Nos bons e velhos tempos, os comandantes, chefes e diretores de Organizações Policiais Militares (OPM) eram mais desenvoltos, céleres e justos em suas avaliações disciplinares. Cada OPM possuía um núcleo chamado “Seção de Justiça e Disciplina”, com equipe reduzida e tecnicamente preparada, para secretariar os encarregados de averiguação, sindicância, IPM e conselhos disciplinares (hoje é subseção da P/1). As apurações eram determinadas pelas autoridades competentes e executadas por oficiais da própria OPM, permitindo uma criteriosa aplicação do Regulamento Disciplinar e dos demais instrumentos legais punitivos e apuratórios. As causas de justificação e as circunstâncias atenuantes eram sopesadas com as faltas disciplinares e as circunstâncias agravantes, com a vantagem de o aplicador da penalidade administrativa conhecer os faltosos por inteiro: física, moral e socialmente. Respeitando as opiniões contrárias, creio que o sistema corretivo era bem mais justo e fortalecia a disciplina nos quartéis.
A partir do primeiro desgoverno Brizola, – período da permissividade com o crime e da sede de vindita contra policiais, aliada à subserviência do primeiro comando exercido por PM e também à de seus sucessores, – iniciou-se a centralização das medidas punitivas. Deste modo, os militares estaduais supostamente faltosos tornaram-se meros nomes em frios papéis distanciados da verdade real dos fatos. Foi como se iniciou o “castigo-espetáculo”, a ponto de as decisões unânimes dos Conselhos Disciplinares de praças serem desconsideradas, embora favoráveis aos acusados. Excluo desta apreciação os Conselhos de Justificação de oficiais devido à insignificância do seu número. Para esclarecer: o colegiado formado por três membros emite um parecer e o comandante da OPM pode ou não homologá-lo, o que por si só é absurdo. Em comparação grosseira, seria imaginar uma Câmara do Tribunal de Justiça a decidir pela absolvição de um réu e seu presidente anular a decisão coletiva com seu voto valendo mais que a soma dos outros.
Antes desta fase de trevas, geralmente os comandantes, chefes e diretores de OPM respeitavam as decisões colegiadas; mas depois, – por servilismo ao comando superior e apego ao cargo, – eles passaram a discordar das decisões favoráveis dos colegiados disciplinares, o que não ocorria com as desfavoráveis, quase sempre acolhidas. Passou-se a cuidar de injustiça a serviço do caudilho e de seus apaniguados. Atualmente, nem deveria haver Conselhos Disciplinares (mera formalidade), pois as deliberações dos que investigam as faltas são geralmente ignoradas pelos escalões superiores. Mesmo que os comandantes, chefes e diretores de OPM se manifestem a favor do acusado seguindo a lógica da apuração natural do fato, a Corregedoria Interna muda tudo e o comandante-geral descarta inocentes. Assim atende à ira da imprensa e às irresponsáveis reações de governantes e dirigentes de fora da corporação. Isto acontece, sem exceção de quaisquer comandos, desde 1983. Os políticos, dependentes da mídia, dão as cartas do “castigo-espetáculo” com mais gana que reis e príncipes dos tempos absolutistas. Não me refiro ao atual comando-geral, que fique bem claro!...
Ninguém se preocupa com o destino do PM levado à humilhante condição de ex-PM, acarretando prejuízos morais e materiais aos seus familiares, que perdem imediatamente o direito ao sistema de saúde para o qual o excluído contribuiu ex-officio durante anos a fio. A punição disciplinar transforma-se em punição social, excrescência digna dos regimes totalitários. Assim, de 1982 para cá (2009), ou seja, nos últimos 27 anos, muitos receberam o infortúnio das falsas acusações, foram jogados na enxovia e denunciados por crimes inexistentes ou dos quais não participaram; e depois, – ou até antes da decisão judicial, – ganharam o olho da rua sem direito a nada. E os que lograram a absolvição dificilmente conseguem retomar o direito perdido. A frieza e a maldade institucional só têm aumentado nos últimos anos e não creio que isto se resolva de uma hora para outra, malgrado a obstinação dos atuais mandatários da PMERJ no sentido da resolução deste grave problema cujos reflexos no comportamento da tropa são assustadoramente negativos.
