“Toda teoria deve ser feita para
poder ser posta em prática, e toda prática deve obedecer a uma teoria. Só os
espíritos superficiais desligam a teoria da prática. Fernando Pessoa, poeta
português, no livro A Economia em Pessoa, de GustavoH. B. Franco (Zahar)
Plantio de coca na Bolívia
A
Teoria de Sistemas, - capaz de explicar todos os sistemas e subsistemas
conceituais e físicos, do mais simples ao mais complexo, em especial sob a
ótica ou a lógica da interdependência, da interação e do inter-relacionamento de
ideias ou coisas entre si e com o ambiente, - permite-nos a representação
visual abaixo retratada:
AMBIENTE
AMBIENTE
Sem
os insumos da entrada extraídos do ambiente para serem processados ou
transformados não há sistema; sem a saída (resultados) permanentemente renovada
ocorre a entropia e o sistema morre. Nesses aspectos o narcotráfico já se
provou indestrutível, eis que se demonstra capaz de se renovar eternamente,
malgrado sua impressionante complexidade.
Com
efeito, trata-se de crime do século, vencedor de todas as batalhas e superior a
todos os sistemas instituídos para derrotá-lo na formalidade ou na
informalidade dos sistemas estatais destinados até mesmo à espionagem. Quanto
aos sistemas estatais visíveis, são eternos perdedores, pois a criminalidade
vem vencendo esses sistemas situacionais mundo afora (visíveis ou secretos).
Esta é a realidade, gostem ou não as autoridades que administram os sistemas destinados
ao controle da criminalidade geral e/ou específica.
Com
efeito, o narcotráfico, como polissistema mundial, de amplitude incomensurável,
é capaz de assumir mimetismos muito além do polvo ameaçado por perigo, além de
possuir tantos tentáculos quanto o somatório de todos os polvos que habitam os
oceanos. Apesar disso, o narcotráfico não escapa à lógica do sistema; no caso
dele, trata-se de um sistema social multinacional, de proporções gigantescas,
pronto para abraçar o mundo sem a necessidade de usar todos os seus invencíveis
recursos, ou tentáculos, se ainda comparado ao polvo.
No
contexto deste raciocínio, pode-se afirmar que são muitas as variáveis que
funcionam como sistemas e subsistemas em seus desdobramentos maiores ou
menores, todos, porém, protegidos contra quaisquer processos entrópicos, posto
haver homeostases superiores às tentativas de entropia que ele encontra de
caminho.
Alguns
podem achar que exagero, mas a realidade do narcotráfico vencedor é tão
evidente que não permite dúvidas quanto ao seu desmedido poder no ambiente
mundial. E é neste ambiente que se situa o Brasil como um sistema protagonista
e vítima: ou é rota de passagem das drogas para outros continentes ou
importante consumidor. Que fazer então?... Ignorar esta realidade ou apontá-la,
pelo menos, para não nos situarmos como idiotas ante o problema?
Comecemos
a tocar a ferida com dedo leve... Refiro-me aos nossos vizinhos fronteiriços,
“mui amigos”, que, amparados pela soberania, deixam que seus povos cultivem à
vontade as plantas malditas (coca, maconha etc.), não sendo demais supor que
haja nesses inexpugnáveis territórios alienígenas protegidos por tratados de
não agressão até plantios de papoula, das quais se produzem o ópio, e o fabrico
de drogas sintéticas segundo a mesma lógica da permissividade oficial.
No
fim de contas, tudo é possível quando impera a frouxidão da fiscalização estatal
(nacional e internacional), mais preocupada com o enriquecimento de urânio, com
os mísseis balísticos e com outras geringonças destinadas à guerra, além, é claro,
do petróleo. De modo que os países que controlam o mundo não querem saber se
países subdesenvolvidos plantam, traficam e consomem drogas. Para os ricos,
investir em prevenção e repressão às drogas não é problema; eles ainda se permitem
que as drogas sirvam para acalmar alguns grupos mais radicais, que defendem o
“direito” de consumir drogas. Tudo muito equilibrado, porque, afinal, droga é
dinheiro, e ninguém quer ficar fora desse pujante comércio, que ainda atrai
para si o não menos promissor comércio de armas sofisticadas.
