quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Círculo vicioso


Faz bom tempo (foi em 2005), mas poderia ter sido hoje, que não mudaria o que houve, de tanto que se tornaram lugares-comuns as escaramuças entre policiais e traficantes no Rio de Janeiro. O fato é que no dia seguinte a mais uma violenta troca de tiros na Rocinha, seguia eu em caminhada matinal a lamentar a morte de um tenente e de um soldado, ambos do BOPE, quando vi um cão tentando desesperadamente morder o próprio rabo. Pronto!... O que me seria uma simples tentativa de espairecer o espírito transformou-se em delirante vontade de projetar o triste acontecimento à doideira do cão para formular um círculo vicioso cujo piparote inicial resultasse de uma entrevista do então Ministro da Defesa no sentido de que as Forças Armadas (FFAA) só seriam acionadas para a “garantia da lei e da ordem”. Assim se expressou a autoridade ao ser indagado sobre uma possível ação militar nas favelas da cidade.
Bela esquiva, sem dúvida, calcada num fator jurídico-constitucional que se poderia designar num rápido exercício de lógica como ambigüidade ou equívoco. Sim, porque a voz do ministro ficou no ar como bolha de sabão: disse tudo e nada disse, já que o enunciado constitucional é turvo e obscuros são seus desdobramentos no Decreto Federal nº 3897, de 24/08/2001, e na Lei Complementar nº 97, de 09/06/1999, alterada pela Lei Complementar nº 117, de 02/09/2004. Esse corpo de legislação federal, na verdade, significa mais um círculo vicioso, talvez um vórtice... Porque, no mínimo, colide com a doutrina e contraria a realidade.
Ocorre que não se pode evitar a realidade, se é que ela existe; supondo que exista, o máximo que se pode conceber é nela interferir em alguns casos. Em outros, porém, só nos cabe receber seus efeitos, como nos inesperados desastres ambientais. Tornando àquela “ordem”, pode-se afirmar ser ela um estágio psicológico de paz e harmonia na convivência social; seria então a desordem o seu contraponto sempre mais visível, na medida em que é exceção àquele estágio ideal que os indivíduos experimentam quase que distraidamente. Posto que, quanto mais ordem no ambiente, menos ela é notada, e o cotidiano das pessoas é preenchido pelo trabalho, pelo lazer e por saudáveis relações interpessoais. Seria a projeção ideal do “ser”, em contraposição ao incômodo “dever ser”, este que, embora sirva de freio e contrapeso às desordens, nem sempre é capaz de coibi-las no ponto certo. Trata-se, enfim, de um continuum funcionando quase que como uma gangorra tendo a ordem num extremo e a desordem no outro, sendo certo que a ordem jamais excluirá a desordem, e vice-versa, o que implica aceitar a idéia de que é necessário administrar permanentemente a gangorra em busca do equilíbrio, ou seja, daquele ponto certo. Isto, com efeito, não é fácil nem barato no mundo real.
Noutra alegoria, podemos afirmar que a desordem ambiental é como a doença humana. A saúde é a ordem. A prevenção da doença é que deve manter a saúde, porém nem sempre a doença é evitada e se impõe tratá-la. Dependendo da gravidade, e a par de se aplicar no doente o tratamento mais acurado, incluindo-se cirurgias, nem assim ele se salva. Enfim, no meio social e no organismo humano a desordem estará presente e será mutável, volta e meia surpreendendo o agente que a deveria controlar e vitimando o afetado pelo mal natural ou social. Também se poderia afirmar que o corpo humano reage aos ataques externos e resgata a saúde sem a necessidade de médicos e remédios; também a ordem se restaura no corpo social sem que os mecanismos coercitivos estatais sejam acionados: os sistemas de controle preexistentes na sociedade se encarregam de restaurar o equilíbrio desejado, numa espécie de “atavismo social”.
