terça-feira, 5 de agosto de 2008
"Que cidade é essa?" (Sérgio Cabral Filho)
O título é uma indagação do governador Sérgio Cabral Filho que merece profunda e isenta reflexão, pois as respostas ao seu desabafo estão no passado, e o que se vê no presente são fatos e fenômenos negativos resultantes de várias causas em diferentes épocas. A começar pelo crescimento acelerado de favelas na proporção direta da migração de mão-de-obra de muitos estados brasileiros e de cidades interioranas do próprio RJ para o Grande Rio, com milhares de pés-de-poeira suando na construção civil particular e governamental ao longo de décadas, e a permanência desse contingente sem chance de mobilidade social sobrevivendo em guetos miseráveis. A esses migrantes somam-se os afro-brasileiros que aqui sofrem a segregação social desde o Brasil Colônia. A proliferação dessas gentes humildes e sofredoras em gerações seguintes complementa o somatório de pobres, indigentes e miseráveis vivendo em lugares inóspitos, sem qualquer apoio do Poder Público. Sobrevivem em meio à mortalidade descontrolada de doenças e tiros, independentemente de idade e sexo, e a imensa maioria tenta matar a fome na economia informal, sobrando enorme parcela a viver literalmente do que consegue no lixo de sua própria miséria.
Em meio a essa calamidade social crônica, porém ignorada por governantes federais, estaduais e municipais ao longo de anos, proliferou em pujança o banditismo sanguinolento do tráfico de drogas sustentado por viciados de todos os matizes sociais consumindo desbragadamente as drogas que lhes chegam com absurda facilidade. Enfim, uma calamidade social dentro da outra... Claro que, para sustentar o vício, os usuários menos aquinhoados buscam nos pequenos, médios e graves delitos o dinheiro ou os objetos a lhes servirem de moeda de troca: relógios, tênis, bicicletas, cordões, roupas e outros enfeites caros ou baratos, demais de eletrodomésticos retirados por jovens de dentro de suas próprias casas e à revelia de seus desatenciosos pais. Dominados pelo vício, oscilam do furto simples ao latrocínio, e assim o tráfico de drogas fomenta incontáveis delitos e desvios de conduta, e promove a corrupção policial, e estimula a violência como se fora uma pedra jogada na água a produzir ondas crescentes, ondas logo reproduzidas por outras pedras num círculo social assustadoramente vicioso.
Sem a necessidade de muito voltar ao passado, basta dizer que essa cidade já foi a capital da República (Distrito Federal), para depois se tornar uma cidade-estado (Estado da Guanabara). Em se tratando de desorganização institucional, e mais especificamente no caso da Polícia Militar, a antiga PMDF deslocou-se para Brasília com parte do seu efetivo. O que sobrou se tornou a PMEG. Ocorre que, depois de um tempo, parte da oficialidade e da tropa que se deslocara para a nova capital retornou e reocupou seus postos hierárquicos na PMEG, que já se sentia livre desses insólitos “invasores”. Deste modo, as disputas internas pelo poder se priorizaram, e o lado de fora, claro, passou a sentir os efeitos maléficos do inegável cisma. Se não bastasse, o regime militar promoveu abrupta fusão entre a Guanabara e o Rio de Janeiro, perdendo a Cidade Maravilhosa o status de Estado, decaindo para a condição de Município e Capital do novo RJ. Perdeu também a cidade de Niterói o status de Capital do antigo RJ. Enfim, todos no prejuízo, e a junção das Polícias Militares de Estados-membros diferentes produziu violento conflito interno entre dois segmentos sem qualquer vínculo de companheirismo ou sentimento corporativo.
