terça-feira, 13 de abril de 2010

Sobre a invasão do academicismo na PMERJ: uma autocrítica





A podridão da classe média no Brasil não se restringe a políticos de carreira, empresários carniceiros ou profissionais liberais sem escrúpulos. Nossa podridão invade de cheio a intelectualidade local, e sem muitas brechas para exceções.” (Tomazio Aguirre in “Academicismo: cemitério das palavras mortas” – www.overmundo.com.br).


Em se tratando especificamente de segurança pública, as receitas sociológicas ou antropológicas alemãs, francesas, inglesas, ianques e quejandos não me encantam. Prefiro a fórmula da vovó, pois essa contraproducente mania de comparar sistemas alienígenas atuais ou de épocas passadas com os nossos modelos policiais espelha uma inominável estupidez terceiro-mundista. Ora, uma coisa é conhecer teses acadêmicas e ideologias estrangeiras, outra é tentar ajustá-las à nossa realidade, desajustando-a, para demonstrar erudição. Não que devamos abominar o conhecimento universal, não. Mas sempre criticar nosso sistema de trabalho em comparação reduzida ao “filé Chateaubriand au poivre” versus “bife de panela da vovó” não é cultura, é mania de aculturado pedante.
Lembra-me aqui o mestre Diogo de Figueiredo Moreira Neto dizendo com razão que o guarda da esquina a controlar o tráfego não precisa saber o efeito do seu labor no contexto do bem comum. Antes, necessita fazer bem-feito o seu específico serviço, que, em somatório dos demais serviços policiais, contribuirá para a boa convivência social. Se ele não fizer a sua parte com perfeição, por mais que conheça a complexa teoria que informa a sua profissão ele nada acrescentará ao todo globalístico a que se destina o seu labor: a paz social plena. Mas, para não dizerem que abomino totalmente a cultura alienígena, trago aqui um ensinamento de Henry Ford, precursor da produção automobilística seriada em massa: “Tudo que deve ser feito deve ser bem-feito”.
A moda, porém, não é esta. Nada é bem-feito, o improviso predomina à larga. Hoje, a oficialidade da PMERJ se enfia a estudar tudo que produzem mudo afora, menos a sua profissão segundo a realidade dela própria: a nossa realidade. Pesquisam o “sexo dos anjos” e não sabem o que se passa com a corporação intramuros e extramuros dos quartéis. Menos ainda se interessa pelo corpo e pela alma do PM: o maior patrimônio corporativo. Na verdade, essa oficialidade (ativa e inativa), salvo exceções, não se interessa nem mesmo por sua própria alma, geralmente vendida a preço de banana ao primeiro político que ganha eleição. E assim muitas vezes o pior culmina mandando mais que todo o restante (não me refiro aos que atualmente comandam, e creio que a maioria talvez saiba a quem me refiro. Se não souber, não faz diferença, permanece o dito).
A meritocracia e os símbolos da autoridade militar hierarquizada ocultam a má cultura e a malícia de alguns. Completa este malefício o excesso de participação dos academicistas ideológicos de fora nos assuntos internos, apoiados pelos pseudo-eruditos de dentro. Coisa antiga... Eles chegaram ao poder inventando moda e impondo ideias nada científicas, o que as ciências sociais infelizmente permitem. E em nome somente do poder, vêm enfiando gorgomilo abaixo da confusa oficialidade um rol de conhecimentos difusos e desnecessários, e cobram essas inutilidades em provas de concurso subjetivas, sínteses maliciosas daquela estupidez a que me referi no início. Pra quê?...
