Por Emir Larangeira*
Introdução
Quando lidamos com textos oficiais devemos atentamente
observar seu conteúdo denotativo, porém cônscios de que ninguém, nem mesmo formalmente,
escreve sem intenção de influenciar. Com efeito, os signos linguísticos sempre nos
levam a inferir significantes e significados, que compõem a unidade
linguística, inclusive nos permitindo interpretá-los por comparação com outras
línguas. Para tanto, estudiosos se esforçam no sentido de preservar a linguagem
oral e escrita, destarte garantindo a unidade cultural de um povo e/ou de povos
afins, sem, entretanto, prejudicar a licença poética, transgressão típica da
arte literária. Contudo, na elaboração de leis e outros documentos formais é imprescindível
haver uma linguagem maximamente literal, sob pena de se instituir interpretações
dúbias e, por vezes, até perigosas. Esta é a razão em virtude da qual devemo-nos
acautelar na redação ou leitura de textos oficiais, mas, não obstante a
cautela, eles nem sempre traduzem uma literalidade ótima.
Na verdade, há sempre uma conjunção de interesses
influenciando letras, palavras, pontos e vírgulas, culminando por nos
condicionar em demasia à interpretação do Judiciário. Não significa, porém, que
todas as conclusões judiciais resultem ajustadas à intenção original do
legislador. Por outro lado, armadilhas legislativas muitas vezes se mantêm na
forma cística para emergirem em hora própria (ou imprópria), cabendo ao poder
dominante a palavra final, geralmente afastada da vontade de cidadãos livres e
do bem comum. Enfim, prevalece a autoridade
do ter sobre a autoridade do ser,
predominando o muque em vez da vontade do povo. Isto não é salutar em nenhum
regime que se diz democrático ou que pretenda sê-lo... Ora bem, feito o introito,
vamos ao desenrolar da ideia.
aspectos
constitucionais da segurança pública
Do generalíssimo campo da segurança, desde o concerto entre nações amigas com vistas à segurança coletiva, ou em prol dos
interesses nacionais com a segurança externa,
ou adentrando a segurança nacional,
enfim, fugindo dos cenários internacional e nacional (topo) para os regionais e
locais (base), prender-se-á o foco apenas na segurança pública, sendo certo, porém, que existe uma segurança pública nacional, embora no Brasil seja incipiente o seu valor globalístico (o todo maior que a soma
das partes).
Com efeito, esclarece-nos a doutrina da ordem pública
que a segurança pública (garantia da ordem pública) é o somatório globalístico das seguranças individual e comunitária, ambas
situadas no contexto da ordem pública
material (o ser da convivência social) e/ou da ordem pública formal (dever ser), o que remete aos cidadãos a segurança pública como um direito a ser provido pelo Estado, antes
de lhes ser responsabilidade, como
prescreve a Constituição Federal (Art. 144, caput).
A segurança pública
não deve ser concebida a partir do aspecto negativo do Poder do Estado (repressão por via de força destrutiva, já que o Estado é detentor
do monopólio do uso da força), mas
por seu aspecto positivo, ou seja, o de um Estado transformador de atitudes e comportamentos
sociais compatíveis com os direitos e garantias individuais e fomentador do
desenvolvimento num clima de paz e harmonia.
Embora a nossa idéia seja focalizar esta sucinta reflexão
no cidadão munícipe, é primordial situar a ordem
pública como um bem nacional, abrangendo todas as nuances da vida em
sociedade, excluindo-se os fatores de segurança
interna, – e de garantia da ordem
interna, – situação de gravidade que pode alcançar o perigoso estágio de exceção legal. Porque a preservação da ordem pública não se resume à coibição
da desordem, mas antes idealiza uma situação de paz, harmonia e igualdade na
convivência social, sob a égide dos direitos universais da pessoa humana, sem a
necessidade de intervenção estatal para fazê-los respeitados.
