quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Pensando besteira em véspera de eleição (enquanto escolho meus candidatos...)



1. Existir pra quê?


Corro contra o tempo. Não me ajusto à ideia de que ele passa muito rapidamente e não me sinto velho diante do espelho. Mas, quando deparo com foto recente de velhos amigos, enfrento a triste realidade de que o tempo passou mais rápido que a velocidade da luz. E me indago se bem aproveitei o meu tempo. Também penso se meus companheiros de jornada e amizade usaram o tempo deles com alegria, embora cientes de que a tristeza faz parte da vida. No fim de contas, não podemos evitar a perda de entes queridos, não prevemos o átimo seguinte, não dominamos o nosso destino nem o alheio. Nem o amor extremado evita a perda de quem amamos. Valeu a pena viver entre o sim e o não da vida?...
Não sei responder à indagação a não ser na superficialidade dela. Não consigo refletir e alcançar no meu mais profundo íntimo o que deveria ou não ter feito para viver melhor neste mundo antropocentrista que me faz esquecer o tempo da minha vida e a escassez dele dia após dia em que o sol nasce e se põe. Vivo sem olhar para trás para contar o tempo e sabê-lo bem preenchido ou perdido. Seria a vida um “talvez”?...
Não faço nada com as próprias mãos, como antigamente. Hoje, a ciência e a tecnologia me suprem as necessidades máximas e mínimas e me torno a mais e mais preguiçoso. Não encontro respostas existenciais que me atendam na filosofia nem na teologia nem em nada. Para mim, tudo é esfinge... Não consigo fingir desvelar enigmas existenciais ocultando-me em dogmas. Entretanto, sou deísta! Não sou ateu, o ateísmo é uma burrice! Como aceito um Deus maior que o universo, irrito-me com as abstrações que O fazem minúsculo, em especial as que afirmam ser eu (entenda-se nós) feito à Sua imagem e semelhança, como se eu fosse o centro do Universo. Ora, nem a Via-Láctea e muito menos o Sistema Solar e a Terra o são. Não duvido, porém, da existência de anjos, santos e santas. E creio que o diabo se materializa até mostrando os chifres, embora a sua (dele) tática seja a de se apresentar com cara de anjo depois de muito botox... E muitas vezes se veste e se comporta como mulher ocultando sua real carantonha...





Diante de tanta confusão mental, não me considero bom (“nobre”). Estou mais para mau (“escravo”). Não cogito o azar a não ser o alheio num egocentrismo sem limites. Sou insignificante ante o espaço e o tempo (ou espaço-tempo), sei disso, e não me dou por vencido. Acho o que faço mais importante que quaisquer coisas que outros façam. Sou capaz de amargar a infelicidade ao volante de um carro de luxo e mesmo assim me acho mais feliz que o motorista ao lado, no semáforo, dentro de um fusca caindo aos pedaços. Não entendo por que ele sorri para si próprio em sinal de felicidade interior. Ele nem mesmo olha para o meu carro de luxo, não gasta o tempo dele com essa futilidade. Fico furioso. Sinto ódio dele por ignorar sua inferioridade material. E o meu tempo passa raivosamente, enquanto o dele transcorre em felicidade tanta que dá para percebê-la. Que boa hora de humildemente indagar dele o que o faz feliz naquele momento de desigualdade social antes de o sinal abrir democraticamente para ambos!... Não o faço, tenho medo da resposta, medo de ela se resumir a um sorriso feliz, a um “talvez”, e ao adeus incógnito. Mas não possuo carro de luxo, é apenas uma alegoria de “escravo” endereçada aos “nobres”.
Enquanto isso, entre o certo e o errado, vivendo a minha luta interior entre o bem e o mal, o tempo escorre como um rápido trapeiro de minha vida. Ah, o tempo!... Não consigo travá-lo nem vivê-lo plenamente. Não sei se ele é absoluto ou relativo... Não tenho tempo para isso e mais nada além do meu próprio egoísmo a fingir não ver ante o espelho a minha velhice inevitável e a proximidade do fim. Curioso é que enquanto estou só com a minha verdade única e infalível (que pode ser a não-verdade), não me sinto velho. Até estranho quando sou chamado de vovô. Mas, ao olhar a minha imagem lado a lado com a dos meus companheiros de jornada, ah, que decepção! Lá se vai a doce ilusão da juventude para o buraco. Evito sair na foto por vergonha de mim mesmo, por não querer assumir que o tempo também passou para mim, mero fugitivo do grupo tão envelhecido como eu. Entretanto (é justiça que me faço!), não ajo como muitos que dissimulam uma juventude falsa por conta da mesma ciência e da tecnologia que os tornaram preguiçosos por dentro e artificialmente rejuvenescidos por fora. Sou apenas preguiçoso por dentro... Sei também que todos, ricos e pobres, produzidos ou não, poderosos ou não, terminamos no túmulo que nos iguala no sim ou no não. Ou no nada...
O mais angustiante, também, é cientificar-me de que o progresso não me trouxe nenhuma felicidade (de fora para dentro de mim). Em contrário, – e além de escravo de minhas dúvidas e dos meus enigmas indecifráveis, – sou escravo de um Estado paternalista ao qual pago caro por seus serviços que não me garantem nenhuma segurança em quaisquer de seus aspectos. Sou cliente maltratado e reclamo ao vento. Mau (“escravo”) ou bom (“nobre”), eu sou (entenda-se somos) massa de manobra dos mesmos detentores do poder daqueles tempos remotos: Estado e Igreja. Porque nada mudou na face da Terra, apenas o poder de antes se proliferou em novos tentáculos de controle social (vigilância e punição), que, enfim, privilegiam bem mais malfeitores do que cidadãos cumpridores das leis que políticos safados lhes enfiam goela abaixo. E sou (entenda-se somos) eleitor deles...



