sábado, 2 de janeiro de 2010

Sobre a tragédia das chuvas



Se a estrutura da seleção canarinho for deslocada para a Confederação Brasileira de Basquete, e depois convocada e comandada por Bernardinho, as chances de ganhar uma Copa do Mundo serão mínimas. O exemplo serve para definir um preceito básico do Planejamento Organizacional: “A forma deve seguir a função.” Sempre a forma (estrutura) deve estar direcionada para a sua função (objetivo). Se almejarmos ir ao Japão, a estrutura exigida é a de um avião adrede destinado à rota Brasil-Japão. Claro que se poderia imaginar uma viagem ao Japão com baldeações mil. Mas, se a programação for a do embarque no Aeroporto Tom Jobim, é para lá que deve o passageiro se dirigir e embarcar, assim como deve saltar em Tóquio, como previsto. Mas sem avião, aeroporto, passagem, e sem cumprir outras obrigações pessoais, estruturais e conjunturais para sair do país, uma pessoa jamais viajará do Rio de Janeiro ao Japão. Enfim, há toda uma situação exigida para o objetivo ser alcançado. Ignorá-la é o mesmo que aceitar a derrota na origem; ou pior: é contribuir para a derrocada do plano.
Traduzindo para a tragédia das chuvas ocorridas no Governo Cabral...
Logo no início de sua gestão, vimos a Constituição da República Federativa do Brasil achincalhada pelo governante. O Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro, organismo de segurança pública deste modo instituído na Carta Magna, no seu Art. 144, teve sua estrutura deslocada da Secretaria de Estado de Segurança Pública para a Secretaria de Estado de Saúde. Com que fim? E o objetivo colimado pela Lei Maior? Porque o fato de estar situado como organismo de segurança pública e como força auxiliar reserva do Exército Brasileiro na CRFB impõe deveres estruturais e conjunturais ao CBMERJ que não podem ser desviados. Mas foram, e como foram! E estão sendo...
No mesmo Art. 144 estão definidas as atividades institucionais do Corpo de Bombeiros Militares, inclusive as atividades de Defesa Civil. Vê-se que a intenção do legislador, equivocada, foi a de sublinhar a Defesa Civil como típica de corpo de bombeiros, um erro conceitual, conjuntural e estrutural grosseiro. Porque confunde e põe no ombro dos valorosos soldados do fogo uma responsabilidade tão complexa que vai além dos seus limites institucionais, eis que confunde sua missão básica com outra muito mais abrangente e complexa, mas gravada como subsidiária, um absurdo constitucional.
Se o legislador constituinte, em inaceitável ignorância, restringiu a Defesa Civil ao mero complemento da atividade de bombeiros, e a inovação vem custando caro ao país, o governante Sérgio Cabral, igualmente desorientado sobre os reais fins da Defesa Civil, fez pior ao deslocar o CBMERJ para a Secretaria de Estado de Saúde; porque, juntamente com o CBMERJ, seguiu a Defesa Civil como órgão confusamente subordinado ao CBMERJ ou o contrário, o que tanto faz como fez, está ressuscitado o FEBEAPÁ do Stanislaw ponte Preta. O saudoso autor se refere a um organismo criado pelo ex-governador de São Paulo, Laudo Natel, com a sigla: “SIRCFFSTETT. Ou seja, Setor de investigações e Repressão ao Crime de Furtos de Fios de Serviços de Transmissões Elétricas, Telegráficas ou Telefônicas.” No nosso caso, poderíamos parodiar o Lalau e criar a sigla da Defesa Civil atual: “Subsecretaria de Defesa Civil do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro da Secretaria de Estado de Saúde Pública: a SDCCBMERJSESP”; ou “Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro da Subsecretaria de Estado de Defesa Civil da Secretaria de Estado de Saúde Pública – CBMERJSEDCSESP”. Ou um outro FEBEAPÁ que o valha...