Tanto que hoje vale mais a opinião de um ideólogo qualquer do “cemitério das palavras mortas” do que a experiência cotidiana dos policiais militares ou as conclusões de suas pesquisas voltadas para a lógica do “tudo que deve ser feito deve ser bem-feito”. E, negando a própria raça, o grupo que eventualmente manda segue destruindo reputações em provas de concurso subjetivas e maliciosas. Prestigiam os academicistas, claro que entupindo regiamente suas algibeiras, e assim conseguem instituir a falsa impressão de que nós somos os burros, e eles, os que prestigiam os academicistas, são os cultos, os eruditos etc. É como tentar ser amigo de padre, em vez de professar a fé, para ganhar o reino dos céus...
Ora, esses amantes das “palavras mortas” são, sim, um bando de estultos agaloados, são asnos travestidos em peles de leão; são maliciosos extremados, até que o tempo ponha-os para escanteio e outros os substituam fazendo o mesmo. Ah, que desgraça! E o círculo vicioso segue a sua história de desprezo pelo que é nosso, pela realidade da nossa profissão a ser esmiuçada entre nós em vista do que realmente fazemos por conta da legislação que nos criou e estabeleceu nossas finalidades. Cá pra nós, não há como fugir disso...
Comparar teorias com teorias, pesquisas com pesquisas, correntes com correntes, nada disso alcança o âmago da profissão policial militar. A fuga da realidade segue este rumo ilusório e passamos a vomitar besteiras produzidas até na China, verdadeiras piratarias ideológicas que somente nos confundem, enquanto nos obrigamos a fazer o que nos é determinado e não o fazemos segundo a lógica de Henry Ford. Não fazemos nada bem-feito, não apuramos nosso complexo labor em vista do que somos e temos. Preferimos a fuga teórica ao enfrentamento de nossa realidade prática.
Nada disso seria problema se tal comportamento não nos afetasse autofagicamente. Sim, por conta desta falsidade cultural tornamo-nos críticos de nós mesmos e nos destruímos dia a pós dia. Não realizamos seminários internos nem discussões sobre a nossa missão. Não reavaliamos nossas leis e nossos regulamentos. Não nos questionamos. Somos nefelibáticos decadentes a serviço da idiossincrasia de quem manda, seja este eventual mandatário um gênio ou simplesmente asno. Não estimulamos a indagação essencial: quem somos nós?
Não! Não indagamos!... Deixamos que outros, de fora, nos definam ao bel-prazer deles. Não reagimos unidos. Não levamos a sério os nossos adversários institucionais, que são bem mais articulados que nós e já provaram isto na Constituinte de 1988, sendo desnecessário dizer quem são eles... Não praticamos o debate profissional. Não “lavamos a roupa suja em casa”. E, enodoados, saímos às ruas. Somos viciados em poder alheio. Somos ávidos por vencer nosso próprio tempo para depois irmos embora. Estamos sempre tentando dizer para nós mesmos: missão cumprida!
Ora!
A missão não está cumprida nem pelos que estão em atividade e muito menos pelos que já se foram do serviço ativo. Insistimos nos procedimentos internos e numa hierarquia e disciplina que não fazem sentido, eis que tudo é voltado para a destruição sem reconstrução. É só destruição, e o tempo escorre como lama fétida, como água suja levando os resíduos para uma cisterna de onde os bombeamos de volta às nossas origens. E novamente bebemos dessa água a mais e mais poluída pelos mesmos resíduos jamais reciclados. E nos contaminamos, e contaminamos os seguintes, e os seguintes contaminam os seguintes, em círculo vicioso cujo final será trágico. Porque nas partes fragmentadas, em especial nas humanas, vivenciamos a tragédia institucional já faz tempo...