De
modo que, por esses motivos, e muitos outros, a frouxidão nesses países industrializados
é bem-vinda ao narcotráfico, em especial na saída do sistema, eis que lhes
permite receber a droga pronta e acabada, só dependendo de transformá-la em
“mais-valia” financeira a garantir insumos para a entrada do sistema, sempre garantindo
que “o todo seja maior que a soma das partes” (globalismo) nesse conjugado
negócio de comercialização de armas e drogas, porque um já não mais sobrevive
sem o outro, e tudo se torna ouro. Como dizia Cecília Meireles: “[...] /Onde a
fonte de ouro corre /Apodrece a flor da lei [...]”
É
verdade! Nesse malabarismo espetacular, em que boa parte dele poderia ser
monitorada por sofisticados sistemas tecnológicos, nada acontece que não se saiba.
Porque, se é fácil ocultar as pequenas torneiras que jorram drogas e armas no
mundo, não é simples ocultar seus mananciais. Mas, para tanto, haveria de haver
acordos internacionais voltados para a erradicação desses dois males que
assolam a humanidade: tráfico de drogas e contrabando de armas. E não seria
difícil aos países interessados instituir entropias invencíveis para danificar
o polissistema narcotráfico e o polissistema contrabando e descaminho de armas.
Acontece, porém, que tal providência é como água correndo morro acima. Nem a
punição mais ameaçadora é capaz de evitar que o narcotráfico prospere e atenda
a interesses geopolíticos e econômicos, entre outros imorais e inconfessáveis,
num contexto em que tudo funciona independente de suas lideranças: a engrenagem
não necessita de donos, todos são donos no âmbito de suas tarefas, e as falhas
se reconstituem naturalmente ou na base da lei do cão, pois é certo que a
reposição de mão de obra é imediata e muito concorrida.
A
realidade é que o comércio clandestino de drogas, com suas mil e uma
modalidades e mutações, tornou-se onipresente e onisciente; porque tudo pode e
tudo sabe, valendo o mesmo argumento para o comércio clandestino de armas. E ambos,
em globalismo, põem de quatro os Estados e seus mandatários, sejam democratas,
ditadores, líderes religiosos, monarcas e demais tiranos grandes e pequenos.
(“Vede os pequenos tiranos / Que mandam mais do que o rei / Onde a fonte de
ouro corre / Apodrece a flor da lei.” (Cecília Meireles)
Comércio
de Drogas e Comércio de Armas: irmãos siameses que evitam confronto com os
poderes estatais; buscam sempre negociações espúrias com políticos e dinheiro
não lhes falta, a “mais-valia” garante o sucesso da interação desses sistemas
situacionais marginais com seus equivalentes estatais. Só como exemplo de
malabarismo entre milhares, imaginem a China, que determina a pena de morte
para traficantes; mas lá há fábricas de insumos inofensivos, que são exportados
para países onde as leis são frouxas ou inexistem. A fabricação e a exportação
desses insumos em separado não é crime. Ocorre que, quando manipulados, tornam-se
drogas sofisticadas, que são comercializadas mundo afora sem problemas. Claro
que os chineses sabem que drogas são lucrativas e não ficariam fora do negócio.
E muitas outras artimanhas são feitas para gerar drogas e divisas.
Mas
tornemos ao nosso lugar comum, à cocaína e à maconha, drogas preferenciais do
povão tupiniquim, não se considerando aqui o volumoso uso de crack, subproduto
da coca de efeito devastador. Sabemos quem planta e colhe em larga escala essas
matérias-primas: nossos vizinhos fronteiriços, na maioria dos casos contando
com o beneplácito de governantes, alguns assumidos “cocaleiros”. Cá entre nós,
é como o Brasil conceber um sistema sem entrada nem insumos, sem admitir como
se dá o processamento, para atuar apenas na saída, esta, multifacetada,
multivariada, enfim, incontrolável. Seria mais ou menos como ignorar a caixa
d’água que se abastece automaticamente e ficar fechando torneiras que logo são
abertas por outras pessoas num círculo vicioso e infindo. Como vencer tal
impasse? Como reverter esse círculo vicioso para torná-lo virtuoso?
