quarta-feira, 20 de abril de 2011

A irracionalidade estatal: briga ou casamento de gato e rato?...




A essência da impunidade se traduz na ideia de que quando alguém percebe que pode cometer algum crime impunemente, comete-o. E, se no mundo criminal a afirmação é pétrea, atende também ao ambiente disciplinar militar, que se resume à sensação de impunidade de baixo para cima (transgressão de subordinados que se entendem inalcançáveis) ou de cima para baixo (superiores que se creem imunes a cobranças de seus excessos). Mais gravoso quando se juntam ambos (superiores e subordinados) igualando-se impunemente em seus interesses escusos...
Entretanto, como a hierarquia é piramidal, e a base da pirâmide é mais numerosa e menos poderosa, o pretexto de que ela deva ser rigorosamente fiscalizada justifica as atrocidades cometidas por superiores contra subordinados. Pior é que a justiça (comum ou militar), engessada pela cultura predominante da casa-grande e da senzala, geralmente costuma dar razão aos de cima, ficando as arraias-miúdas sempre na pior situação (rico quando morre é tragédia; pobre quando morre é estatística). Entenda-se aqui a ação das Corregedorias Internas e Externas, das Varas de Fazenda Pública, da Procuradoria Geral do Estado (PGE), com as quais, aliás, costuma fazer coro o Ministério Público, ressalvadas raras exceções.
Com efeito, nessa corrida de elitizados gatos (superiores) e pauperizados ratos (subordinados) ganham os primeiros, pois o tempo e a tecnologia lhes permitem urdir armadilhas baseadas na tenebrosa racionalidade da vigilância e da punição denunciadas por Michel Foucault. Chega a ser hilariante o discurso dos que punem e raramente são punidos. Não que, eventualmente, um ratuíno possa engolir o gatuno que com ele se promiscui... Mas, regra geral, os gatos quando atacam os ratos não se esquecem de citar pro forma os princípios elementares do devido processo legal, em especial o do direito à ampla defesa e ao contraditório, decerto ignorando o real significado do ordenamento constitucional pátrio.
Não seria trágica esta situação se não abrangesse aqui no RJ duas instituições de efetivos numerosos: a PMERJ e o CBMERJ. Somados os militares estaduais ativos e inativos, é possível supor que a contagem ultrapasse cem mil almas aflitas no cotidiano da opressão disciplinar. Esta opressão é vital à garantia do controle da tropa que superiores hierárquicos precisam dar às autoridades políticas, tudo sintetizado na crudelíssima máxima do “tenho a tropa na mão”...
Esse “ter a tropa na mão” é um clichê terrível. Tornou-se cultura de mando e desmando não se sabe desde quando, talvez desde o início do militarismo no mundo remoto. Para exemplificar o dano do “militarismo” praticado pelas instituições militares estaduais, arrisco-me a dizer que o nem tão remoto episódio de um policial civil aloprando numa DP (bem resolvido pelas autoridades policiais civis), se acontecesse em quartel e fosse o aloprado um militar estadual, a primeira medida seria anunciar sua exclusão disciplinar. Isto se antes ele não fosse abatido a tiros...
Como os rigores disciplinares estão ainda escritos em carcomido alfabeto gótico, a única maneira de mudar esta cultura tenebrosa do desrespeito aos direitos humanos dos militares estaduais é refazer toda a legislação disciplinar adequando-a à Carta Magna. Mas isto parece sugestão utópica num momento em que a Lei Maior é constantemente aviltada por governantes em geral e seus apaniguados (elitizados gatos), assim como é certo que dos demais poderes (Legislativo e Judiciário) nada se pode esperar: são também formados por elitizados gatos. Os pauperizados ratos, então, que se danem! Que busquem a fuga nos subterrâneos mais profundos e lá se alimentem dos restos que lhes são lançados pelos gatos detentores eternos do poder de desratizar...
Indo ao cerne do assunto, e por via de consequência desta cruel lógica disciplinar, nem os contracheques dos pobres-diabos ratos e de suas pensionistas são respeitados, sendo certo, nesses casos, que até um oficial de alto talante pode ser rebaixado à condição de rato, bastando estar morto. Porque o sistema permite descaradamente que entidades lancem nos contracheques descontos, não autorizados, em favor de instituições várias, aviltando o direito pessoal do servidor militar de não se associar ou permanecer associado, deste modo atropelando a Lei Maior, como se ela não existisse... Sim, agora surge a moda de se lançar altos empréstimos em contas de mortos, sem que estes tenham em vida contratado tais empréstimos, sendo certo que muitas emocionadas famílias, na dúvida, e em vista dos altos valores, silenciam e se esquecem de que depois eles serão religiosamente descontados com os acréscimos de juros e correção monetária, tornando os valores lançados no contracheque, em absurda impunidade, inviáveis de serem pagos. Tudo isto pressupõe a existência de perigosa quadrilha atuando nos meandros da Administração Estadual, e de modo tão descarado que pressupõe autorizações superiores a garantir tal prática criminosa. Falta só apurar a falcatrua, esse flagrante desrespeito aos servidores militares estaduais e suas enlutadas famílias, situação de fato que está a mais e mais cheirando mal...

Um comentário:

Paulo Xavier disse...

Pelo visto, nada ou quase nada mudou no Quartel de Abrantes! Os ratos, nome pejorativo, prefiro chamar de cordeiros, continuam a sofrer nas mãos dos lobos.
Onde faltam a ética e o senso de justiça, falta quase tudo!
Parabéns Cel Larangeira pela coragem na exposição dos fatos, aliás, coragem é virtude rara nos dias de hoje; os lobos preferem a tocaia, agir na sombra!