Os improvisos inconstitucionais
Faz tempo que eu venho garimpando textos versando sobre segurança pública, muitos deles produzidos por mestres e doutores em sociologia, antropologia, economia, ciência política etc., alguns elucidativos e outros nem tanto. Não sei se o choque de idéias me ocorre porque estou contaminado por ensinamentos recebidos de estudiosos do Direito Administrativo da Ordem Pública, não menos acadêmicos e renomados que os supracitados cientistas sociais, ou porque possuo formação na área das ciências administrativas, demais da minha vivência profissional bastante rica em acontecimentos. Por outro lado, em sendo integrante de uma corporação assolada por assassinatos covardes de PMs em cada esquina e quase todos os dias, sinto-me meio reducionista ao deparar com não raras sugestões de Primeiro Mundo em reedição de Thomas Morus e sua Utopia...
Daí talvez a minha crença no sentido de que a doutrina da ordem pública é a que mais interessa aos PMs como base conceitual. Ela é cristalina em sua evolução histórica e obedece a uma lógica irrepreensível, desde que não seja alvo de preconceitos semânticos. Sim, pois é comum verificar que esses conceitos, em abordagens das ciências sociais referidas, às vezes se tornam extravagantes ou são ignorados. Não que isto desmereça algumas proposições eventualmente distanciadas da doutrina; mas elas permanecerão no campo restrito das idéias impraticáveis, ou porque são de elevado custo ou colidem com o nosso carcomido modelo de segurança pública cristalizado na CRFB. Trata-se, não se há de negar, de sistema derrotado, mas ele resiste a qualquer tentativa de mudança como as “sete vidas” do gato. Esse obstáculo, porém, não macula a doutrina, que não tem culpa da falência do sistema de segurança pública a onerar as algibeiras do contribuinte sem a contrapartida da paz por ele almejada; fosse esse sistema particular e dependesse de aceitação e lucro, estaria morto e sepultado e não subiria aos céus...
Faz tempo que eu venho garimpando textos versando sobre segurança pública, muitos deles produzidos por mestres e doutores em sociologia, antropologia, economia, ciência política etc., alguns elucidativos e outros nem tanto. Não sei se o choque de idéias me ocorre porque estou contaminado por ensinamentos recebidos de estudiosos do Direito Administrativo da Ordem Pública, não menos acadêmicos e renomados que os supracitados cientistas sociais, ou porque possuo formação na área das ciências administrativas, demais da minha vivência profissional bastante rica em acontecimentos. Por outro lado, em sendo integrante de uma corporação assolada por assassinatos covardes de PMs em cada esquina e quase todos os dias, sinto-me meio reducionista ao deparar com não raras sugestões de Primeiro Mundo em reedição de Thomas Morus e sua Utopia...
Daí talvez a minha crença no sentido de que a doutrina da ordem pública é a que mais interessa aos PMs como base conceitual. Ela é cristalina em sua evolução histórica e obedece a uma lógica irrepreensível, desde que não seja alvo de preconceitos semânticos. Sim, pois é comum verificar que esses conceitos, em abordagens das ciências sociais referidas, às vezes se tornam extravagantes ou são ignorados. Não que isto desmereça algumas proposições eventualmente distanciadas da doutrina; mas elas permanecerão no campo restrito das idéias impraticáveis, ou porque são de elevado custo ou colidem com o nosso carcomido modelo de segurança pública cristalizado na CRFB. Trata-se, não se há de negar, de sistema derrotado, mas ele resiste a qualquer tentativa de mudança como as “sete vidas” do gato. Esse obstáculo, porém, não macula a doutrina, que não tem culpa da falência do sistema de segurança pública a onerar as algibeiras do contribuinte sem a contrapartida da paz por ele almejada; fosse esse sistema particular e dependesse de aceitação e lucro, estaria morto e sepultado e não subiria aos céus...
Mesmo assim, em visão estreita, penso que os profissionais de segurança pública devam manter os olhos fixos nas leis vigentes às quais se ajusta a doutrina, esta que muitas vezes orienta o direito, sem, entretanto, confundir seus conceitos, geralmente gravados em palavras e expressões de profundo significado norteador. Fugir dessa realidade doutrinária, invertendo e subvertendo sem qualquer explicação seus pilares históricos, representa um desserviço à ordem pública como conceito e como prática. Inserir inovações por puro capricho confunde mais que ajuda. É mais ou menos o que ocorre no vasto e complexo campo de estudo da segurança pública como poder instrumental destinado a garantir a ordem pública, ressalvadas as exceções das boas teses e dos ótimos experimentos, mesmo que de outros países, relatados em artigos primorosos por segmentos do mundo acadêmico pátrio.
