sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Para relaxar... e pensar...

Divagações de um nefelibata


Há momentos em que minha mente estaca no vazio, e a necessidade de polemizar dá lugar a outro tipo de especulação, sem nexo, louca, talvez... A reflexão, em vez de aflorar do meu íntimo, inverte-se; aí então me penetram as inexplicáveis coisas de fora. Em espanto ante a minha ignorância, indago-me então se me vale a mim insistir na tentativa de mudar o mundo ou esquivar-me dele, tornando-me indiferente a tudo que me rodeia. E um pirronismo cruel me assola. Entristeço-me. Sinto-me fraco. Entrego os pontos e me dá vontade de me enfiar numa solidão física e mental sem retorno. Emerge em mim o misantropo incapaz de transformar as coisas por meio das palavras. Deste modo, sofro um sofrimento vão, inútil, desesperançado.
Sei que as ideias, como alavancas mágicas, são capazes de mover o mundo. Algumas delas me soam maravilhosas, mas não são minhas, são alheias. Venceram os tempos, sim, e me ensinam coisas boas, mas não me excluem as ruins, que me influenciam com o mesmo ímpeto. Vejo-me então em contradição difícil de vencer. Estou vazio de ideias. Entrego-me à modorra. Busco o sono sem sonhos; não durmo nem consigo sonhar acordado. Por um momento, enfio-me em letargia insuperável. Há quem afirme ser depressão. Não creio. Chamo-a angústia, e entendo que dela não devo fugir. Enfrentar é preciso, criar é preciso! A única saída para um angustiado é a arte. Preciso voltar a sonhar, só os mortos não sonham, presumo...
A arte, enfim!... E eu sonho dormindo e acordado. Renasço! A minha mente roda em turbilhão, as imagens se me sucedem, e com elas emerge-me o enredo e a história começa a nascer dentro de mim. É a parturição do pensamento, da emoção, do conhecimento ou de nada disso. A arte dispensa explicações; na arte, a relação sujeito-objeto (se existe) interage em dualidade e correlação livres: um não controla o outro. É a liberdade da criação, o ovo a se quebrar para apresentar ao mundo uma nova vida, mesmo que fictícia, não importa, não há muita diferença entre o real e o irreal, ou ambos até inexistem, se é que existe o inexistir. Tanto faz o ovo ser quebrado de dentro para fora, pelo bicar do pintinho, ou de fora para dentro, pelo bicar da galinha: a vida surge nos dois casos. A vida... Terá surgido com o big bang e a sopa primordial?... Ou o universo sempre existiu?... Será a morte a resposta?... Que experiência me há além da morte do outro? Quem entende a morte do outro?
Não sei o que é realidade nem nada sobre o seu oposto. Quando olho o céu e miro as estrelas, sucumbo ante a minha pequenez e concluo quão inútil é querer saber sobre o que é certo ou errado neste universo incompreensível. E assim divago entre o agnosticismo e o deísmo. Na verdade, chego a crer num Deus e seus anjos cuidando de tudo e de mim. Creio crer nos Santos, e nas Santas, e na existência de Deus, Jeová, Oxalá, Buda, Alá ou qualquer nome que dão ao Criador, que biblicamente se apresentou, talvez, assim: “Eu Sou!”.


