quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Sobre a eternidade das UPPs

Todas as noites falta-me assunto para construir a reflexão do dia seguinte. Mas não me preocupa tanto, sei que ao abrir o jornal lá estará o fato a ser comentado, geralmente versando sobre a segurança pública (ou insegurança), e em destaque de primeira página por moda ou paranoia. Talvez mais a segunda hipótese. Cá pra nós, não importa, ambos vendem jornais...

Hoje, dia 22 de dezembro de 2010, o Jornal O Globo estampa o aviso: “Projeto vai garantir UPPs por 25 anos”. Por acaso, já integrei aquele Poder Legislativo, e não me é difícil afirmar que o projeto tende a ser vetado, a não ser que a mídia se movimente e pressione o governante para não fazê-lo. A razão é simples: gera despesas para o Poder Executivo, o que é inconstitucional.

Mas não é este o foco da reflexão. Nem penso desmerecer a iniciativa do autor do projeto, deputado Alessandro Molon, do PT. Contudo, talvez o partido dele seja um credenciamento ruim neste primeiro momento do governador Cabral, que não emplacou seus preferidos no ministério da presidente Dilma.

Parte da zanga nem tão dissimulada do governante reeleito se poderá externar pelo veto ao projeto, tornando-o natimorto... Epa!... Não é minha intenção associar o vocábulo último ao posicionamento do governante sobre o aborto, que, no meu modo simples e laico de ver, é assunto a ser decidido por mulher, lídima “Mãe Terra” a reinar na maternidade e na garantia da fertilidade humana. E não é esse o assunto. Portanto, retorno ao título jornalístico...

Lembra-me, neste ponto, que a maioria dos cientistas sociais pátrios sonha com a desconstitucionalização da segurança pública para lhe dar maior agilidade e torná-la efetivamente democrática. Ou seja, pretendem as cabeças coroadas pelo êxito acadêmico a liberdade de flexionar esta atividade exclusiva do Estado, atualmente estacada na Carta Magna como se fora uma sequoia.

O deputado, no caso, vai na direção oposta, tentando consolidar uma experiência que momentaneamente acerta, sem que saibamos, porém, o que ocorrerá daqui a 25 anos. Pode ser que o mundo acabe antes, e nos últimos minutos, como sugeriu o mestre Verissimo em elegante crônica, ninguém mais necessitará fechar portas e janelas...

Também me trouxe à lembrança uma visita de dois policiais londrinos e o cerne da palestra por eles proferida para profissionais de polícia do RJ. Disseram que em Londres a polícia atua com base na APO (Administração Por Objetivos), sendo comum a polícia estar atrás de ladrões e a população, ao ser ouvida, priorizar a retirada das fezes de cachorros a sujar as calçadas.

A notícia do projeto, grata ou ingrata, me retorna ao ano de 1989 e me remete à “UPP” que singelamente inaugurei na Comunidade da Vila São Jorge (Favela Para Pedro), em Colégio, bairro situado na Zona Norte da Capital, mais precisamente nos fundos da CEASA, que dá frente para a Avenida Brasil.

Exatamente como hoje, “reconquistei o território favelado” e implantei uma ocupação permanente revezando guarnições do nono batalhão. Eu cria, empolgado, que nenhum comandante posterior teria peito de desmantelar tal policiamento garantidor de uma paz quase que absoluta no território ocupado. Ledo engano. Bastou mudar o governo para o primeiro comandante, naquele maldito período da omissão, retirar meu arremedo de “UPP” a “toque de caixa”, ou num mágico estalar de dedos. Os traficantes, claro, retornaram matando quem antes aplaudira a iniciativa.



TCel Larangeira e Dr. Wilson Vieira, Delegado de Polícia titular da 40ª DP



Nada errado. Da mesma forma que eu pude implantar a “UPP”, o outro a desmantelou. No fim de contas, a legislação federal designa como autoridade competente de polícia administrativa de manutenção da ordem pública o comandante de Unidade Operacional ou fração, por delegação do comandante-geral das Polícias Militares, que, por sua vez, recebe-a do secretário de segurança. Vide o carcomido Decreto Federal nº 88.777, de 30 de setembro de 1983, que aprova o regulamento para as Policias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (R-200). Trata-se de “cartilha” das Polícias Militares brasileiras, que, distante das turbulências político-institucionais, ainda informa sobre as obrigações das forças auxiliares com o Exército Brasileiro:



“CAPÍTULO III

Da Estrutura e Organização

Art. 7º - A criação e a localização de organizações policiais-militares deverão atender ao cumprimento de suas missões normais, em consonância com os planejamentos de Defesa Interna e de Defesa Territorial, dependendo de aprovação pelo Estado-Maior do Exército.