Não sei, todavia, que objetivo ideológico subjaz em alguns textos mirabolantes grafados como “científicos” em revistas especializadas, blogs e artigos jornalísticos, assim movimentando um corpo de conhecimento mais preocupado em demonstrar erudição do que com o efeito do seu conteúdo no mundo real. Ora, a prática da segurança pública (um sem-número de procedimentos rotineiros e treinados) não deve ser diversa da orientação legal e doutrinária, sob pena de aceitarmos a anarquia como um fim em si mesma. Vejo, sim, muita precipitação em relação a alguns desses “clichês científicos”; se fossem pelo menos ajustados à doutrina, os esforços desses estudiosos até poderiam ser legitimados; mas, ao tentarem impor idéias superficiais como “científicas”, alguns autores (não todos) acabam desvalorizando-as em vez de animar os leitores mais atentos.
É o que ocorre com as inovações sugeridas para as Guardas Municipais, desviando-as de seus objetivos constitucionais, que até deveriam ser revistos e ampliados. Aliás, todo o sistema de segurança pública necessita de revisão constitucional, sob pena de descambarmos para o aleatorismo. O Rio de Janeiro, por exemplo, é vibrante nesse desvio de finalidade, com a Guarda Municipal muitas vezes atuando como “polícia de choque” correndo atrás de camelôs em cenário de ópera-bufa. Cá pra nós, isto é missão constitucional e legalmente destinada às Polícias Militares, mas que, decerto, não inclui perseguir camelôs... Mais aberrante ainda é o fato de esses servidores municipais não serem concursados, o que torna suas ações controvertidas ante a legislação vigente.
Como dito, o ideal seria ampliar a missão constitucional das Guardas Municipais, de modo que elas possam atender às novas teses de participação dos municípios na segurança pública (incluindo o controle da criminalidade), mas não com improvisos nem como força policial, e sim como serviço policial voltado para a prevenção de desordens não necessariamente vinculadas a delitos. Isto motivaria a participação municipal na manutenção da ordem pública, hoje discreta ou simplesmente ausente. Na verdade, é imperativa a revisão completa da segurança a partir do Título IV da CRFB e de outros artigos afins (vide Inciso XXI do Art. 22), haja vista outras práticas não constitucionalizadas, como a criação da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), também colidindo com as missões exclusivas das Polícias Militares gravadas na Lei Maior e em legislações referentes. Isto não é saudável ao nosso Estado Democrático de Direito. Enfim, o improviso está a contribuir a mais e mais para a consolidação da “polícia do estado”. A FNSP não é outra coisa: não passaria pelo crivo do emérito estudioso Kant de Lima e de seus discípulos na UFF/RJ, que defendem um modelo de “polícia da sociedade”.
Não sei, todavia, que objetivo ideológico subjaz em alguns textos mirabolantes grafados como “científicos” em revistas especializadas, blogs e artigos jornalísticos, assim movimentando um corpo de conhecimento mais preocupado em demonstrar erudição do que com o efeito do seu conteúdo no mundo real. Ora, a prática da segurança pública (um sem-número de procedimentos rotineiros e treinados) não deve ser diversa da orientação legal e doutrinária, sob pena de aceitarmos a anarquia como um fim em si mesma. Vejo, sim, muita precipitação em relação a alguns desses “clichês científicos”; se fossem pelo menos ajustados à doutrina, os esforços desses estudiosos até poderiam ser legitimados; mas, ao tentarem impor idéias superficiais como “científicas”, alguns autores (não todos) acabam desvalorizando-as em vez de animar os leitores mais atentos.
É o que ocorre com as inovações sugeridas para as Guardas Municipais, desviando-as de seus objetivos constitucionais, que até deveriam ser revistos e ampliados. Aliás, todo o sistema de segurança pública necessita de revisão constitucional, sob pena de descambarmos para o aleatorismo. O Rio de Janeiro, por exemplo, é vibrante nesse desvio de finalidade, com a Guarda Municipal muitas vezes atuando como “polícia de choque” correndo atrás de camelôs em cenário de ópera-bufa. Cá pra nós, isto é missão constitucional e legalmente destinada às Polícias Militares, mas que, decerto, não inclui perseguir camelôs... Mais aberrante ainda é o fato de esses servidores municipais não serem concursados, o que torna suas ações controvertidas ante a legislação vigente.