A ordem
pública material (o ser) é
deveras importante. Num entendimento rudimentar, é só imaginar a mãe que, ao
perceber ou ser informada sobre a possibilidade da ocorrência de chuva, coloca
um abrigo na mochila do filho que vai à escola. A chuva ocorre de caminho, o
filho veste o abrigo e a proteção lembrada pela mãe evita que ele se resfrie;
daí, com esta simples prevenção familiar, a mãe evita que seja acionado um
sistema de saúde que, se particular, acarretará desordem no orçamento familiar;
se público, este será sobrecarregado em virtude de um mal que poderia ser
evitado. Nada disso tem a ver com lei alguma (dever ser), mas se integra à acepção material da ordem pública.
Ignorando-se os preconceitos (semânticos,
políticos, ideológicos, dogmáticos etc.) ainda absurdamente verificados na
prática da segurança pública no
Brasil, a verdade é que há uma aberrante dissonância entre a boa doutrina (ora
inexistente) e a lei vigente (atualmente imprópria). Pois não é possível, como
se deduz da Constituição Federal, praticar o que prescreve a hodierna doutrina de ordem pública neste país que se intitula democrático, mas está
longe de o ser.
Seguindo esta lógica, – e para provocar uma
reflexão particular, – vale sublinhar o manancial doutrinário da Escola Superior de Guerra, com a
ressalva de que muitos administrativistas pátrios colaboraram na formulação
desse corpus doutrinário, conforme demonstra
vasta bibliografia citada em Manual Doutrinário da ESG datado de 1989[4],
ou seja, depois de promulgada a Carta Magna:
Na medida em que uma doutrina busca oferecer uma interpretação dos fatos
e orientação para a ação, ela corresponde a uma padronização
de relações intersubjetivas e de significados que, ao mesmo tempo, condiciona a forma pela qual a realidade é
percebida e fornece prescrições acerca do
modo pelo qual as ações se devem dirigir à modificação desta realidade... (grifos nossos).
Deve-se realçar o significado de intersubjetivo,
adjetivo filosófico atribuído a Hegel (de difícil padronização, por sinal). Vejam o que diz o Aurelião2:
1. Que se passa entre sujeitos diversos. 2. Filos. Relativo a fenômenos
individuais e subjetivos que são socialmente produzidos através do
auto-reconhecimento de cada sujeito em cada um dos outros, como ocorre, por
exemplo, na criação de identidades culturais.
Significa, pois, intersubjetividade, a busca individual de um padrão de conduta a
partir de valores éticos (neles englobados as leis, a moral e os costumes) internalizados
por cada indivíduo diante do espelho, para depois esse indivíduo se somar aos
que concordam com os mesmos valores, tornando-os cultura natural de todos, o
que ressalta a importância da individualidade e reforça a idéia de que a ordem pública material sobreleva numa
sociedade civilizada, pois depende pouco da imposição de poderes negativos por
parte do Estado.
Informa-nos a ESG3 que segurança é
uma necessidade e um direito inalienável, reportando-se inclusive à
Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigos 3º e 7º, respectivamente: Todo indivíduo tem direito à segurança de
sua pessoa; e todos têm o direito de
ser protegidos.
Não há dúvida de que o primeiro foco da segurança é o indivíduo singularmente
considerado e depois convivendo em comunidades (segundo foco). A partir deste
ponto serão iluminados alguns conceitos que vinculam a ordem pública à segurança pública,
e esta à defesa pública. Ainda
escorado no Direito Administrativo da
Ordem Pública, destaca-se o conceito
operativo gravado pelo eminente administrativista e professor Diogo de
Figueiredo Moreira Neto:
Ordem pública, objeto
da segurança pública, é a situação de convivência pacífica e harmoniosa da
população, fundada nos princípios éticos vigentes na sociedade. (grifo nosso).
Na medida em que a ordem pública é objeto da
segurança pública, conclui-se que a segurança pública é o sujeito de sua garantia; segurança que,
por sua vez, só se materializa a partir do ato,
que é a defesa pública, poder
instrumental do Estado geralmente de concepção negativa: coerção com o fim de preservar ou restaurar a ordem pública.