Claro que o sistema de Controle Interno, para responder à loucura do brizolismo, – diga-se de passagem, para não sermos injustos, agasalhada por todos os governantes seguintes, – instituiu as “Delegacias Judiciárias Militares” (DPJM), mais um desnecessário instrumento de poder a retaliar a tropa, de coronel a soldado, tudo comandado a ferro e fogo pela arrogante PM.2 (Serviço de Inteligência da PMERJ), a mesma que muitas vezes denunciei como espécie hodierna da “SS” Nazista ou do “Olho do Partido” Soviético.
É claro que dentro do carcomido, injusto e podre sistema punitivo, capaz de fazer corar Michel Foucault e minimizar sobremodo suas investigações científicas sobre a vigilância e a punição, – editadas em sua clássica obra “Vigiar e Punir”, – havia e há pessoas capazes e isentas. Mas são facilmente vencidas por seus superiores, que descaradamente recusam seus pareceres justos, trocando-os por outros adequados à loucura supracitada. Se não bastasse, ainda há o sistema jurídico do Gabinete do Comando-Geral, que muitas vezes muda tudo para atender à vontade do comandante-em-chefe. Reitero que não me refiro aos dias de hoje!...
Neste ponto, lembra-me aqui um notável colega que ocupou a função de assessor jurídico nesse período de reedição do “Malleus Maleficarum”. Segundo comentários feitos à surda, ele costumava indagar do comandante-geral qual o seu gosto (“contra” ou “a favor”) a respeito da questão a ser avaliada e relatada em parecer eloqüente e fundamentado. Seria cômico se não fosse trágico... E assim chegamos aos dias de hoje e ao atual Comando-Geral, que bem conhece esta porcaria histórico-institucional resumida no que poderíamos designar como Controle Interno. Ele bem sabe da podridão acumulada nesses 27 anos e dela há de discordar. Contudo, não lhe será fácil mudar isto, as resistências internas e as críticas externas lhe serão impertinentes. No fim de contas, tornar o sistema disciplinar democrático e justo significa contrariar interesses de altíssimo naipe, dentre os quais os midiáticos. Pois a imprensa não está preocupada com nenhuma justiça, mas, sim, com o “castigo-espetáculo” a vender jornais e produzir picos de audiência em rádio e tevê. Como privá-la desta oportunidade literalmente de ouro?...
Nada do que digo é novidade. Todos na PMERJ conhecem esta sua mais acumulada sujeira e têm medo do poder negativo que ela representa. Tal consideração nos remete novamente à poderosa PM.2, cujo chefe só pode ser nomeado se o seu nome for adrede aprovado pelo mui heróico Exército Brasileiro. É mole?... Sim, somos massa de manobra em todos os sentidos, e tendemos a arrochar a mais e mais a tropa. Ah, a tropa!... Quem se preocupa com a tropa como um conjunto de pessoas humanas detentoras de direitos? Quem se lembra de que os pobres-diabos têm família?... Respondo: poucos!...
Por fim, ante este resumo, posso garantir: a tropa é massa de frustrados e revoltados. Muitos de seus integrantes, cônscios da facilidade com que são descartados, se corrompem, tornam-se desidiosos e violentos nas ruas etc. E estão se lixando para a PMERJ, porque ela, a mui tradicional e bicentenária corporação, não os respeita nem minimamente. A tropa não recebe horas extras, enfrenta xadrezes por trinta dias como se os seus componentes fossem bandidos comuns; sim, a tropa é tratada como lixo que nem reciclagem merece. E quem paga o pato é o destinatário dos seus serviços: a população. Isto me lembra um adágio de autoria que desconheço, creio que seja de um francês: “O povo tem a polícia que merece!” E mais outro, juro que para encerrar: “Polícia é o termômetro que mede o grau de civilização de um povo.” Mas tornaremos ao tema...
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