(...)

§ 3º - Nas missões de manutenção da ordem pública, decorrentes da orientação e do planejamento do Órgão responsável pela Segurança Pública nas Unidades Federativas, são autoridades competentes, para efeito do planejamento e execução do emprego das Polícias Militares, os respectivos Comandantes-Gerais e, por delegação destes, os Comandantes de Unidades e suas frações, quando for o caso.”



Ocorre-me que o projeto do ilustre deputado Molon, mesmo aprovado, culmine inócuo: o Decreto Federal tem precedência sobre a Lei Estadual. E é sempre o caso, pois a descentralização é um fato em todo o território pátrio, sendo igualmente impossível a qualquer comandante-geral concentrar em si o comando das Unidades Operacionais, decisão que contraria o escalonamento da tropa em missões diversas, até alcançar o homem isolado em função de patrulhamento. Centralizar o comando diante de efetivo maximamente descentralizado é contra os princípios militares de ação policial ou missões operativas.

A lei estadual proposta restringe o poder-dever do comandante-geral da PMERJ e dos comandantes de Unidades Operacionais. Por isso, se algum comandante-geral futuro resolver questionar o emprego do efetivo nas UPPs em função de prioridades mais relevantes (em se tratando de segurança pública tudo é possível), a legislação federal o ampara para descumprir a lei estadual. Por outro lado, se virar moda (ou paranoia) a aprovação de lei para definir cada forma (“a forma segue a função” – Louis Sullivan) de policiamento a ser praticado pela PMERJ, teremos de instituir uma para o policiamento a pé, outra para o emprego de viaturas, e mais outra a estabelecer o emprego do BOPE, e assim sucessivamente.

Porque, na verdade, a glamourosa UPP não passa de mais uma forma de policiamento ostensivo entre tantos outros indispensáveis à segurança pública. E como se trata de labor policial, se hoje a UPP é aplaudida, já que sua “forma” está a atender à “função”, amanhã poderá ser vaiada por conta do preconceito contra a polícia e contra o favelado. É a cultura antipolicial, que não é privilégio daqui, mas de todo o mundo livre ou agrilhoado. No mundo livre, o alarde é possível; no agrilhoado, o silêncio impera. Mas, no geral, o povo não costuma gostar de quem o reprime, seja apoucadamente ou em tirania.

2 comentários:

NEIDE disse...

ACREDITO QUE POR 25 ANOS REALMENTE NÃO SEI ATÉ MESMO PORQUE NÃO TENHO A CERTEZA SE VIVA ESTAREI PARA VER, MAS O QUE TENHO A CERTEZA É QUE ENQUANTO AS OLIMPÍADAS NÃO TERMINAREM, É CLARO QUE AS UPPS CONTINUARÃO, POIS, DO CONTRÁRIO, SE A MARGINALIDADE VOLTAR A REINAR COMO ANTES, A VERBA EXTERIOR SERÁ CORTADA E NÃO HAVERÁ MAIS AJUDA FINANCEIRA PARA CUSTEAR TODAS AS OBRAS MIRABOLANTES QUE AINDA ESTÃO POR VIR. AFINAL DE CONTAS, TEM DE SE DAR UMA RESPOSTA SATISFATÓRIA AOS PAÍSES QUE ESTÃO ENVIANDO VERBAS PARA AJUDAR O "POBREZINHO DO BRASIL" A FICAR TOTALMENTE PERFEITO PARA RECEBER OS ATLETAS, CHEFES DE ESTADO,..... ATÉ LÁ ACHO QUE A UPP SOBREVIVE. QUEIRA DEUS QUE SIM.

TM disse...

seu blog muito interessante também , parabéns,sigame o eu tambem
http://temar.blogspot.com/
abraços