Tal como a PMERJ, resultante dessa baderna político-institucional, a Polícia Civil passou por processo semelhante, predominando nas relações internas das instituições policiais civis e militares aglutinadas à força a hipocrisia no trato e a dissimulação do ódio em muitos casos. Enquanto isso, o lado de fora (a população) ficou à mercê da escalada absurda do banditismo, em especial do tráfico de drogas, até resultar no que hoje se vivencia: uma Capital e um Estado sem rumo navegando em mar revolto, por mais que desmintam os saudosistas. Este é o novo RJ, sim, cuja Capital é a que o cidadão Sérgio Cabral Filho, nela nascido e criado nos bons tempos, não mais a reconhece. Ele e sua geração, na verdade, aturaram muitos desgovernos demagógicos, populistas e retrógrados. Enquanto isso, ele crescia e se tornava homem, até alcançar a posição de governante do RJ. Mas este é um RJ que assistiu aos conluios na Ilha Grande entre facções criminosas e políticas em passado recente. Este é um RJ que há décadas assiste seus governantes se digladiarem com governantes federais para atingir fins político-pessoais, e por conta disso nenhuma ajuda recebeu da União, nenhum recurso público, embora seja um dos principais arrecadadores de impostos federais. Este é um RJ levado ao infortúnio pelo domínio crescente do tráfico nas comunidades faveladas, com um poderio bélico de tal monta que a polícia local não mais consegue controlar, embora seus membros morram diariamente tentando, o que não é justo. Este é um RJ que não mais conhece a PAZ!
“Que cidade é essa?”, indagou em emoção o governador Sérgio Cabral Filho. Respondo-lhe: esta é a cidade que a sua geração herdou dos incompetentes, os mesmos que lhe cobram agora a solução em “passe de mágica” ou oscilando a “varinha de condão”. Mas, em vez disso, o que a sociedade desse descontrolado RJ precisa urgentemente fazer é apoiá-lo com um vigor que jamais houve nesse pedaço de chão que inaugurou o poder público no Brasil. Deixar essa absurda carga nas suas costas, senhor governador, também não é justo!
As instituições precisam se unir; os segmentos sociais formadores de opinião devem acordar para a dura realidade de que o banditismo urbano sustentado pelo tráfico internacional não recuará a não ser pela força. E não se trata de força da lei, esses facínoras não estão preocupados com lei alguma. Trata-se de um estado de guerrilha urbana promovido por centenas de quadrilhas armadas com fuzis de última geração. São bandidos que, em vez de respeitarem os policiais, saem à sua caça e os liquidam sem dó nem piedade. Liquidam, assim, o Estado! Liquidam a sociedade! Liquidam o Contrato Social! Liquidam os cidadãos que precisam ser defendidos a todo custo. Entretanto, parece que ninguém quer atentar para a gravidade do problema. Há um inegável quadro de grave perturbação da ordem interna (não é mais perturbação da ordem pública) a exigir ações operativas das Forças Armadas, em conjunto com as polícias federal e estadual, em superioridade de meios, para encurralar e levar à rendição ou eliminar esse inimigo comum da sociedade: o bandido-guerrilheiro-terrorista-urbano-matador-sanguinário. No fim de contas, os direitos humanos têm de prevalecer primeiramente para o cidadão que respeita o “Contrato Social”, e não para “malfeitores” que estão a “matar o Estado”, como sugere Jean-Jacques Rousseau na sua universal obra.
Enquanto escrevo estas linhas, leio que a Marinha Mexicana apreendeu um submarino do tráfico com cinco toneladas de cocaína. Aliás, as notícias sugerem que lá está pior do que aqui... Por enquanto... Não faz tanto tempo, a polícia colombiana apreendeu na própria Colômbia (capital) um submarino com capacidade para transportar 200 toneladas de cocaína mares afora, construído com narcodólares da Máfia Russa. Menos tempo ainda faz que a polícia colombiana recolheu outro submarino de menor porte em suas águas. É sabido, mais que sabido, que o tráfico multinacional tem o Brasil como rota para tudo que é canto do mundo. Demais disso, o consumo de drogas aumenta assustadoramente em solo pátrio, em especial na nossa “Cidade Maravilhosa”, que de maravilhosa nada mais tem a não ser a ilusão dos velhos tempos. Resumindo, a “Cidade Maravilhosa” já era! Tornou-se território loteado a sangue de inocentes por traficantes-mores de facções diversas; tornou-se paraíso da anomia, terra do faroeste impune, um perigo para todos os cidadãos residentes e visitantes.