Como dito, o ideal seria ampliar a missão constitucional das Guardas Municipais, de modo que elas possam atender às novas teses de participação dos municípios na segurança pública (incluindo o controle da criminalidade), mas não com improvisos nem como força policial, e sim como serviço policial voltado para a prevenção de desordens não necessariamente vinculadas a delitos. Isto motivaria a participação municipal na manutenção da ordem pública, hoje discreta ou simplesmente ausente. Na verdade, é imperativa a revisão completa da segurança a partir do Título IV da CRFB e de outros artigos afins (vide Inciso XXI do Art. 22), haja vista outras práticas não constitucionalizadas, como a criação da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), também colidindo com as missões exclusivas das Polícias Militares gravadas na Lei Maior e em legislações referentes. Isto não é saudável ao nosso Estado Democrático de Direito. Enfim, o improviso está a contribuir a mais e mais para a consolidação da “polícia do estado”. A FNSP não é outra coisa: não passaria pelo crivo do emérito estudioso Kant de Lima e de seus discípulos na UFF/RJ, que defendem um modelo de “polícia da sociedade”.
Não se pretende, aqui, minimizar a validade ou a necessidade de alterações no sistema de segurança pública; elas são indubitavelmente urgentes. Apenas devemos alertar que essas inovações à margem da CRFB continuam como nos velhos tempos: não contam com a participação efetiva da sociedade nem dos que gastam neurônios, tinta e papel em manifestações culturais úteis e inúteis, mas que, no fim de contas, se igualam na inocuidade do desuso e terminam nas gavetas e prateleiras empoeiradas.
Pode parecer impertinência minha, mas creio que não custaria aos cientistas sociais aproximarem-se mais da doutrina até para contestar seus conceitos e sugerir outros mais adequados. Mas isto sem demérito dos conceitos universais da ordem pública e de sua garantia – a segurança pública. Cabe o alerta, posto haver muitas elucubrações oblíquas gravitando no mundo “pós-modernista” amante dos fragmentos preconceituosos e nada contextuais, e ainda pior: grafados como “científicos”...
Reafirmo, porém, que o meio acadêmico apresenta bons diagnósticos e práticas em cenários nacionais e estrangeiros; mas abalroa a doutrina e de certo modo agrega apenas os que comungam com suas idéias, geralmente os que possuem formação semelhante e que por isso são inseridos como “discípulos”. Isto não é bom! É até desnecessário, pois a doutrina apenas informa sobre o funcionamento conceitual da segurança pública como garantia da ordem pública; limita-se, portanto, a explicar como os conceitos podem levar à ação, não se imiscuindo em inovações organizacionais nem em decisões políticas, temas, aí sim, bem mais afetos aos estudiosos da ambiência social.
Sem dúvida, há ótimas sugestões geradas no âmbito acadêmico; mas também há excesso de ideologias a desmerecê-las, e os que delas discordam não costumam receber espaços em publicações restritas ou midiáticas (“Quem não está comigo, está contra mim!”). Predomina o modismo pós-modernista e convenientemente esquerdista, ou o atendimento a interesses de ONGs defensoras desses sistemas fechados em nome dos “direitos humanos”. Enfim, são esses aliados de ONGs que se comportam como “cientistas” até quando reproduzem, sob o manto sagrado da ciência, coisas antigas, conhecidas e vencidas.
Pode parecer impertinência minha, mas creio que não custaria aos cientistas sociais aproximarem-se mais da doutrina até para contestar seus conceitos e sugerir outros mais adequados. Mas isto sem demérito dos conceitos universais da ordem pública e de sua garantia – a segurança pública. Cabe o alerta, posto haver muitas elucubrações oblíquas gravitando no mundo “pós-modernista” amante dos fragmentos preconceituosos e nada contextuais, e ainda pior: grafados como “científicos”...
Reafirmo, porém, que o meio acadêmico apresenta bons diagnósticos e práticas em cenários nacionais e estrangeiros; mas abalroa a doutrina e de certo modo agrega apenas os que comungam com suas idéias, geralmente os que possuem formação semelhante e que por isso são inseridos como “discípulos”. Isto não é bom! É até desnecessário, pois a doutrina apenas informa sobre o funcionamento conceitual da segurança pública como garantia da ordem pública; limita-se, portanto, a explicar como os conceitos podem levar à ação, não se imiscuindo em inovações organizacionais nem em decisões políticas, temas, aí sim, bem mais afetos aos estudiosos da ambiência social.
Sem dúvida, há ótimas sugestões geradas no âmbito acadêmico; mas também há excesso de ideologias a desmerecê-las, e os que delas discordam não costumam receber espaços em publicações restritas ou midiáticas (“Quem não está comigo, está contra mim!”). Predomina o modismo pós-modernista e convenientemente esquerdista, ou o atendimento a interesses de ONGs defensoras desses sistemas fechados em nome dos “direitos humanos”. Enfim, são esses aliados de ONGs que se comportam como “cientistas” até quando reproduzem, sob o manto sagrado da ciência, coisas antigas, conhecidas e vencidas.
