terça-feira, 1 de junho de 2010

Sobre o alerta global

Fonte: Jornal O Globo de 1/6/2010




O alerta global lembra-me uma conversa entre Zorô e Zará:






- Sabe, irmão Zará, outro dia vi meu filho fazer papel de bobo ao brincar com o filho de um ricaço lá na praia.
- Tinha de ser na praia, né, Zorô? Pra juntar pobre com rico... Foi calção rasgado?
- Não enche, Zará! Meu filho tava de sunga... Bem, aquela que comprei no camelô, lá em Madureira...
-Comprou, Zorô?... Hum...
- Pô, Zará!... Tá certo, num comprei; ganhei na mão grande... Fazer o quê? Eu lá tenho grana pra gastar um quilo de feijão com sunga?...
- Tá certo, Zorô! Fez bem! Eu também tomo na mão grande alguma coisa da irregularidade. Também, quem tem que combater a irregularidade não combate e fica o povo todo olhando pra nós, fardados, pensando que a irregularidade é problema nosso. E as pessoas já saem falando baixinho: “Corruptos!...” Num é assim?...
- É mesmo, Zará! Tudo cai na nossa conta por causa da farda. Então...
- Mas conta a história da praia... Que houve com seu filho, Zorô?...
- Vou contar, Zará... O menino riquinho chegou com um cordão apinhado de bolas de aniversário, muitas bolas coloridas, fazendo o maior sucesso, a gurizada pedindo as bolas e ele rindo e negando. Aí meu filho, com uma canequinha de água e sabão nas mãos e um talo de folha de mamoeiro, começou a produzir no sopro umas bolhas. A gurizada, com raiva do riquinho, veio pegar as bolhas de sabão. Eram muitas, mas, quando os moleques pegavam as bolhas, elas sumiam no ar... O riquinho, de longe e segurando a penca de bolas coloridas, morria de rir...
- E aí, Zorô? Que aconteceu?...
- A molecada, irritada com meu garoto, quase que bateu nele. Cheguei a tempo de evitar. Eles então correram até o riquinho para tentar ganhar uma bola de borracha. O riquinho, de sacanagem, soltou o barbante e lá se foram as bolas coloridas para os céus... E sumiram...
- Sumiram não, que bola de borracha não desmancha. Elas foram poluir o ambiente em algum outro lugar, enquanto as bolhas de sabão não causaram nada demais...
- Verdade, eram de detergente biodegradável.
- O seu filho tava certo. O riquinho, com toda a educação, poluiu o ambiente.
- Então, Zará, eu fiquei pensando nas UPPs. Elas se parecem com as bolhas de sabão e os barracos e os bandidos, com as bolas de borracha. Mesmo depois de a bola espocar, fica o pedaço dela entupindo tudo. Mas mesmo assim, todo mundo prefere bolas de borracha: são mais bonitas e duradouras. As bolhas de sabão são efêmeras... Parecem sólidas e estáveis, mas desmancham no ar...
- Engraçado, Zorô, essa frase me lembra algum filósofo...
- Será? Num sei... Falei por falar...

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