5 comentários:

Celso Luiz Drummond disse...

Olá Emir, tudo bem?

Parabéns por mais um excelente texto. Quanto ao assunto, não posso opinar muito pois nao tenho conhecimento prévio aprofundado sobre o assunto.
A única coisa que posso opinar é uma notícia que li no globo, no final do ano passado. Que o (des)governador Sérgio Cabral iria contratar o Rudolph Giuliani (ex.prefeito de Nova Iorque), para cuidar das questões relativas a segurança pública na cidade do Rio de Janeiro. Será que o governador não percebe que a realidade norte-americana é uma e a do Rio de Janeiro é outra? Temos gente tão capacitada como o ex. prefeito R.Giuliani, porém Cabral aproveita mais uma vez de sua posição de governador para se promover através do marketing eleitoral, já que todos sabem que ele mira num futuro breve, como alvo o Palácio do Planalto.

Paulo Xavier disse...

Parabéns Cel Larangeira. Texto lúcido para um tema intrincado. Como disse o Celso, não posso opinar muito, já que não jogo mais nesse time, já joguei e bem, mas tomei cartão vermelho ainda no primeiro tempo, porém nada me impede de torcer a favor, de continuar gostando dele. Lembro-me que o ex Governador Garotinho numa de suas campanhas, dizia mais ou menos o seguinte: O PM prende, leva para a Policia Civil apreciar através do Delegado; se virar processo bate nas mãos do Ministério Público que poderá pedir ou não a prisão ao MM Dr Juiz, que também poderá ou não acatar o pedido. Dependendo do caso, o acusado sai da Delegacia antes mesmo de quem o conduziu, já aconteceu comigo várias vezes. Uma vez eleito, o citado Governador, apesar das boas intenções,não conseguiu mudar esse quadro, que aliás permacece até hoje. Creio que a missão que compete à PM seja a mais árdua e difícil, pois a cada dia a bandidagem está mais ousada e sagaz e nem mesmo a Policia mais bem treinada e aparelhada do mundo seria 100% eficaz e eficinte.

Rodolfo disse...

Não gostei do texto. Academicismo? A Força Nacional da Colômbia é hoje uma polícia academicista e funciona muito melhor que a nossa, álias, a polícia lá é desmilitarizada. Por que o dito autor do texto não cita o ciclo completo de polícia, as penas alternativas, a reforma do judiciário, os esdrúxulos inquéritos policiais? O texto é mais um ataque maciço as mudanças que deveriam acontecer, pois todas as polícias do mundo são academicistas, investem pesado no academicismo e funcionam, a polícia brasileira não funciona, bate cabeça. O mundo todo se copia, o Japão copiou os EUA, A China copia os EUA, a Coréia copia o Japão, o Brasil copia a França, tudo o que funciona é copiado, adaptado, o que eu mais escuto de acadêmicos é que a nossa realidade é uma só, então este texto é um texto mais academicista do que qualquer outro que eu conheço.

Rodolfo disse...

O texto é academicismo puro. Academicistas adoram falar isso, que tudo no Brasil tem que ser feito a moda do jeitinho brasileiro. O mundo todo se copia, tudo o que funciona, desde sistemas educacionais, a modos de produção, é copiado pelo mundo todo. Acadêmicos tem mania de falar que o Brasil é uma coisinha especial no meio de mundo que deve seguir suas particularidades, esse texto é academicismo puro. Ao invés de reclamar do academicismo, deveria questionar por que o Brasil é a única polícia do mundo que não tem ciclo completo, por que aqui somos uma das poucas polícias que ainda é ligada umbilicalmente ao Exército, esse texto é academicismo puro, resumindo, o que é importante a ser debatido mesmo é deixado de lado por essa mania de "acadêmicos" de querer colocar o Brasil como uma "coisinha bonitinha do pai"
A polícia aqui não funciona!

Emir Larangeira disse...

Caro Rodolfo

Valeu pela crítica, mas, afinal, você acaba concordando que o nosso modelo policial deva ser reestudado e se prende no raciocínio que eu defendo, ou seja, devemos reestudar o nosso modelo, mas, para tanto, temos de conhecê-lo antes de sair defendendo sistemas alienígenas pura e simplesmente. A sua crítica ao nosso sistema é assertiva e nada tem a ver com os "de fora". É coisa nossa o ciclo incompleto de polícia, a subordinação das PPMM ao EB e por aí o amigo vai concordando que o nosso foco deva ser primeiramente interno. Quanto aos modelos alienígenas, o nosso vem de influências externas desde Dom João VI (Missão Francesa e influência norte-americana posterior). Daí ser esta porcaria de sistema de segurança pública que está a perder a batalha contra o crime.
Mais uma vez obrigado pela interferência, bem polêmica, do jeito que eu verdadeiramente aprecio.
Abraços.
Emir