Entretanto, e como eu disse no início, em termos de insegurança pública estamos num vórtice, e a inadmissão do problema não o elimina de nossas vidas. Pelo contrário, quanto mais nos comportamos como o avestruz, arriscamo-nos a enfrentar em desvantagem as adversidades. E quanto mais desatentos estivermos, mais facilitaremos o avanço dos sofistas e ficaremos propensos a aceitar escusas vazias, como as do ministro. Pois é certo, a uma, que a doença (banditismo) está instalada no corpo social e é gravíssima. Por via de conseqüência, antes de se iniciar qualquer tratamento há de haver um diagnóstico realístico, de modo a que o remédio seja eficaz. Sim, devemos, sim, enfrentar a doença e não protelar a tentativa de cura por preguiça, capricho ou temor. Ora, dentro desta ótica de realidade é que se configura a boa doutrina, fruto de muitas reflexões, discussões, mudanças de rumo, tudo num processo dinâmico e contextual. Não há, neste campo do saber humano, espaço para dogmas e ideologias. Isto significa dizer que as leis se devem legitimar ante a verdade dos fatos sociais, fugindo dos vieses estatísticos, dos subterfúgios político-ideológicos e dos clamores midiáticos. A lei não pode ser mentirosa...
Toda essa digressão é para tornarmos à máxima “lei e ordem” referida pelo ministro como desculpa de não acionar as FFAA para superar a gravíssima situação do tráfico de drogas no Rio de Janeiro e em outras metrópoles nacionais. Uma leitura atenta das leis e do decreto antes referidos demonstrará o quanto a cautela teórica (para não se dizer malícia) prejudica a boa prática. Porque hoje, bem mais que as Polícias Militares, estão as FFAA enfiadas em incômoda saia justa: aprendem e ensinam a boa doutrina e deparam com freios legais incompatíveis com a realidade a enfrentar. Pois vai às raias do absurdo o Decreto Federal nº 3897, de 24/08/2001, como se depreende do seu Art. 3º: “Na hipótese de emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem, objetivando a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, porque esgotados os instrumentos a isso previstos no
art. 144 da Constituição, lhes incumbirá, sempre que se faça necessário, desenvolver as ações de polícia ostensiva, como as demais, de natureza preventiva ou repressiva, que se incluem na competência, constitucional e legal, das Polícias Militares, observados os termos e limites impostos, a estas últimas, pelo ordenamento jurídico.”
Ora, e a ordem interna? Não mais existe?... E se ocorrer uma situação de “luta interna”? Ah, alvíssaras! Não é o que se depreende dos Manuais Doutrinários da Escola Superior de Guerra, atualizados em 2008, ou seja, posteriores ao decreto e às leis supracitadas e concordantes com a realidade social. Ainda bem, pois, se aceitássemos passivamente leis e decretos atropelando-se entre si, o vórtice poderia ter atingido a doutrina no lugar de onde ela brota considerando as reais influências externas e internas, o que nos permite saber que, se eclodir alguma desordem de grandes proporções, com certeza as FFAA desde antes a detectaram e saberão agir ignorando essas leis e decretos anômalos. Exemplo: por mais que o problema da Reserva Indígena de Raposa da Serra do Sol aparente ser tão-só de índio, decerto as FFAA sabem que lá existe, no subsolo, o valiosíssimo nióbio. Ah, índio não está querendo mais apito nem arroz: quer nióbio, “se não der, pau vai comer”!...
Voltando ao vórtice, Diogo de Figueiredo Moreira Neto costuma dizer, grosso modo, que nenhuma doutrina vale a tinta que gasta se não prestar um serviço ao Direito e não servir para orientar a ação. Claro que aquele vocábulo “garantia” é de consenso doutrinário. Da Doutrina do Direito Administrativo da Ordem Pública, por exemplo, se pode inferir que “segurança” significa “garantia contra antivalores e riscos à ordem”, o que implica considerar que qualquer que seja a “ordem” (externa, interna, pública etc.), há de haver sua respectiva “garantia” (segurança externa, segurança interna, segurança pública etc.). Mas “garantir” que “lei” e que “ordem” contra quê, quem, onde, quando e de que modo?... Quanto ao “modo”, sabemos que para garantir alguma coisa ou alguém há de haver concretude estrutural, que doutrinariamente significa “defesa”, esta que é, em síntese, o “ato”, ou seja, a ação, o que implica a necessidade de haver organismos estatais para cumprir tal desiderato. São os “organismos de segurança pública” e mais as FFAA, se for o caso de “defesa interna”, o que não exclui o labor dos primeiros nas duas situações (defesa pública e defesa interna), mudando-se apenas o comando das estruturas estaduais, que passa para as FFAA. Afinal de contas, a desordem é a mesma (sempre pública). Sua extensão e sua gravidade é que determinarão uma repressão mais violenta. Chamá-la de “interna” é mero conceito operativo.
