domingo, 10 de maio de 2009

Sobre a Muralha da Rocinha e de outros morros favelizados

Como será o futuro?...



Não sou parente de Nostradamus nem tenho o dom de profetizar coisa alguma. Muito menos sou geólogo nem engenheiro de nada. Entretanto, militei durante quatro anos na Defesa Civil do RJ (Governo Faria Lima), de 1975 a 1979, e muitas desgraças eu pude perceber e, em especial, conhecer as suas causas. Uma das mais corriqueiras consistia no deslizamento de barreira com soterramento de casebres em áreas montanhosas e pauperizadas. Como exemplos bastantes, posso lembrar 54 mortos em Nova Friburgo, 44 mortos em Petrópolis e 29 mortos em Teresópolis. Nem é preciso somar casos isolados de morte em circunstâncias semelhantes. Foram centenas naqueles quatro anos.


Uma causa comum a esses deslizamentos de terra consistia no desmatamento e no corte do terreno inclinado, tornando-o plano e em condições de plantar um casebre. A cada corte do terreno, mais árvores nativas eram sacrificadas e mais casebres se iam proliferando desordenadamente. Das árvores, retiravam-se as raízes; dos casebres, não se viam raízes (fundações) fixando-os. E lá estava, em visual deprimente, mais uma favela dependurada no morro e contrariando a mãe-natureza.
Acontece que havia, – e obviamente ainda há, – uma característica comum aos locais referidos, talvez extensiva a quase todas as elevações que conhecemos. Em virtude dos movimentos tectônicos e da consequente ondulação da crosta terrestre: a elevação é de pedra coberta por camada de terra com espessura variada. Retirada a vegetação, a infiltração da água ao longo do tempo vai descolando a camada de terra da de pedra sem que o fenômeno seja percebido. As fundações dos casebres ficam então presas apenas àquela terra descolada e ao perigo do deslizamento futuro. E ele, tornado crônico e imperceptível, finalmente vence o tempo e arrasta consigo moradias e vidas. Tudo previsível, porém ignorado pelo poder público em sua demagógica condescendência com as construções ilegais e danosas à vida humana. E famílias inteiras morrem em comoriência na ignorância do perigo futuro. E carregam para o túmulo a culpa de serem ignaros e miseráveis...
Estou acompanhando a construção da Muralha da Rocinha e a de outros morros favelizados. O objetivo de preservar o que resta de vegetação é válido; a forma, porém, é discutível, pois não se sabe se o poder público, com sua até agora elogiada solução, atentou para os riscos posteriores. Não sabemos se as fundações dessas muralhas estão bem cravadas na pedra oculta pela camada de terra; não sabemos que espessura possui a camada de terra nesses lugares. Sabemos, todavia, que de um lado da muralha a devastação é total, e são milhares de casebres plantados sem qualquer raiz, tudo à flor da terra. Do outro, a vegetação supostamente protegida não estará garantida (a muralha poderá servir como parede pronta para a formação de novos núcleos irregulares de moradia de ambos os lados dessa invenção carioca); afinal, o poder público jamais manteve constância na fiscalização de absolutamente nada. O tempo mais uma vez comprovará isto.
Abro este parágrafo com algumas indagações e respostas: como se comportará a água que descerá morro abaixo nas chuvas e será represada pela muralha? Claro que a primeira resposta emerge da obviedade: correrá pelas laterais da muralha e alcançará o plano, tudo como antes. Mas, quem poderá garantir que parte desse aguaceiro, com o passar do tempo, não se vá infiltrando insidiosamente e descolando a fundação da muralha, até que um dia a desgraça aconteça em proporções inimagináveis?... Será que a fundação da muralha penetrou até se fixar na pedra?... Não sei. Deixo a pergunta à resposta futura, pois depende da credibilidade e do grau de responsabilidade de quem fará a análise do solo e os cálculos estruturais, fatores que costumam encarecer as obras e diminuir os lucros...
Uma coisa, porém, posso profetizar sem ser profeta e antecipar sem ser geólogo ou engenheiro: se for malfeita e um dia a muralha descer morro abaixo (quanto pesa 1m2 dela?), ela arrastará os detritos e seu peso aumentará na proporção da velocidade de descida. E assistiremos a uma catástrofe sem precedentes na história recente do Rio de Janeiro; porque a avalanche alcançará o asfalto e soterrará, talvez, alguns prédios luxuosos; e seus ilustres moradores, que passivamente assistem à imitação grosseira da Grande Muralha da China, serão atingidos no fim da linha; e muitos corpos estarão a comprovar a profecia barata que aqui registro...
Tomara que eu esteja errado! Tomara que as fundações tenham penetrado um bom pedaço de pedra. Mesmo assim, o perigo rondará os trechos onde os alicerces apenas roçam o chão permeabilizado pelo desmatamento... Ou não?... Ah, repito aqui: tomara que eu esteja errado e as centenas de corpos que no passado ajudei a resgatar debaixo da lama (muitas crianças!) sejam apenas lembranças dos tempos idos que não serão mais vividos!...

4 comentários:

Jeferson Cardoso disse...

Olá Emir! Desculpe a invasão, mas me chamo Jeferson e mantenho um blog de contos poesias e humor (http://jefhcardoso.blogspot.com/) e gostaria de saber se me autoriza a utilizar uma foto que encontrei em seu blog, para uma postagem minha sobre as chuvas em São Paulo.
Caso autorize, queira, por favor, escrever no espaço para comentários em meu blog. Caso desautorize retirarei imediatamente a foto que postarei com créditos ao seu blog.
Foi você quem fez essa foto? De qualquer forma parabéns por seu blog!
Abraço: Jefhcardoso.

Anônimo disse...

Boa noite Emir;
Tomei a liberdade de enviar este post para o G1 mostrando o descaso histórico com as áreas de desmoronamento na cidade do Rio de Janeiro. O previsto infelizmente aconteceu.
Abraço;
Orlando JR-J.Pessoa-BRASIL

Emir Larangeira disse...

Caro Jeferson

Não sem razão respondo tão tarde ao seu apelo. Espero que você tenha postado o que pretendia, pois é claro que para mim seria orgulho. Mas o tempo escorrido (um ano e pouco) tornou-se nenhum ante os últimos acontecimentos na mesma região onde labutei na retirada de corpos soterrados, época de capitão em que eu atuava na Defesa Civil. A questão que fica no ar: ninguém tem culpa?

Ora, será que foi tudo fatalidade novamente? Até quando?

Abraços.
Emir

Anônimo disse...

Olá Emir... sem querer vim para no seu blog e acabo de ler sua matéria apesar de ter sido escrita em 2009 está atualizada, considerando a repetição dos eventos, falta de consciencia da população e descaso das autoridas. Triste ver o cenário se repetir. Espero que você esteja bem, o conheci através do seu Amigo Carlos Alberto (LITO) lá de São Gonçalo (que Deus o tenha)... faz tempo isso!! Grande abraço Natália Lima www.natlima.blogspot.com