Não vejo nenhuma necessidade disso, até porque as boas idéias acadêmicas acabam prejudicadas pela desatenção dos que detêm o poder estatal e não se manifestam em decisões concretas no sentido de fazer uso prático dessas sugestões. Nem mesmo há divulgação destinada a atingir o imenso público-alvo: os milhões de agentes de segurança pública lotados em inúmeros organismos estatais a esse fim destinados. Deste modo, essas idéias não batem asas para pousar na mente de pessoas que precisam ser influenciadas e possam influenciar a fonte da informação em interface saudável. Enfim, gasta-se tempo a encher a lata do lixo, uma pena, porque o que se vê na realidade é a segurança pública (garantidora da ordem pública) tratada como necessidade menor pelos dirigentes políticos, e cada vez mais se restringindo ao trato da criminalidade, seja na prevenção, seja na repressão, sempre com o foco no delinqüente potencial ou contumaz.
Ora, é preciso entender a ordem pública como ente conceitual abrangente, como nos ensina a doutrina, que abarca muitos campos aparentemente estranhos ao controle da criminalidade, mas que culminam contribuindo para o aumento dos delitos. Tal situação exige a deflagração de atividades não-policiais sintetizadas em permissões e proibições acompanhadas de sanções administrativas e de obras públicas. Deste modo, a segurança pública deixa de ser vista como um limitado poder instrumental destinado a controlar a criminalidade, que é apenas um dos diversos aspectos de uma violência urbana a ser tratada por meio da administração de muitos remédios não-policiais: iluminação de ruas e logradouros, eficiente limpeza urbana desses locais para evitar enchentes, obras de engenharia de tráfego, campanhas educacionais, recolhimento de menores abandonados, de mendigos etc.
Ora, é preciso entender a ordem pública como ente conceitual abrangente, como nos ensina a doutrina, que abarca muitos campos aparentemente estranhos ao controle da criminalidade, mas que culminam contribuindo para o aumento dos delitos. Tal situação exige a deflagração de atividades não-policiais sintetizadas em permissões e proibições acompanhadas de sanções administrativas e de obras públicas. Deste modo, a segurança pública deixa de ser vista como um limitado poder instrumental destinado a controlar a criminalidade, que é apenas um dos diversos aspectos de uma violência urbana a ser tratada por meio da administração de muitos remédios não-policiais: iluminação de ruas e logradouros, eficiente limpeza urbana desses locais para evitar enchentes, obras de engenharia de tráfego, campanhas educacionais, recolhimento de menores abandonados, de mendigos etc.
Na verdade, a polícia está a atender expressivo volume de ocorrências não-criminosas (assistenciais) devido à ausência do poder público em setores de atendimento à população carente. Sim, a polícia, e particularmente a PMERJ, atende bem mais à miséria que ao crime. Isto é fácil comprovar até mesmo cientificamente, bastando para tanto catalogar os dois grupos de ocorrências (criminosas e não-criminosas) e aplicar um “teste de significância” nessas duas “amostras independentes”, de modo a garantir ou não a validade da afirmação.
Isto importa, sim, porque, em razão da ampliação do medo em vista da projeção midiática dos crimes, – ou em virtude dos confrontos sangrentos entre traficantes sempre noticiados em destaque para acentuar a crítica à polícia, – a maior parcela do labor policial não é devidamente analisada para se conhecer o seu real impacto sobre os meios instrumentais de controle da criminalidade. Pois é certo que uma patrulha, ao atender a uma ocorrência assistencial, deixa o espaço público vazio de polícia e permite ao delinqüente a oportunidade da prática impune do delito; e isto não se vislumbra somente no Rio de Janeiro: ocorre exponencialmente em todos os recantos deste país da imobilidade social...
Isto importa, sim, porque, em razão da ampliação do medo em vista da projeção midiática dos crimes, – ou em virtude dos confrontos sangrentos entre traficantes sempre noticiados em destaque para acentuar a crítica à polícia, – a maior parcela do labor policial não é devidamente analisada para se conhecer o seu real impacto sobre os meios instrumentais de controle da criminalidade. Pois é certo que uma patrulha, ao atender a uma ocorrência assistencial, deixa o espaço público vazio de polícia e permite ao delinqüente a oportunidade da prática impune do delito; e isto não se vislumbra somente no Rio de Janeiro: ocorre exponencialmente em todos os recantos deste país da imobilidade social...
Um comentário:
Muito bom texto Coronel
Postar um comentário