“Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda.”
(Cecília Meireles, em Romanceira da Inconfidência)
Muitas tentativas de manifestação do pensamento culminaram em sentenças de morte, prisão ou trabalhos forçados. Outras tantas em assassinatos. Mesmo assim, não são poucos os exemplos de resistência aos contrários à livre expressão, bastando lembrar Sócrates e sua reação ante os Trinta Tiranos: “Estou sendo condenado por crer em deuses em vez de crer em deuses.” (As acusações contra Sócrates foram a de que ele teria se recusado a reconhecer os deuses do Estado, inserindo novos deuses no rol oficial, e teria corrompido os jovens atenienses). Enfim, sua libertação foi condicionada à negação dos seus princípios filosóficos e ele preferiu ser condenado à morte a abrir mão dos valores que defendeu durante a vida.
A Constituição da República Federativa do Brasil diz no Inciso IV do Art. 5º: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;” E o caput deste artigo inicia-se afirmando que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...” Enfim, concede o direito à livre expressão a todos os brasileiros. Contudo, em igual peso constitucional o Inciso X do mesmo artigo diz que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas...”
Nos dois casos, estamos diante de valores subjetivos que se poderiam resumir numa só palavra: sentimento. E quando adentramos esse campo subjetivo, o solo se nos apresenta movediço e traiçoeiro, pois o julgamento da manifestação do pensamento não pertence a quem o emite de alguma forma: escrita, verbal ou mediante imagens, como as charges satirizando pessoas. Indago: até que ponto essas pessoas são obrigadas a aceitar a sátira como inofensiva à sua honra ou imagem? E como se pode assegurar que o julgamento desse confronto de direitos constitucionais resultará justo? Como pode, por exemplo, um juiz decidir sobre o limite do sentimento humano para suportar revezes? Não é o juiz também um ser dotado de sentimento? Ou será que ele só se ampara na razão? Será possível conceber para alguém a infalibilidade?
Solução para tal impasse deu Trasímaco: “A justiça é o interesse do mais forte, ou seja, do governante.” Assim ele resumiu o que acontecia na sua época e acontece até hoje, com as sociedades escravizadas por seus Estados e os cidadãos submetidos ao “interesse do mais forte”. Exemplos atuais foram a deportação velocíssima de dois atletas cubanos, que apenas tentaram o asilo político no Brasil para se livrar da notória opressão em seu país, e a posterior negativa de deportação de um italiano matador de quatro pessoas, segundo seus defensores, por “motivação política”.
Essas incoerências demonstram o quanto é difícil avaliar o comportamento humano sem considerar sua subjetividade, ou deixar de constatar o poder de fazer e desfazer do Estado em qualquer regime político. Pois mesmo que alguém se manifeste e seja punido, e depois tenha a punição anulada, fica no ar a ameaça futura contra todos os que gostam de se manifestar. A anulação da punição jamais vencerá a derrota moral imposta a quem se manifestou, especialmente se não gerar nenhuma punição contra quem o penalizou.
É complicado estabelecer limites para a livre expressão. Qualquer barreira pode resultar em miasma de cerceamento da liberdade individual. Por outro lado, ignorar a necessidade de controlar as manifestações do pensamento pode gerar o caos numa sociedade. Eis como fica a balança da justiça, esta que, forjada pelo Estado, não sopesa tão bem esses casos subjetivos e tende a confirmar a tese de Trasímaco... Portanto, a saída única de quem gosta de se manifestar e não possui nenhum poder, embora como cidadão seja detentor de direitos, é a cautela. Pois seus direitos são subjetivos e culminarão embrulhados num dos pratos da balança da justiça sempre em menor peso sem direito a contrapeso.
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