Crendo em Deus, porém, não consigo entender ser Ele o Bem em oposição ao Mal: o Diabo. Não vejo por que ele, o Diabo, existir como eterno inimigo do Criador. Por que o Todo-Poderoso, em sendo mais forte, não o elimina? Por que nós, viventes, aceitamos conviver com o Mal? Este é meu pior momento: optar entre a fé e a razão. Não consigo. Não gosto de religiões. Sinto a mesma curiosidade de todos a respeito do que me advirá após a morte, mas não quero morrer para saber, embora eu saiba que efetivamente morrerei. Contudo, não tenho medo da morte. Sei-a inevitável e não é inteligente ignorá-la. Pior ainda é abominar a vida presente em vista do futuro incerto. Parece-me tentativa que fazemos para nos enganar a nós mesmos. Um engodo! Aproveitemos, pois!
Neste ponto, sinto-me livre. Nem tanto que não respeite a liberdade do outro. Não trato de liberdade física ou social, mas mental, do espírito, da alma, sei lá. Talvez seja uma liberdade epicurista no seu verdadeiro e puro significado, sem deturpações... Bem, é hora de me desligar do mundo e me meter na ficção... Qual ficção?... Não me surgiu nenhuma inspiração ainda. A mente está conectada em mim e num mundo irreal, sim, mas não sei o que dele extrair para anotar. Fico então divagando nas nuvens inexistentes dos meus sonhos. Não sei se durmo um sono profundo ou se estou vivamente acordado. Estarei morto?...
Não sei se minha imaginação é importante nesse momento em que divago como se escorregasse morro abaixo na lama do pensamento solto. Lama macia, não me machuca. Olho e não vejo o final do escorrego natural. Desprendo-me de tudo como se estivesse voando sem o risco de me despencar das alturas. Fecho os olhos. A minha mente está cheia de imagens que, aos poucos, se vão formando em enredo. Vejo a primeira letra do que escreverei e o ponto final. Contudo, nada antevejo no meio além de imagens confusas que preciso arrumar para minha compreensão. Depois, talvez, eu as faça compreensíveis ao outro. Não sei, porém, se é o caso, nem me preocupa saber. Quero mesmo é escorregar e alcançar o final do meu escorrego em deslize suave até meu corpo parar. E ficarei deitado, olhando os céus, mirando as nuvens, e esperando ver as estrelas à chegada da noite. Não tenho pressa nem sei que horas o relógio bate. Ah, estou sonhando acordado e limpando minha chaminé freudiana... Logo tornarei ao mundo, real ou irreal, tanto faz. Mas sem depressão ou angústia. E sorrirei por me saber supostamente vivo e livre; por me sentir dono de mim, somente de mim, e de ninguém mais além de mim. Enquanto isso, meu tempo escorre e jamais voltará para meu uso. É tempo passado, e passado não existe...
Penso no meu tempo. Sempre estou a pensar no meu tempo. Vejo os jovens desligados dele e os entendo, já também fui jovem. Os velhos não contam o tempo como os jovens; vivem de fazer descontos no seu tempo e a sentir o final anunciado por falhas orgânicas irreversíveis. Alguns as dissimulam externamente a pintar cabelos e esticar a pele, ou a se deliciarem dos jovens em troca de dinheiro e poder por eles cumulados desdenhando a juventude de si mesmos. Outros se agarram às ilusões passadas; tentam festejar com os mais jovens sua juventude esquecida. Nada, nenhum artifício altera-lhes o desgaste físico indicando insistentemente a proximidade do fim, boa hora de dosar a vida para que o tempo lhes dê mais alguns dias...
Sorte!... Antigamente, a doença boba e a morte rápida alcançavam os jovens, tornando-os mentalmente velhos ante o fim em surpresa tísica. Hoje, sem embargo, somos sortudos. Ou não?... Difícil resposta... Melhor viver de cabelos brancos e pele enrugada e morrer dignamente, porém sem vontade de partir. E não há como não relembrar “Onde estão meus vinte anos” do velho Charles Aznavour, que ainda vive: “Ainda ontem / Eu tinha vinte anos / Acariciava o tempo / E brincava de viver / Como se brinca de namorar...” Ou meus “Oito anos”, do jovem Casemiro de Abreu, que se foi aos vinte e um: “Oh! que saudades que tenho / Da aurora da minha vida, / Da minha infância querida / Que os anos não trazem mais!...” Ou da “Saudade”, do jovem
Álvarez de Azevedo, que igualmente se foi perto dos vinte e um: “De um puro amor a lânguida saudade / É doce como a lágrima perdida, / Que banha no cismar um rosto virgem: / Volta o rosto ao passado e chora a vida...”

3 comentários:

Wanderby disse...

Que texto ótimo!

paulo fontes disse...

Caro amigo Larangeira,
diante de tão belo texto a expressar suas mais profundas angústias, vou citar uma pequena poesia do Torquato Neto, que também se foi antes dos trinta e que parece que se coaduna com o espírito do que vc escreveu:

"Eu sou como sou
Um vidente
E vivo tranquilamente
Todos os diaS do fim"!
Um grande e fraterno abraço do
TC Fontes

CHRISTINA ANTUNES FREITAS disse...

Sr.Cel. Emir Larangeira,

Bom dia!

Despreender-se do corpo durante o sono, é a forma que nós, como espíritos encarnados, usamos para encontrar com espíritos desencarnados que estejam em vibratoriamente em sintonia conosco. Possívelmente entes queridos, amigos, ou mentores espirituais. Mas normalmente, não nos lembramos de nada, senão, a maioria de nós viveria angustiado, ansioso, etc.

Sair do corpo, isto é, fazer desdobramento enquanto estamos - entre o sono e a vigília - é uma característica mediúnica. Poucos a entendem, ou melhor, preferem até não entender...

Existem casos em que os desdobramentos se dão de tal maneira, que diversas vezes estamos deitados na cama, e ao mesmo tempo nos vemos, por exemplo no teto...
Pensamos: - Caramba, porque eu estou lá, me olhando? Mas eu estou aqui! Como fui parar lá???
É! No começo isto chega a nos deixar com medo de dormir...

Com o tempo nos acostumamos, e assim, conseguimos algumas respostas para dúvidas que nos afligem, mesmo que não tenhamos consciencia que, as mesmas, existam!
Complicado?
Nada!
Coisa de Médium de Transporte!

OBS.: ESTE RELATO TAMBÉM PODE SER CHAMADO DE: "O MUNDO ENCANTADO DE CHRISTINA". Depende muito da receptividade de quem o lê!

Abraço fraterno,
CHRISTINA ANTUNES FREITAS