A importância da Defesa Civil no contexto mundial é tão tamanhona que até nos assusta saber que no RJ ela está reduzida a um apêndice supurado, cujo corpo, paradoxalmente, é a Secretaria de Saúde. Para se ter certeza disso, basta observar as estruturas de Defesa Civil dos demais Estados Federados e seu destaque como estrutura nacional (Secretaria Nacional de Defesa Civil). Não precisa muito, basta acessar o “Google”. Já durante a II Guerra, Sir Winston Churchil, criador do primeiro sistema de Defesa Civil, assim o definiu: “A Defesa Civil é uma obrigação para com a humanidade que não deve ser abdicada por nenhuma nação, comunidade ou indivíduo.”
Defesa Civil é conjugação preordenada de esforços nos três níveis da Administração Pública (Municípios, Estados e União). É predominantemente preventiva, o que implica considerar a responsabilidade maior de quem está mais próximo do possível problema futuro, para evitar o seu acontecimento. Daí ser fundamental a existência e o funcionamento permanente do Sistema Municipal de Defesa Civil coordenando todos os organismos municipais e diagnosticando problemas possíveis de desastres naturais ou artificiais.
O sistema deve também contar com a participação dos organismos estaduais e federais situados nos limites municipais ou até além deles, mas que possam colaborar no sentido da antecipação ao possível desastre. Isto se faz por meio de reuniões periódicas e diagnósticos dinamizados por sistemas de informação sobre eventos capazes de acontecer e afetar a segurança individual e comunitária.
Enfim, Defesa Civil é sistema composto de subsistemas interagindo e interatuando permanentemente, sempre com os olhos voltados para o futuro e para a prevenção de desastres. A interdependência entre os sistemas e subsistemas nos seus três níveis completa a ideia de um sistema globalístico em que a subordinação é ao problema a ser cuidado e não aos organismos ou às pessoas que os representam dentro do sistema.
Mas a estrutura de atendimento, – que visa a coordenar inúmeras outras estruturas deslocadas muitas vezes da rotina para prevenir algum acontecimento ou atendê-lo, em ocorrendo, – a estrutura de atendimento deve ser compatível com o problema anteriormente detectado. Por exemplo; se há perigo de deslizamento de encosta em determinada região, a prevenção deve ser totalmente esgotada por meio de obras de contenção, de planos urbanísticos, indo até a adoção de medidas coercitivas para impedir o desmatamento das encostas e a construção de moradias em situação de risco.
Muitas outras providências poderiam ser aqui exemplificadas, como no caso dos riscos de enchentes, mas basta a noção de que há mais possibilidade de acidentes aéreos em rotas de aviação e proximidades de aeroportos do que em regiões sem previsão de tráfego aéreo. Portanto, cada região possui seus riscos potenciais. Para evitar que o risco se materialize em desastre, a prevenção é fundamental. E a estrutura de prevenção não deve ser aquela denunciada pelo Lalau...
Tal explanação é para concluir que os recentes deslizamentos de barreiras e as mortes não se resumem à culpa dos atingidos. Para se construir uma pousada, por exemplo, houve exigências municipais, estaduais e federais relativas inclusive à devastação do meio ambiente. Houve avaliação de riscos e exigências ao particular no sentido de eliminá-los. Ou não houve nada e o desastre é prova disso. Resta agora a cobrança de responsabilidades pelo Ministério Público, embora lastimemos que esse importante organismo de defesa da cidadania e da vida humana não se tenha jamais pronunciado quanto ao atropelo da Carta Magna pelo governante Sérgio Cabral ao deslocar o Corpo de Bombeiros para a Secretaria de saúde. E não importam suas Razões de Governo, pois as Razões de Estado estão gravadas na Carta Magna exatamente para evitar essas aleatoriedades absurdas. Mas, enquanto nada é levado a sério, as tragédias se avolumam e pessoas ignaras e indefesas morrem, e morrem muitas crianças. Até quando?...
Bem, se as autoridades dessem à preparação de suas estruturas a mesma que é dada para previamente garantir o sucesso do Réveillon ou do Carnaval; se as autoridades públicas investissem verbas para reestruturar a Defesa Civil e colocá-la no seu devido lugar; se as autoridades públicas se envergonhassem, talvez fosse possível evitar tragédias futuras. Então, para que essas autoridades se sensibilizem, ponho aqui a notícia da morte da criança depois de salva pelos heróis do fogo, da água e da sociedade: os valorosos bombeiros militares. Estes, independentemente da bizarria conjuntural e estrutural em que estão enfiados, cumprem a sua missão específica e constitucional com a galhardia de sempre. Por isso, são duplamente heróis, pois suportam o desgaste estrutural, amargam os péssimos salários, mas enfrentam com coragem e destemor os perigos para salvar vidas.


E, finalmente, a indagação do Jornal O GLOBO de hoje:


Um comentário:

paulo fontes disse...

Caro amigo Larangeira,
Mais uma vez parabéns pelo artigo sobre Defesa Civil, assunto que vc conhece muito bem e que foi objeto da sua monografia no CSP/1988, ocasião em que eu cursava o CAO.
Gostaria que comentasse a grande bomba desse início de ano, que foram as polêmicas declarações do Ministro do STF Joaquim Barboza,a respeito da própria instituição a que pertence.
Um grande abraço
Paulo Fontes