Curioso
é que somos contaminados por um sistema de tráfico que tem origem quase
rudimentar. Sim, na maior das vezes são camponeses que plantam, colhem e
processam a coca no meio de florestas inóspitas, até alcançar o estágio da
“pasta”: produto amarelado e prensado em barras de um quilograma, tudo
consequente da dilaceração das folhas de coca com uma simples máquina de cortar
grama ou outro método rudimentar, até manual. Para tanto, são postas dentro de
um tanque de alvenaria bastante tosco, ou algo que o substitua com o mesmo
objetivo, com as laterais de mais ou menos meio metro de altura. E, depois de
trituradas, as folhas tornam-se um “caldo” esverdeado; então os cocaleiros lhe
acrescentam cimento virgem e gasolina, demais de outras misturas rudes, até que
o produto artesanal se torne leitoso. O líquido é então filtrado em rotos sacos
de pano para reter os resíduos. Esse líquido é posto em engradados forrados com
o plástico e ali repousa até ficar denso. Pronto! A pasta da coca está feita e
pode ser despachada, claro que dissimulada em outros invólucros. Enfim, tudo muito
simples e rústico, mas que, dependendo do país que receba o quilo da pasta, o
preço pode variar de U$ 5.000,00 a U$ 40.000,00. E assim toneladas de cocaína,
em estado precário, rodam o mundo de todos os modos, como se fossem torneiras
permanentemente abertas, pois o tráfico não descansa, produz sem parar nesses mananciais
sacralizados em nome de soberanias que, decerto, não deveriam existir para
atender a fins tão tenebrosos.
Conheço
bem essas embalagens de cocaína, como também vi muita maconha prensada em mel,
melado e outros ingredientes a dissimularem o seu forte cheiro, sendo certo que
também a cannabis sativa pode ser
plantada e colhida como relva em qualquer espaço, bastando um vaso e terra. Mas
deixemos a maconha de lado e nos concentremos na cocaína, esclarecendo que não
pretendo me ater a drogas mais sofisticadas, naturais ou artificiais, já que,
em razão de malabarismos, são inúmeras nos dias de hoje. Na verdade, apenas
acrescento que todas servem de insumo à entrada do sistema desenhado no início,
caracterizando uma autêntica organização transnacional criminosa que nada deve
às mais sofisticadas empresas do planeta, que, enquanto organizações, forjam-se
e funcionam escoradas nas seguintes variáveis básicas indicadas pela Teoria
Geral da Administração (TGA): “estrutura, pessoas, tarefas, tecnologia,
ambiente e competitividade”.
Enfim,
ressalvados os mistérios que sabemos existir em todas as organizações, até nas
mais transparentes, não se há de negar que todas são “sistemas sociais abertos”,
em interface permanente com suas partes e com os mais variados ambientes
(gerais, intermediários e específicos), tendo em comum a busca frenética pelo
lucro, com vantagem para o narcotráfico, que não paga impostos. E as propinas,
por mais vultosas que sejam, não custam mais do que desembolsam as organizações
formais do modo como sabemos. Traduzindo tudo isto em poder, não seria demais
afirmar que estamos diante de um “Poder Marginal” e de um “Poder Estatal”, com
o segundo controlando a sociedade com a presteza de tubarões famintos, e o
primeiro atuando onde as leis inexistem ou são insuficientes para conter os
tentáculos arrasadores do narcotráfico. E neste ponto se poderia fixar a grande
dúvida: “Qual dentre ambos é o mais poderoso?”
Ora
bem, todo esse contexto se insere no ambiente geral do planeta, nos ambientes
intermediários dos continentes e países e nos seus ambientes específicos, indo
da macrocriminalidade à microcriminalidade. Se aqui considerarmos uma ordem
pública mundial, ou nacional, ou local, em qualquer hipótese desta ordem ela há
de se apresentar como o “ser” da convivência social (“ordem material”) e como o
“dever ser” (ordem formal norteadora da convivência social). Elas são sistemas
ou subsistemas que convivem como irmãs siamesas em qualquer sociedade. E são
tratadas por sistemas formais (leis e regulamentos) e informais (restauração
natural da ordem em caso de muitas desordens, ou mediante ação do Estado
fundamentada no “Poder de Polícia”). Nas duas situações, a sociedade se vale de
um sistema de freios e contrapesos para que os direitos e garantias individuais
sejam observados por seu “Estado Protetor”, entre aspas porque nem sempre ele
protege o cidadão, este, supostamente pleno de direitos, mas aviltado por seu
protetor em nome de um subjetivo “interesse público”.