Por conseguinte, Não me ocorre (apenas conceitualmente) que aquela “ordem” do artigo 142 da CRFB seja a “pública” já que entre os organismos de segurança pública, definidos no Art. 144, não constam as FFAA. Por exclusão, aquela “ordem” do Art. 142 só pode ser a “interna”, cuja garantia é a “segurança interna”. Seja o que seja, porém, só pode se tratar de situação além da capacidade de restauração pelos organismos de segurança pública elencados na CRFB (federais e estaduais). Neste caso, dependendo do grau de risco da grave perturbação da ordem, pode até haver a necessidade de ações operativas (luta interna) por parte das FFAA, o que implicaria decretar Estado de Defesa ou Estado de Sítio delimitado à área conflagrada, determinando-se as ações nos termos e limites constitucionais e legais.
Curiosamente, porém, a União fez valer o supracitado Decreto nº 3897, no qual, salvo melhor entendimento, define a “ordem” do Art. 142 da CRFB como “pública”: Deste modo, tentou-se apagar (sem conseguir) da Doutrina do Direito Administrativo da Ordem Pública: a Ordem Interna, a Segurança Interna e a Defesa Interna (casos de grave perturbação da ordem pública no território pátrio a exigir ações repressivas de maior intensidade e, em hipótese extrema, ações operativas pelas FFAA). Não sou especialista em Direito, mas sei, por óbvio, que nenhuma lei será capaz de evitar a ocorrência de fatos sociais inelutáveis apenas ignorando-os.
O decreto federal nem se refere à “restauração” da ordem pública, mas apenas à sua “preservação” – um sofisma. Por outro lado, consolidou-se uma “ordem pública nacional”, cuja garantia seria a “segurança pública nacional”, mesmo que o fator a perturbá-la restrinja-se a um só Estado-membro e apenas à “preservação” desta ordem por meio de ações preventivas e repressivas. Insisto aqui: como ficam as ações operativas?... Quem irá “restaurar” a ordem, se a intensidade da desordem alcançar, por exemplo, a luta armada capitaneada por grupos paramilitares (narcoguerrilheiros urbanos e rurais, para não se pensar em confronto entre grupos ideológicos)? No fim de contas, não há como se preparar para algo que não mais existe no âmbito da legalidade (pelo menos explicitamente), o que implica considerar a possibilidade de ocorrerem ações operativas contra a vontade dos detentores do poder.
Ora bem, – deixando de lado os temores ideológicos, – basta lembrar que durante o regime militar a ação das FFAA na Segurança Nacional era claramente definida em vista dos Objetivos Nacionais Permanentes (ONP), assim como os óbices ao alcance desses objetivos eram adrede diagnosticados e valorados conforme o risco real que representavam, de modo a se planejar suas correspondentes prevenção e repressão no ambiente social interno, abrangendo a hipótese extrema do uso da força. Enfim, tudo claro, seco e transparente: tratava-se de garantir a nação contra antagonismos e pressões que porventura fossem desencadeados pelos “inimigos internos”. Se esses “inimigos internos” o eram do regime militar ou da sociedade, aí é outra história a ser contada por quem gosta de ideologias. Mas a sabedoria castrense resolveu o problema: agora são apenas “Objetivos Nacionais” (ON). Por sinal, faz mais sentido, torna-os dinâmicos, sistêmicos, e isto é bom...
Bem, pelo visto, hoje é de se supor que não há mais “inimigo interno” a atalhar, embora o ícone da Revolução Francesa, Jean-Jacques Rousseau, em seu Contrato Social, considere o malfeitor do nosso dia-a-dia como “inimigo público”: “(...). De resto, todo malfeitor, ao atacar o direito social, torna-se, por seus delitos, rebelde e traidor da pátria; cessa de ser um de seus membros ao violar suas leis, e chega mesmo a declarar-lhe guerra. A conservação do Estado passa a ser então incompatível com a sua; faz-se preciso que um dos dois pereça, e quando se condena à morte o culpado, se o faz menos na qualidade de cidadão que de inimigo. Os processos e a sentença constituem as provas da declaração de que o criminoso rompeu o tratado social, e, por conseguinte, deixou de ser considerado membro do Estado. Ora, como ele se reconheceu como tal, ao menos pela residência, deve ser segregado pelo exílio, como infrator do pacto, ou pela morte, como inimigo público, pois o inimigo dessa espécie não é uma pessoa moral; é um homem, e manda o direito da guerra matar o vencido. (...)”
