sábado, 6 de fevereiro de 2010

Sobre a evolução das UPPs na Capital

Ser martelo é, sem dúvida, para qualquer um muito mais atraente do que ser bigorna. No entanto, quanta força é necessária para suportar tantas marteladas repetidas?” (Johann Wolfgang Goethe)


Sou às vezes questionado por martelar o sistema de segurança pública com o foco, claro, bem mais na PMERJ. Ela não gosta. Fica emburrada. Afinal, é da tradição da corporação não aceitar críticas. Age, com efeito, como se não devesse satisfações à sociedade, porque não admite ser bigorna, só martelo. Trata-se, infelizmente, de “vício do cachimbo” de uma instituição criada com o nítido fim de defender o Estado... na marreta! O resto pra ela é bigorna. Mas, queira ou não, a briosa faz parte do mundo, não é asteróide nem estrela. É pedaço do planeta Terra e aqui permanecerá a cumprir suas finalidades, e uma delas é também, e principalmente, ser bigorna, o que põe os destinatários de seus serviços na condição de martelos. Já os integrantes da bicentenária recebem dos cofres públicos para proteger a sociedade, mas, por outro lado, pagam impostos para receber proteção como qualquer cidadão; portanto, eles têm o direito de questionar a segurança pública (como martelos), assim como devem receber com humildade suas marteladas (como bigornas). É uma questão de consciência...
Desde os tempos Del-Rei, a motivação da existência da corporação não tem sido outra: proteger prioritariamente o Estado e secundariamente a sociedade. Daí é que as críticas ao seu funcionamento não são bem-vindas por quem eventualmente ocupa o poder interno. Sejam quais forem as críticas, elas tendem a ser rejeitadas. Acresce a esta anomalia histórico-institucional o perfil autoritário do mandatário político brasileiro, geralmente paternalista e resistente a quaisquer admoestações. Por pior que seja a sua administração, a maioria quer ser bajulada, esquecendo-se de que está no poder por conta do voto popular. Mas, infelizmente, o sufrágio só vale como instrumento democrático em dia de eleição. Depois dela, os tais “compromissos de campanha” assumidos pelos candidatos tornam-se letras mortas. Esvazia-se o discurso e as unhas malcheirosas dos vencedores logo se acentuam na ponta dos seus dedos ágeis em roubar e em retaliar. E a alternância do poder não produz nenhuma novidade, a cultura do autoritarismo e do patrulhamento (ideológico ou não) está presente como virose incurável. É sempre predominante a máxima do “quem não está comigo está contra mim”. E tudo afunda na lama comum dos interesses inconfessos.
Apesar disso, eu não me corrijo. Por maior que seja o meu apreço pelos mandatários políticos e por eventuais dirigentes da PMERJ, não abdico do meu direito de criticar o sistema de segurança pública. Não cuido, porém, de criticar pessoas. Por outro lado, devo sempre reconhecer aqueles que sabem receber críticas e delas tirar proveito, como é o caso do atual dirigente da PMERJ, que democraticamente dá espaço às críticas e sugestões, mesmo que não as acolha. Penso que esteja certo ao apostar em si mesmo, como o faz um técnico de futebol ante as sugestões de escalação do time por entusiasmados torcedores. Se o time perde, quem cai é o técnico. E eu, mero torcedor, torço para que os acertos suplantem os erros institucionais, e é natural que ocorram desvios de rumo. Que sejam, porém, corrigidos por quem manda! O que não suporto são os argumentos vazios de conteúdo a defender o indefensável. Não é tanto assim na briosa, mas é o que ocorre no mundo político: para cada ato visando a fins inconfessáveis há um argumento oco a defendê-lo, sem compromisso com a verdade e muito menos com a população.
Esta oscilação adaptativa aos interesses políticos inconfessos (nem tão inconfessos às vezes) alcança o perfil do cara-de-pau a desserviço do povo. Não importa a quem manda se as críticas que recebe são verdadeiras, coerentes e construtivas. Nem se são publicadas em grandes jornais. Importa cumprir a sua vontade com vistas à manutenção do poder e à eternização das benesses. O resto é secundário, o povo é secundário, e para acalmá-lo bastam algumas “mentiras sinceras”.
Hoje vivenciamos a era dos políticos “garotos-propagandas”. Para tanto, basta-lhes garantir à mídia um pedaço do bolo feito de nossos pesados tributos. Esses “garotos-propagandas” são inventivos, embora irresponsáveis. Rodam o mundo com o nosso dinheiro e não estão nem aí para o povo nem para as inertes e inermes instituições que lhes deveriam cobrar seriedade. Que nada! Fazem o que querem e se lixam para a opinião pública. Têm a seu favor a opinião publicada a peso de ouro.
Eles sabem que o voto obrigatório é regado a dinheiro que vai direto ao eleitor ou perpassa o ambiente por meio do assistencialismo particular, porém patrocinado por verbas públicas. Daí é que os políticos gastam milhões para ganhar tostões... Como? Como conseguem multiplicar o pão? Ora!... São eles os comandantes do espetáculo da administração pública, e em meio a ela está a PMERJ tão enroscada como os demais organismos públicos. E o povo paga, e paga, e vota, e vota, e recebe o remédio gratuito de algum “assistencialista” que sustenta estruturas particulares caríssimas só para se reeleger e ganhar migalhas. E, mesmo sabendo, o povo vota no finório. Como pode?
Bem, um dos métodos cada vez mais usuais é o do salário paralelo. Há tantas gratificações, e outras vantagens enchendo as algibeiras dos obedientes burocratas que nem me é possível enumerá-las. Obediência cega da casta burocrática ao governante é hoje um bom negócio... O outro método está contido na reportagem em destaque dando conta do pedido ministerial (por acaso o ministro é deputado estadual no RJ e estamos em ano eleitoral) para que algumas UPPs sejam implantadas em Cerro-Corá e Guararapes, no Cosme Velho. Isto é mais uma prova de que o critério de implantação das UPPs não é técnico, mas, antes de tudo, é político, e ainda pior: político-eleitoral. Porque, como informa a matéria, a decisão não cuidou de nenhum critério técnico. Mas nada disso é problema, assim como nada na vida é definitivo. Em Niterói, tempos atrás, havia uma ocupação bem-sucedida no Morro do Estado, situado entre o Centro e o Ingá, bairro praiano da Zona Sul. Hoje, por aquelas plagas, os traficantes circulam desenvoltamente, como se jamais a favela estivesse livre deles. Eis o lugar-comum: o mar recua e volta a bater no rochedo. E o desinfeliz do favelado põe-se sempre e invariavelmente no meio...


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