia do servico que estes Orgaos vitais prestam a populacao. Outra grande vergonha e aceitar gratificacoes por fora,fazendo a vontade de tais governantes,enquanto a tropa sofre com baixos salarios e condicoes de trabalho semi-escravo.