De
tudo que se comentou até este ponto, é evidente que o Brasil se insere bem mais
no processamento e na saída. No processamento porque a distribuição do atacado
da droga nele se insere, ou como rota ou como distribuição interna. A saída, no
caso, seria a comercialização em si, agora com a participação dos demandantes
(usuários), que são aos milhões. Porque, mesmo que se admita a existência de
plantios no território brasileiro, principalmente de maconha, não se trata de
quantidade relevante. Verdade é que o Brasil é grande consumidor, e não se pode
negar tal fato, basta ler os noticiários dando conta das facções criminosas
atuando no varejo, em especial nas favelas de tudo que é canto pátrio. Mas...
...
Creio que neste ponto já se poderia indagar como o sistema de segurança pública
pátrio, - se é que pode ser assim denominado, - resumido constitucionalmente ao
atual modelo, com uma carga muito forte nos ombros dos Estados-membros, como
esse sistema capenga e veementemente criticado poderia vencer o poderoso
polissistema mundial do narcotráfico e do contrabando de armas?
A
indagação nos remete à ideia imediata da visualização de toda essa história
como um “processo”, e não como descrição de um mero “abridor de latas”, nos
termos sugeridos pelo Físico Quântico Leo Smolin, Prêmio Nobel de Física:
“Existem objetos como as rochas e os abridores de
latas, que simplesmente existem e podem ser completamente explicados por uma
lista de suas propriedades. E existem coisas que somente podem ser explicadas
contando uma história. Para as coisas do segundo tipo, uma simples descrição
nunca é suficiente. Uma história é a única descrição adequada para elas, porque
entidades como as pessoas e as culturas não são de fato coisas, mas sim
processos que se desenvolvem no tempo.” (Smolin, Leo – Três Caminhos Para a
Gravidade Quântica)
Com efeito,
somente o estudo aprofundado de vivências anteriores, como um só processo
histórico, nos poderia informar sobre os passos presentes e futuros. Em não
havendo esse estudo crítico, conceitual e prático, dentro da ótica filosófica
da “vivência”, - e não das “ideias superficiais e inovadoras” descritas como “as
rochas e os abridores de latas”, - só com um estudo aprofundado é que poderemos
concluir pela reinvenção do sistema nacional de segurança pública, reiterando
aqui: “Se é que existe algum, crendo eu que não”...
Mas como tudo são
“processos que se desenvolvem no tempo”, devemos logo concordar que uma “ideia”
jamais será uma “vivência”, como também nos ensina Manuel Garcia Morente em seu
clássico “Fundamentos de Filosofia – Lições Preliminares” – Editora Mestre Jou
– São Paulo/SP – 1980:
“[...] Sem vivência do passado filosófico, sem um
reformulamento de sua problemática e de seus êxitos e malogros, é precário o
exercício da crítica tão indispensável a todo filósofo que se preze. Sem uma
prévia visão retrospectiva, sem uma visão do passado incidindo sobre o
presente, é impossível ao filósofo situar-se dentro de seu próprio tempo
[...]”.
Nesta
linha de raciocínio, o autor vai além e sugere:
“[...] Vou dar um exemplo para que se
compreenda bem o que é ‘vivência’. O exemplo não é meu, é de Bergson: ‘Uma
pessoa pode estudar minuciosamente o mapa de Paris; estudá-lo muito bem:
observar, um por um, os diferentes nomes das ruas; estudar suas direções;
depois, estudar os monumentos que há em cada rua; pode estudar os planos desses
monumentos; pode revisitar as séries das fotografias do Museu de Louvre [...]
pode chegar a ter dessa maneira uma ideia bastante clara, muito clara,
claríssima, pormenorizadíssima, de Paris [...] Ao contrário, vinte minutos de
passeio a pé por Paris são uma vivência. Entre vinte minutos de passeio por uma
rua de Paris e a mais vasta coleção de fotografias, há um abismo. Isto é, uma
simples ideia [...] enquanto colocar-se realmente em presença do objeto, isto é
vivê-lo, viver com ele; tê-lo própria e realmente na vida; não o conceito que o
substitua [...]”
Diante
do raro ensinamento, - e considerando o que ocorre hoje como consequência de um
passado em evolução, - não há como resgatar senão uma ideia anterior baseada na
vivência de muitos profissionais de segurança pública que ainda estão nesta
vida terrena. Reuni-los é fácil e seria útil; mas depende de boa vontade dos
atuais e poderosos mandatários políticos, o que de pronto podemos rechaçar,
pois eles cuidam de vivências bolivarianas no sentido de afundar o Brasil no
caos social, ou seja, num mar de lama podre.
