terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Falácia estatística



O Jornal O GLOBO de hoje, 09/02/2010, estampa a matéria acima ladeada por página inteira exaltando a diminuição da taxa de homicídio em 2009, em relação aos últimos dez anos. No corpo da reportagem, não houve como evitar que o secretário de segurança atribuísse essa informação estatística relativa a todo território estadual ao específico e precoce sucesso das UPPs. No mundo da pesquisa científica chama-se isto “falácia estatística”; ou talvez pudéssemos sugerir certa paranóia: aposta-se nas pernas de um jogador de basquete para ganhar o jogo esquecendo-se das mãos dele. Assim não se vencerá jogo algum.



Junto aos homicídios, em queda, destacam-se outros índices em alta, sublinhando-se aqui apenas os anos 2000/2009, respectivamente: “roubo de veículos” (27.728/25.036); “assalto a residência” (1409/1493); “furtos” (124.704/170.245); “roubos” (124.704/138.280); “assalto a ônibus” (5.175/8.930); “assalto a transeunte” (19.219/71.066); “auto de resistência” (427/1048).
As declarações do subsecretário, Dr. Roberto Sá, são mais comedidas e de visão ampla, apostando na integração das duas polícias; as do chefe do EM Operacional, Cel Álvaro Garcia, reforça a utilidade do aumento do patrulhamento ostensivo, que tem sido uma prioridade do comando da PMERJ. Já o secretário Beltrame insiste em defender gratificações extrassalariais e inconstitucionais (vide Art. 9º da Constituição do Estado do Rio de Janeiro), produzindo um cisma intramuros dos quartéis. Em outras palavras, aposta na anomia a serviço de causas de Governo e não de Estado.
Ora bem, sem se considerar que enquanto o índice de homicídios aparentemente desceu e os demais índices subiram, sem relevar os muitos homicídios não relatados que ocorrem diariamente nas disputas por pontos de venda de drogas, sem falar nos corpos desaparecidos de agentes criminosos que nem “RG” possuíram em vida, ou seja, sem falar no et cetera, creio que os índices estatísticos se tornaram fim em vez de meio dentre muitos para aferir a criminalidade ou qualquer outra coisa. Reduzir a produtividade policial a curvas estatísticas é menoscabar a capacidade humana. A produtividade da mão de obra humana não é tão simples de ser aferida. Acresce ainda a impossibilidade de medição dos crimes evitados, o que torna a estatística de criminalidade e suas cifras negras uma só falácia a desserviço da sociedade.

Não critico pessoas que defendem a estatística só porque eventualmente comandam o espetáculo da (in) segurança pública e a pressão da mídia é reducionista. Por outro lado, esse reducionismo pode ser decorrente de intenção do próprio sistema governamental, pondo a mídia a reboque. Repito que minha crítica é ao sistema estatístico como um fim a alcançar, em vez de ser um meio a se utilizar para alcançar o fim maior e verdadeiro: a diminuição da criminalidade como um todo. Também desconfio dos métodos de aferição dos crimes acontecidos, como se cada um fosse isolado num mundo contextual em suas relações sinérgicas. Apostar na pontuação conceitual e olvidar o contexto é um perigo. É mascaramento da realidade. Melhor seria divulgar estatística de elucidação de delitos para apontar o nível de eficiência da inteligência policial e da investigação criminal. Também não entendo por que o sistema situacional oculta a estatística dos policiais civis e militares mortos e feridos ano a ano no mesmo período, não importando se de serviço ou não. No fim de contas, todos são vitimados pela violência que protagonizam como heróis ou vilões...
Quanto à PMERJ, a sua função preventiva pela máxima presença do policiamento ostensivo só pode ser aferida se comparada à reza do cristão para subir aos céus. Ninguém é capaz de saber se a reza salvou o persignado. Talvez o morto pudesse dizer, porém morto não fala... Nem há como saber se o crime deixou de acontecer porque a PM está sendo vista (mais) ou vendo (bem menos). Mas o esforço por mais policiamento nas ruas é o mínimo que a corporação pode fazer para cumprir sua finalidade constitucional. Premiar, pois, alguns policiais militares em razão de “metas” é, de pronto, desestimular o resto (maioria) da corporação, que, por via de consequência, e por dedução, não terá acesso a meta alguma. Lembra-me uma época em que batalhões eram premiados por aumentar seus índices de eficiência; dentre outras referências, incluía a detenção de “suspeitos em via pública”. Coitados dos pés-de-chinelo... Nem precisa dizer do desastre disso...

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