Tornando ao Manual da ESG4 [5]vale
sublinhar os conceitos de segurança
pública e de defesa pública:
Segurança Pública é a garantia que
o Estado proporciona à Nação, a fim de assegurar a Ordem Pública. (grifo
nosso).
Defesa Pública é o
conjunto de atitudes, medidas e ações adotadas para garantir o cumprimento das leis, de modo a evitar, impedir ou
eliminar a prática de atos que perturbem a Ordem Pública. (grifo nosso).
O objetivo desta digressão é deixar claro, a
uma, que o foco da segurança pública é a Nação, que é, em síntese, povo politicamente organizado. O Estado,
portanto, deve ao povo o serviço para o qual foi criado e de quem recebeu
delegação para cumprir sua função-síntese, que se poderia resumir no binômio
gravado no Pavilhão Nacional: Ordem e
Progresso.
Enfim, a segurança pública, como garantia da ordem pública, tem no cidadão a sua
célula primordial (segurança individual),
na família o seu tecido, e na comunidade o seu corpo social (segurança comunitária). É, portanto, um
processo que funciona da base para o topo da pirâmide.
A partir desta constatação, fruto de exaustivos
estudos envolvendo uma gama de conhecimentos de Ciências Sociais, incluindo-se
a Filosofia, demais da História das Sociedades através dos tempos, o mundo
ocidental ajusta-se a uma ordem minimamente negativa e maximamente
incentivadora do progresso, ressalvadas as exceções dos regimes tiranos e de
quaisquer ideologias cerceadoras de direitos e liberdades individuais.
A segurança pública num regime democrático é ou deveria ser posta
como um direito voltado para o alcance do bem-estar e da felicidade dos
cidadãos. Portanto, tudo que interfira no sentido inverso desta ordem desejada
deve ser controlado, reorientado e, por fim, sem mais alternativa, reprimido
pelo Estado por delegação da sociedade. Quanto maior for a situação de
felicidade e bem-estar de um povo, menor será a repressão, caminho ideal senão
único dos que almejam integrar-se a uma sociedade efetivamente civilizada. O
resto é pura retórica de terceiro-mundistas, dentre os quais, infelizmente, destaca-se
o Brasil.
É forçoso sublinhar a definição de defesa pública contida no manancial
doutrinário das ESG5 após a promulgação da Constituinte de 1888. A própria ESG
diferencia conceitualmente o alcance da segurança
(amplo, completo e mais atual que o de defesa). Dentro desta lógica conceitual,
o manual segue em sua doutrinação sublinhando-se o general Lyra Tavares, em 1966, a distinguir os dois
termos:
A Defesa se organiza com o
fim especial de repelir um ataque previsto, ao passo que a Segurança, no
sentido em que a encaramos, é estabelecida como cobertura integral a qualquer
tipo de ameaça que ela própria – na Segurança – torna inoperante e desencoraja.
E sintetiza:
Segurança é um estado,
ao passo que Defesa é um ato diretamente ligado a determinado tipo de
ameaça caracterizada e medida. (Grifos nossos).
O marechal Castello
Branco, em 1967, salientou o plano mais amplo e elevado da segurança:
O conceito tradicional de
Defesa Nacional coloca mais ênfase sobre os aspectos militares da Segurança e,
correlatamente, sobre os problemas de agressão externa. A noção de Segurança é
mais abrangente. Compreende, por assim dizer, a defesa global das instituições,
incorporando, por isso, os aspectos psicossociais, a preservação do
Desenvolvimento e da estabilidade política interna; além disso, o conceito de
Segurança, muito mais explicitamente o de Defesa,
toma em linha de conta a agressão interna, corporificada na infiltração e subversão
ideológica... (Grifos nossos).
Neste ponto, sobreleva considerar que logo na
introdução o referido manual, ao definir doutrina, entre outras afirmações
correlatas assegura:
(...) Assim, a Doutrina
representa ideias básicas que visam a imprimir
normas à conduta humana nos diversos setores em que atua. Nesse sentido, é
um sistema de dever ser e incorpora
um propósito normativo, além de condicionar as
ações individuais e coletivas. (Grifos nossos e dos autores).