É
neste ambiente apodrecido que o narcotráfico, como praga bíblica, se espalha e
contamina a sociedade, e, principalmente, os seus jovens. Também é neste
ambiente pátrio deliberadamente apodrecido em função de vivências gramscianas*
e marxistas-leninistas**, que o narcotráfico avança junto com o “Foro de São
Paulo” e outras péssimas consequências patrocinadas por um poder sem
contestação, a não ser por meio de uma possível mudança pelo voto, algo ainda
incerto. Afinal, o aparelhamento vem de longe, facilitado por um sistema político
anterior que preferiu engessar a segurança pública a medo de reações armadas
por parte de Estados-membros, ora impedidos de se estruturar conforme as reais necessidades
vivenciadas no seu ambiente e não em outros ambientes que lhes são estranhos.
Só
como ponto de partida em meio de caminho, vamos observar as estruturas da
segurança pública a partir da Carta Magna de 1988, não sem atentarmos, mesmo
que superficialmente, para momentos anteriores, dos quais só temos uma ideia
graças a alguns escritores (historiadores, jornalistas, policiais, políticos
etc.) que nos deixaram como legado suas narrativas baseadas em pesquisas científicas
e não em ficções e trapaças, como hoje infelizmente se observa. Portanto, aqui
resumirei a vivência experimentada e anotada por personalidades acima de
suspeitas, para não defender somente ideias e vivências minhas:
“(...) a transição
de uma ‘sociedade segmentar tradicional para outra governada pelo Estado
implica uma mudança na definição de criminalidade’, que deixa de ser encarada
como um delito contra indivíduos ou grupos específicos, para passar a ser vista
como um delito contra uma abstração, como ‘o interesse público’. De qualquer
maneira, ampliar a definição de perigos para súditos ou cidadãos, e torná-la
cada vez mais abstrata, proporciona uma justificativa para que se desenvolva um
aparelho para conter o que é percebido como ameaça desse tipo.” (R. I. Moore, in
The Formations of a Persecuting Society – Oxford, Blackwell)
“(...) Quase todo
mundo já percebeu – inclusive a imprensa, que prefere silenciar sobre o assunto
com receio de perder o acesso às informações – que procuradores têm tido uma
atuação leviana em alguns casos. Há vezes em que apresentam denúncia à Justiça
apenas com base em uma notícia de jornal, que eles mesmos trataram de deixar
vazar por baixo do pano. É comum um jornal divulgar uma denúncia hoje e, no dia
seguinte, publicar a notícia de que um procurador ‘vai investigar o assunto’,
num círculo de compadrio entre repórteres e procuradores que, muitas vezes,
arrasa reputações com base em indícios frágeis. Se a ‘denúncia’ é fraca,
esquece-se dela dias depois, mas o ‘denunciado’ já passou pelo constrangimento
de ter seu nome vinculado a uma tramoia.” (Revista VEJA, de 10 de janeiro de
2001)
“A troca da investigação pela
denúncia fácil é um dos grandes perigos a serem evitados pelo jornalismo brasileiro.
(...) O problema dessa atitude da imprensa é confiar em um pressuposto. No caso
de um pressuposto se mostrar errôneo, os danos aos envolvidos podem ser
irreparáveis.” (Gilberto Dimenstein – Jornalista – painel sobre JORNALISMO
INVESTIGATIVO E DENUNCISMO realizado em Brasília, em 21 de outubro de 1993,
notícia veiculada na FOLHA DE SÃO PAULO)
Indo
agora à análise do texto constitucional, jorro luz sobre um texto pouco ou nada
questionado, embora seja a maior prova da desconfiança de quem antes vivenciava
a ilusão de que a democracia se restauraria naturalmente com a tal “abertura
política”, esta, que trouxe de volta os mesmos conspiradores gramscianos e marxistas-leninistas
para o cenário político brasileiro.
Entenderam
os militares, - que evitaram o caos social instalado no país antes de 1964, -
entenderam os militares que o país amadurecera o bastante e que poderia seguir
seu rumo democrático por via somente de uma Assembleia Nacional Constituinte,
desde que a Lei Maior protegesse a “segurança interna”, ou seja, deixando “tudo
como dantes no quartel de Abrantes”.