Foi boa a indagação do governador Sérgio Cabral Filho. Muito boa, sim! Afinal, “que cidade é essa?”. É a cidade que queremos mudar sem lutar? É a cidade dos omissos, apáticos e covardes?... É a cidade das instituições falidas, desgastadas, sofredoras, especialmente as instituições policiais? É a cidade que anuncia em clamor a morte de uma criança, notícia logo superada pela clamorosa morte de outra criança, não importando aqui se o João Hélio (lembram-se?) foi assassinado por bandidos ferozes prontamente presos por PMs, e o João Roberto, morto por PMs assustados, estes que, em outra oportunidade, talvez dessem suas vidas para salvá-lo de algum perigo?
A indagação do governador Sérgio Cabral Filho é mais que indignação de um ser humano normal! É mais que um espanto! É uma explosão de sentimento! É um chamamento veemente à responsabilidade de todos, como determina a Carta Magna, o nosso Contrato Social! Por conseguinte, cobrar somente dele a solução de um problema multinacional tão gravíssimo e tendente a aumentar, isto é muito fácil, mas não é justo! Reclamar das acumuladas carências materiais da polícia, dos defasados salários dos policiais, dos desvios de conduta de membros da polícia, tudo isso é fácil, mas não é justo! É como cuspir no chão marcando provocação entre irmãos antes de uma briga tola que nem sempre se efetiva.
Ora, “que cidade é essa”, que só se une para criticar o Estado e se recusa a enfrentar o problema enquanto sociedade organizada e responsável pelo seu próprio destino?... “Que cidade é essa”, em que somente no olho alheio a pimenta é refresco?...
Tomara que a indagação do cidadão carioca Sérgio Cabral Filho gere discussões acaloradas, críticas ferrenhas, mas que delas se eliminem os que o criticam (por ser ele o governante estadual) tão-somente para marcar posição em falsetes radiofônicos e televisivos e falácias impressas. Pois esses críticos, muitos deles, nada fizeram no passado; ou, ainda pior, em muito contribuíram para a tragédia urbana atual. De minha parte, aos críticos de plantão deixo a lembrança de que combati ferrenhamente esses facínoras miseráveis; enfrentei essa marginalidade lado a lado com as praças que comandei, e depois não fui pouco retaliado pelos amantes do conluio político com o banditismo. Hoje estou velho, sou o que sobrou de tanta perseguição injusta. Mas, se for convocado a lutar contra esse banditismo feroz para reconquistar a PAZ, nem que seja me arrastando, estarei pronto! Creio que assim todos nós, briguentos da polícia, todos nós, cariocas e fluminenses que disputam o mesmo mercado de trabalho, enfim, todos nós, cidadãos do RJ que discordamos do passado responsável pelo horror do presente, possamos responder em uníssono ao cidadão-governador Sérgio Cabral Filho, num futuro bem próximo: Esta é a “Cidade Maravilhosa / Cheia de encantos mil... / Cidade Maravilhosa / Coração do meu Brasil!”
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Um comentário:
Ao Corenel Larangeira
Fica aqui meus votos de apoio e minha opinião. Ainda mais, pelo orgulho que tenho dele e por ter presenciado por muitas vezes sua indignação com os governos anteriores e pela falta de atitude de nossos governates. E neste espaço, faço das palavras dele as minhas, em apoio àqueles que lutam por uma cidade maravilhosa, não mais para nós, mas para nossos filhos, netos ... E torcendo que nosso governador consiga avançar neste sentido.
Carlos Otavio Dias Vaz
Advogado
Niterói/RJ
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