Já neste ponto é desnecessário aprofundar nossos
significados de doutrina e de defesa. Basta reiterar que o manual da
ESG é posterior à Constituição Federal promulgada em 1988... Apenas se
deve observar que doutrinar é ensinar alguém a fazer algo de acordo
com o ensinamento. Ou seja, uma
impregnação de atitudes visando a gerar comportamentos, segundo prescreve, grosso modo, a Psicologia Social.
A
Carta Magna
Longe de representar avanço, a Constituição
Federal de 1988, – até hoje festejada como um “primor democrático”, – na
verdade pouco avançou na segurança pública. Predominou, como sempre, o interesse de grupos dominantes (elite),
forjando-se um ordenamento jurídico-constitucional desconfiado, de roupagem
imperial e em conformidade com a doutrina da ESG anterior e posterior. Enfim,
nada mudou.
As contradições são aberrantes e indicam rumo
inverso daquele que prescreve a boa doutrina numa democracia de fato e de
direito. É, enfim, um sistema legal imposto do topo para a base, calcado em
premissas opressoras e destruidoras dos ideais de transformação da sociedade
brasileira. Em tudo e por tudo o capital venceu o trabalho, a propriedade
permaneceu mais importante que a honra e a dignidade da pessoa humana, num
pragmatismo perverso e impeditivo do progresso natural dos indivíduos.
Não há pressuposto defensor deste modelo
constitucional de segurança pública. Nas entrelinhas
constitucionais, os grilhões permaneceram e suas chaves continuam nas mãos dos
burocratas estatais, os mesmos de antes e depois, todos lotados em eternidade no
que a Carta Magna designa por instituições
democráticas. Ora, uma instituição
é uma organização com um fim a
alcançar. É formada por pessoas atuando segundo regras preestabelecidas. E, se
essas regras não forem democráticas (a começar pelas leis), as instituições jamais o serão.
A lei funciona como fator importantíssimo de
mudança, desde que manifeste a vontade popular (legalidade = legitimidade). Com base nela, as instituições democráticas buscam seus aprestos, e recursos humanos são
treinados no sentido de fazer valer o que está escrito. Mas, se a natureza do
povo for tendente ao conformismo, – e
é nosso caso, – no final acaba consagrando leis impróprias e vive-se uma ilusória
democracia. Por isso é imprescindível que o rumo de um povo em direção à democracia
inicie-se no seu Contrato Social: a
Carta Magna. Mas esta, brasileira, comete pecados conscientes no sentido
inverso da valorização do indivíduo enquanto membro de sociedade democrática e
civilizada. Voltemos, pois, aos grilhões supracitados, a começar pelo título constitucional
referente.
Como um portal de entrada rumo à desgraça lá
está o TÍTULO V: Da Defesa do Estado e
das Instituições Democráticas. Em seguida, – e em consonância com o título
imposto, – emerge em prioridade o poder
negativo[6]
(destruidor) do Estado e de suas instituições
democráticas: CAPÍTULO I: Do Estado
de Defesa e do Estado de Sítio; ou seja, dois dispositivos de exceção legal que se deveriam situar
como alternativas últimas, pois seus efeitos são catastróficos.
Na sequência, gravou-se o CAPÍTULO II: Das Forças Armadas. Relembrando Maquiavel: no primeiro
capítulo, a boa lei; no segundo, a boa arma. E no Art. 142, além da defesa da pátria, – suficiente num regime
democrático, – inseriram a possibilidade de ações referentes à garantia dos poderes constitucionais e,
por iniciativa de qualquer destes, da lei e da
ordem (grifo nosso).