Daí
é que, antes mesmo de grafar o Título V da Carta Magna, houve a vontade de
inverter a própria Doutrina da Segurança Pública como garantia da Ordem Pública,
prescrita a partir da Segurança Individual e da Segurança Comunitária, ambas
como centro de uma só preocupação, como está nos Manuais da Escola Superior de Guerra.
Mas, contrario sensu, os
Constituintes, sem dúvida pressionados, grafaram no Título V da Lei Maior: “Da
Defesa do Estado e Das Instituições Democráticas”.
Ou seja, prevaleceu aquele “interesse público” a que se reporta R. I. Moore, o que se pode observar pela leitura de todo o resto. Mas importa aqui anotar as precauções que se antecederam ao título constitucional em sublinha, especialmente, o Inciso XXI do Art. 22 da CRFB:
“[...] Art. 22. Compete privativamente à
União legislar sobre: [...] XXI - normas gerais de organização, efetivos,
material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e
corpos de bombeiros militares; [...]”
Nem é caso
de aprofundar, basta esmiuçar a competência privativa da União, que, claro, na
época interessava ao Exército Brasileiro, de modo que os Estados-membros
permanecessem curvados ao sistema de desconfiança anterior, para assim grafar o
título constitucional contrário à própria doutrina da ESG, que valoriza a
segurança pública como um bem maior do cidadão e da comunidade em somatório
globalístico, e não “o estado e suas instituições democráticas.” Mas o que se
tem até agora na Lei Maior é a prioridade inversa ao que prescreve a doutrina
da segurança pública.
Seguindo
este raciocínio, e se levando em conta a máxima estrutural de Louis Sullivan
(“a forma segue a função”), ou seja, a estrutura (“forma”) segue seus objetivos
(“função”), e se ainda considerarmos que a Teoria Geral da Administração
prescreve que qualquer organização deve obedecer a seis variáveis básicas (Vide
Idalberto Chiavenato e sua TGA): “estrutura, ambiente, tarefas, pessoas,
tecnologia e competitividade”, somos forçados a concluir que a União engessou
os Estados-membros. Mas cobra insistentemente deles seus próprios deveres, uma
afronta ao princípio federativo, em especial à autonomia dos Estados-membros, eis
que enfiada numa areia movediça pelo ordenamento constitucional supra, que ao
fim e ao cabo abalroa negativamente todo o sistema de segurança pública:
nacional, regional e local.
Tal fator
não se resume a uma ideia, mas é vivenciado diuturnamente, como está determinado
na Carta Magna, e assim o será enquanto não se reformular o sistema de
segurança pública com base na realidade vivenciada pelo cidadão e por sua
comunidade, hoje ambos assolados por uma crescente e incontrolável
criminalidade. Em últimas palavras, a sociedade tem de estudar o assunto nas
universidades e em todos os locais em que segmentos delas se reúnem, para
reavaliar o modelo estrutural agrilhoado pela Carta Magna.
Na
verdade, o texto constitucional se viu maculado pela desconfiança de
instituições federais na capacidade de governadores e prefeitos assumirem
realmente a segurança pública segundo uma lógica racional e descontaminada de
ideologias. Como dizia o saudoso Administrativista e Professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto, há um “preconceito
semântico” rondando o vocábulo “segurança”, este que, infelizmente, se confunde
com rivalidades ideológicas profundas e inegáveis. Não pode ser assim, isto é
absurdo, o vocábulo é técnico e universal, e é como deve ser tratado pelos
brasileiros e suas instituições: como um sistema socio-técnico estruturado,
para o bem da sociedade brasileira.
*“Gramsci é reconhecido, principalmente, pela sua teoria da hegemonia
cultural que descreve como o Estado usa, nas sociedades ocidentais, as
instituições culturais para conservar o poder.” (Antonio Gramsci – Wikipédia, a enciclopédia livre - https://pt.wikipedia.org/wiki/Antonio_Gramsci)
**“Marxismo-leninismo,
termo resultante da justaposição das palavras marxismo e leninismo,
designa a doutrina oficial da tendência majoritária do movimento comunista -
isto é, dos partidos e dos estados alinhados à antiga URSS ou à República
Popular da China - durante a maior parte do século XX.” (Marxismo-leninismo – Wikipédia, a enciclopédia livre https://pt.wikipedia.org/wiki/Marxismo-leninismo)
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