A burocracia garante a eficiência e a eficácia do Estado que eles (elas) governam contra os seus administrados fingindo-se “a favor” deles. Os administrados são vocês e eu: o povo – a plateia (ah, que vontade de meter no “e” um acento agudo!) de um cenário teatral imutável e de mesmos atores. Revezam-se, às vezes, na encenação dos mesmos personagens nos mesmos palcos, sendo por nós aplaudidos ou vaiados, o que não muda absolutamente nada: continuamos sendo plateia a pagar ingresso caro para ver a mesma peça encenada pelo Estado: o filho malcriado da sociedade. Eu sou, tu és, ele é, nós somos, vós sois, eles são os otários; sim, todos nós pagamos o preço eterno de nossa má-criação! Vivemos o nosso tempo como palhaços a verem o circo passar e finalmente morremos sem conhecer o final da história. Que mais somos nós?... Ah, somos robôs de alguns poucos...




2. Um justo reclamo da Senhora Ideia...



Outro dia, lendo um jornal, vi na margem do texto a Senhora Ideia chorando. Sentada num hífen, que também ficou meio esquecido pela nova ortografia, a Senhora Ideia era o retrato da tristeza. Não resisti e indaguei dela as razões, e ela não se fez de rogada: “Tiraram-me o acento agudo, não tenho mais ideia-mãe de nada!” Eu então rebati: “Mas foi apenas um ajuste ortográfico!” Ela replicou: “Não! Não foi! O acento agudo era a minha vida própria, a minha ênfase, o meu ideário, não era apenas um desenho! Não posso mais ir para além do bem e do mal”...
Pasmei-me! Fiquei sem saber que falar, mas provoquei: “Explique-se melhor! Não entendi!” E a Senhora Ideia me respondeu: “O acento agudo era o meu cabelo, fazia parte do meu eu, não era simples adorno ortográfico! Imagine uma doença tornando-o de súbito um careca!... Não vá me dizer que o costume da falta de cabelo será logo superado. Nem peruca resolve, a ventania leva-a e emerge a vergonha diante de todos! Enfim, perdi a minha vontade. Não posso mais não-ser, ser ou vir-a-ser...” Fiquei sem entender direito e resmunguei: “Hum...”
A Senhora Ideia não fez por menos e continuou a expor as razões de sua tristeza. Afinal, não era ela uma palavra solta no vernáculo, mas antes ligada a ideários de profundo valor no desenrolar da vida humana desde Sócrates e Platão ou desde muito antes ou muito depois. Não mais era ela a base do devir... Não era ela mais aplicada em contestações nietzschianas. Sem o concurso dela, não haveria mais de haver nenhum ideal. Em síntese, não mais haveria de haver a imaginação, a fantasia; não mais haveria o sonho a se tornar realidade...
Aí comecei a entender a importância da Senhora Ideia e me imaginei sem ela. Concluí que o acento agudo jamais poderia desancar a Senhora Ideia e seu sentido filosófico, espiritual, literário, artístico. Retirar-lhe o acento agudo representou-lhe um baque moral. Afinal, todos nós nos gabamos de ter ideia e menoscabamos a sua visão como um ente substantivo, um nome antes de tudo, e que por isso não deveria ser descaracterizado como se fora um vocábulo qualquer. Foi como se retirasse de Cláudio o acento agudo, e ele passasse a se chamar Claudio contra a sua vontade, perdendo assim a sua identidade concreta.
Chorei junto com a Senhora Ideia. Não deu para me sentar ao lado dela, o hífen era mui pequeno, e não gostei da oferta do acento circunflexo de me servir de cadeira... Mas pensei na sua utilidade na ponta de uma seta a ser cravada no lombo de quem inventou desacentuar a Senhora Ideia. Foi, sem dúvida, uma ideia marota, sem necessidade, e o resultado aí está: uma das palavras que mais significam para nós, pensantes e sonhadores, viverá capenga para o resto da vida, a não ser que ouçamos o seu choro justo e a ela devolvamos, enfim, o seu direito adquirido: o acento agudo no “e”. E ela, novamente feliz, continuará a sua aventura de desvelar o devir com o ardor de antes, como uma Senhora Idéia a nos iluminar o espírito!...



3 comentários:

Paulo Xavier disse...

Quem somos, para onde vamos? Essas perguntas fazem parte da imaginação do ser humano, creio que, desde que ele se supõe ser o maior e melhor dentre todos os seres da face dessa Terra. Será que somos? Será que Deus deixou assim propositalmente? Onde está a verdade? na religião? na filosofia? Porque o homem, que sabe distinguir o certo e o errado prefere na maioria das vezes aquilo que vai lhe trazer mais prazer, ainda que por pouco tempo? Perguntas sem respostas, ou com várias respostas, contanto que cada um tem a sua.
Enquanto não encontramos essas respostas, creio que o melhor a fazer é procurarmos viver com dignidade e ética, se não puder ajudar, que também não atrapalhe, pois a vida é bela, saber viver é uma arte e no final do jogo todos nós; reis, peões, damas, bispos, torres e cavalos, preto e brancos, iremos para a mesma caixa.

sgt paulo cesar disse...

CEL, confesso que não conseguí conter as lágrimas de EMOÇÃO, ao ver este lindo brazão, da qual muito me orgulho.

alto e bom tom, SOU TREME TERRA,..até morrer.

sgt paulo cesar..1/13796

Rose Prado disse...

PRESENÇA
É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.

Mário Quintana