Assim se garantiu o preparo das Forças Armadas
para a defesa interna (defesa de
poderes e não de cidadãos) em situação de exceção
legal convenientemente ajustada ao capítulo primeiro. E surge no último
vagão da locomotiva antidemocrática o CAPÍTULO
III: Da Segurança Pública. E logo no caput
a Lei Maior disse a que veio:
A segurança Pública, dever
do Estado, direito e responsabilidade de todos,
é exercida para a preservação da ordem pública
e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,
através dos seguintes órgãos: (...). (Grifos nossos)
Ressalvado o fato de que é
difícil inserir alguma incolumidade relativa à honra e à imagem das pessoas
nesta gravação constitucional, há no texto uma sutileza de difícil crença de
que não haja sido proposital. Fala-se apenas em preservação da ordem pública; omite-se a possibilidade de sua restauração, de modo a melhor esclarecer
em que ponto da desordem as Forças
Armadas interferirão, sendo certo que a gradação da desordem, – ressalvados os casos extremos de calamidades naturais
(fenômenos naturais) e artificiais (greves, revoluções, guerras etc.), – é a
partir de conflitos sociais plenamente controláveis pelo serviço policial e
pela força policial, a par de outras medidas antecedentes como a negociação com
manifestantes e grupos momentaneamente sublevados, geralmente desarmados.
Portanto, a preservação se mantém no
nível de poder local, e a restauração somente
dependerá de força federal ultima ratio.
Mas citar a preservação da ordem pública e omitir sua restauração evitou explicar a diferença
entre uma coisa e outra.
Também releva considerar a
expressão responsabilidade de todos.
Como? Quais são os instrumentos desses todos
para cumprir o dito constitucional? Como um favelado cercado de bandidos
armados arcará com sua responsabilidade?
Ora, isto é falácia, pois até mesmo os Estados-membros e os Municípios estão
cerceados em seus poderes e não podem cumprir com o dever nem com a responsabilidade
ditados pela Lei Maior em relação à segurança
pública.
Ora bem, a ordem pública material (o ser), além de se restaurar sozinha ou
por iniciativa isolada de cidadãos (aí sim, de acordo com o princípio da intersubjetividade), ainda conta com a
ação coercitiva do Estado-membro e dos Municípios, em alguns casos nem prevista
em lei (Poder de Polícia), embora se
punam os excessos. A ordem material,
portanto, antecede-se à lei (ordem formal).
A que ordem, então, se refere o caput do Art. 142 da Carta Magna? E a
que lei?
Explica-se, deste modo, a
centralização federal do poder de agir na segurança
pública, a começar pelo título constitucional, que focaliza a Defesa do Estado e das Instituições
Democráticas. O título, cá entre nós, não parece considerar o fato de que o
Poder do Estado é descentralizado e disseminado entre União, Estados-membros e Municípios,
demais dos micro-poderes, estatais ou
privados, que interagem em concordância ou conflito no cotidiano da convivência
social, sem que isto signifique desordem
pública a ser caracterizada e medida
pelo Estado. Mas enquanto a União pode tudo, os demais níveis de Poder do
Estado estão limitados em suas ações por um princípio de desconfiança que se
dissemina e afeta a sociedade brasileira no seu todo. Isto é, sem embargo,
resíduo autoritário, o que, aliás, tem origem nos tempos imperiais e precisa
ser urgentemente vencido.
Outra coisa: o que se quis
dizer com instituições democráticas?
Quem será capaz de definir com exatidão o que é uma instituição democrática? De quem é o direito ou a responsabilidade
de apontar o significado real da expressão? Seria a família uma instituição democrática? Ou a Escola? Ou
a Igreja? A Lei? Ou seria a Abin?...
Vamos ao Aurelião?
Instituição (u-i) [Do lat. institutione.]
Substantivo feminino.
1. Ato de instituir; criação, estabelecimento.
2. A coisa instituída ou estabelecida; instituto:
instituições legais.
3. Associação ou organização de caráter social,
educacional, religioso, filantrópico, etc.
4. (...)
5. Sociol. Estrutura decorrente de necessidades
sociais básicas, com caráter de relativa permanência, e identificável pelo
valor de seus códigos de conduta, alguns deles expressos em leis; instituto.