Posição radical, hein?... Ora bem, nos dias de hoje não se deve admitir como possibilidade, por ser demais abstrata, alguma sublevação de Estados-membros contra o Poder Central; nem se deve supor que Estados Federados entrem em confronto particular à revelia dos interesses nacionais, perturbando gravemente a ordem interna. Mas que pode ocorrer tal situação de risco, isto pode! E que ela nem sempre dá sinais claros, isto é verdade: uma grande manifestação popular pode transformar-se em turbamulta e alastrar-se país afora em baderna e quebra-quebras incontroláveis. A hipótese não é tão vaga, haja vista como atua hodiernamente o MST... Ou como agora vemos na Bolívia...
A ordem interna é (ou deveria ser) objeto da segurança interna e restaurada mediante ações de defesa interna. Afinal, a desordem existe no ambiente e independe de ideologias, e se deve prevê-la como hipótese de acionamento do sistema de defesa representado pelas FFAA – assim está posto na Carta Magna – ou mediante outras instituições, que, em alguns países (democráticos), são conhecidas como “forças intermediárias” ou “forças de segurança” (Guarda Nacional Republicana, em Portugal; Guarda Civil, na Espanha; Gendarmeria Móbille, na França; Gendarmeria Nacional Argentina). Não devo exemplificar aqui com a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) porque entendo ser ela uma teratogênese constitucional. Sim, um feto bastardo: não viu a luz por parturição da Mãe-Carta-Magna. E, ao que me parece, essa FNSP está na contramão da legislação pátria. Basta conferir no site oficial da Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM) o Decreto nº 88.777, de 30/09/1983 (R-200): “Art. 45 - A competência das Polícias Militares estabelecida no
artigo 3º, alíneas a, b e c do Decreto-lei nº 667, de 02 de julho de 1969, na redação modificada pelo Decreto-lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983, e na forma deste Regulamento, é intransferível, não podendo ser delegada ou objeto de acordo ou convênio.” (Grifo nosso).
Muito bem, não consta que o R-200 haja sido revogado, mas vamos em frente... Hoje os riscos à ordem interna, queiram ou não os ideólogos de plantão, existem no mundo real e são representados por uma macrocriminalidade que não se restringe ao romantismo de um tempo em que o banditismo era episódico e isolado. Sem embargo, o crime permeia a tessitura social como um todo, assim como decorre de uma criminalidade transnacional e multifacetada, que tem como objetos de transação substâncias entorpecentes e armas sofisticadas. E complementam esta criminalidade as disputas sangrentas, a cobiça desenfreada e o descontrole social, pois ela é foco motivador de muitos outros crimes leves, médios e graves.
Ignorando-se que o tráfico de drogas e de armas é crime grave, e vislumbrando-o pela ótica das leis de mercado, não seria exagero dizer que se trata de um dos melhores negócios do mundo. Esta é a realidade a ser enfrentada e que se reduz à certeza de que, em circulando muito dinheiro, há de haver a cobiça atuando no espírito das pessoas. Sim, pois esta macrocriminalidade macula direta ou indiretamente os poderes constituídos, as instituições e a sociedade em geral, produzindo um estrago social de difícil erradicação. No fim de contas, os bilhões de dólares se movimentam em coberturas luxuosas, e as migalhas, em barracos misérrimos, como um poderoso demônio a fascinar sucessivas gerações.
Ora bem, se há uma criminalidade empresarial, decerto existem criminosos atuando isoladamente ou em grupos, porém até desconhecidos entre si, convergindo momentaneamente suas ações para o interesse econômico de uma maquinaria cujas engrenagens são de tal modo complexas que funcionam à larga de lideranças notórias. O narcotráfico (nele incluído o tráfico de armas como mero efeito, ou causa, ou efeito... ah, tanto faz!) consegue ser pessoa e coisa ao mesmo tempo, tem o dom da onipresença, no mínimo...
Hoje, quando um piloto de aeronave (militar ou civil) aceita conduzir uma partida de cocaína ou de armas de um ponto a outro, recebendo uma fortuna pelo risco de um único crime, ele contribui para o todo sem sequer conhecer os tentáculos da organização criminosa a que num átimo serviu em seu labor rotineiro. Se o piloto não for flagrado pela má sorte, enriquece e torna à vida honesta de algibeiras lotadas por conta de um só crime. O exemplo basta!
Contudo, alguns ascéticos poderiam dizer que o exemplo não basta, que muitos recusariam esse tipo de oferta em virtude de sua formação moral, religiosa etc. Sim, muitos recusariam, mas um aceitaria e se reintegraria aos demais sacripantas como se nada demais tivesse feito em favor do crime organizado. E como não tratamos de país pequeno e população ínfima, onde, por certo, há menos criminosos e crimes, mas de um país com território continental e população grandiosa, podemos assegurar que aqui há mais crimes e criminosos, o que torna a tarefa de controlá-los uma luta entre David e Golias, só possível de ser vitoriosa mediante intervenção divina.
Fácil ou difícil, porém, é indispensável haver vontade política para enfrentar o crime e os criminosos, de modo a superá-los no tempo e no espaço. Enfim, a onipresença há de ser um dom primeiramente da sociedade organizada e do poder público que a protege, seguindo a lógica de que a função-síntese desse poder público é prestar segurança para que haja a evolução sadia do trabalho humano e paz constante na convivência social. Seriam a “ordem” e o “progresso” emergindo da abstração de mero desenho gravado no Pavilhão Nacional e se tornando realidade. Seria a concretude do binômio “segurança e desenvolvimento”, a primeira como garantia instrumental do segundo.
Agora sim, já se começa a concluir que a “ordem” referida no Art. 142 da CRFB ou é “ordem interna”, ou, se preferirem, que seja uma “ordem pública nacional”, tendo como “garantia” uma “segurança pública nacional”, e não uma segurança interna maculada por inconcebíveis preconceitos ideológicos. Pois não há como negar que a lufa-lufa na Rocinha representa um foco mínimo do valioso negócio chamado tráfico de drogas, um câncer em metástase na tessitura social brasileira. Por conseguinte, é falso imaginar a solução de problema tão complexo só com policiamento ostensivo, seja ele executado por PMs malvestidos e mal armados ou por elegantes militares federais em espaços visíveis com seus tanques e canhões.
Muito bem, vencida a primeira etapa desta doença crônica nacional, que eventualmente se tornou aguda em ambiente localizado (Rio-Rocinha), mas controlada pela corajosa ação da PMERJ em escaramuça contra centenas de bandidos portando fuzis sofisticados, que ceifaram a vida dos jovens milicianos, cabe agora situar a questão com base em premissas válidas para se chegar a conclusões verdadeiras, pois o que não mais se pode é reduzir tudo à falácia de ser a polícia estadual causa e efeito todos os males sociais e única solução para eles.
Ora, a polícia só deve atuar quando os demais mecanismos de controle social falham. E aqui se deve sublinhar a família, a escola, a igreja, o trabalho, a saúde, as instituições, enfim, todo um sistema de equilíbrio social que deve ter na ética sua base de sustentação e evolução, e não na repressão policial. Afinal, a polícia deve ser vista apenas como um antibiótico de última instância. A saúde, sim, é que deve ser garantida, sem que se inclua de pronto o uso desse antibiótico nem sempre capaz de vencer a doença...
O Brasil está acometido de doença maligna de difícil erradicação. O banditismo urbano e rural é epidemia social, e assim precisa ser tratado: como calamidade pública, o que inclui a idéia da cooperação espontânea e responsável de todos os brasileiros, ou seja, da sociedade civil e do poder público nos seus três níveis (União, Estados e Municípios). Enfim, há um problema complexo e amplo a ser solucionado, e o regime há de ser o da cooperação.
É fundamental que se faça um diagnóstico realístico, com a participação de todos os sistemas e subsistemas conceituais e físicos que encerram em seus fins o estudo e o controle direto ou indireto da criminalidade: Leis Penais e Processuais Penais, Sistema Carcerário, Defensoria Pública, Ministério Público, Justiça Criminal, Polícia, FFAA e demais instituições públicas e privadas a serem igualmente articuladas por meio de seminários e outros modos de interação com vistas à definição dos reais anseios e valores sociais a preservar.
Portanto, devemos deixar de lado as divergências e partir ao enfrentamento de um grave problema que, como informa a CRFB, é dever do Estado e responsabilidade de todos. Sim, vivencia-se no Brasil um câncer social de difícil cura... Aliás, por esta hora é bem provável que aquele cão a tentar morder o próprio rabo tenha sido atropelado, pondo fim ao seu particular círculo vicioso. Mas a sociedade brasileira está como ele, girando sem rumo, e, se assim permanecer, sucumbirá vitimada pela violenta e desenfreada criminalidade. Estamos nós num vórtice descontrolado: no “olho do furacão”...

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