A questão é saber o que mudou institucionalmente no país após a abertura. No caso da segurança pública, jorraram uma cortina
de fumaça para manter o que antes existia. Nada mudou. As estruturas são as
mesmas e as Polícias Militares devem obediência ao Exército Brasileiro, que, inclusive,
exerce o controle de todas as armas de fogo apreendidas no país. Por quê? Será a
medo de governantes estaduais se sublevarem e aproveitarem essas armas para
distribuí-las à população? Qual será, na realidade, a verdadeira motivação da
União? Há exagero nosso? Então esmiúcem o Inciso XXI do Art. 22 da Carta Magna:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar
sobre:
XXI – normas gerais de organização, efetivos,
material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e
corpos de bombeiros militares.
Tornemos agora ao § 6º do Art. 144, que se integra
ao TÍTULO IV da Carta Magna:
As polícias militares e corpos de bombeiros
militares, forças auxiliares e reserva do Exército...
Nem mais é preciso para provar que os governantes
estaduais arcam com a elevada despesa das estruturas estaduais de
policiais-militares e bombeiros-militares, mas não podem flexioná-las livremente
com o fim de atender aos reais e multifacetados reclamos das populações
regionais no tocante à segurança pública.
Tudo passa pelo Poder Central e dele é dependente, menos a despesa... Era assim
antes e continua assim, ou seja, um grilhão constitucional a impedir que
autoridades públicas municipais e estaduais ajam para cumprir com o dever e a responsabilidade aludidos na Carta Magna.
Com efeito, é forma sutil de manutenção do foco cultural
na defesa interna, naqueles antagonismos e pressões, ou seja, nos óbices aos ONP mui bem descritos no referido Manual da ESG (1989), de texto
nitidamente ideológico. Isto se chama ambiguidade, mas que se mantém desnecessariamente,
já que, em situações de anormalidade extrema, e em regime de exceção legal, todas as forças podem e
devem ser acionadas, desde que haja vontade política. Ou então elas se
movimentarão como em 1964...
A questão crucial é que o sistema impropriamente
cristalizado na Carta Magna não está atendendo às reais necessidades da
sociedade brasileira em relação à violência e ao crime, fatores sociais sempre
cobrados dos governantes estaduais, e estes, impossibilitados de flexionar suas
estruturas de segurança pública para lograr êxito contra esse tipo de calamidade social, ficam apenas
tentando curar fratura exposta com esparadrapo. Claro que tudo tem a ver com os
ditames constitucionais cujo foco não é seguramente o Cidadão Brasileiro nem a
Sociedade Brasileira, mas a Defesa do
Estado e das Instituições Democráticas.
Aliás, o desprezo pela democracia e o descuido dos
legisladores constituintes atingiram o cúmulo de se gravar na Lei Maior um dos
mais aberrantes sofismas doutrinários, conforme se infere do § 5º do Art. 144:
Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a
preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das
atribuições definidas em lei, incumbe a
execução de atividades de defesa civil. (grifos nossos)
Ó Deus! Reduzir a execução de atividades de defesa
civil a Corpos de Bombeiros é inequívoca prova de que os constituintes não se
importaram ou desconheciam o assunto. Pois a defesa civil é tão complexa que jamais se poderá resumir a esta
redundância constitucional; demais disso, errônea. Ora, é claro que aos Corpos
de Bombeiros incumbe a execução de atividades
de defesa civil, assim como a todos os organismos governamentais em seus
três níveis de poder do Estado (União, Estados-membros e Municípios), dentre
muitas outras instituições nacionais e internacionais (governamentais ou
particulares) que se movimentam para socorrer populações atingidas por
calamidades em tempos de paz ou de guerra. E muitas calamidades, por sua
natureza, às vezes nem requerem ação de bombeiros.
Na realidade, a defesa
civil num sistema democrático é tão imprescindível que deveria possuir
estrutura ministerial, assim como os Estados-membros e os Municípios se
deveriam organizar de modo idêntico. Mas misturar atividades típicas de
bombeiro-militar com as de defesa civil
como se as segundas fossem mero remate das primeiras, é simplesmente absurdo!
Porque é certo que as atividades básicas de bombeiro-militar apenas se integram
ao imenso rol de atividades de defesa civil executadas por tudo que é
órgão público ou particular em vista de calamidades, muitas das quais não
guardam qualquer vínculo, nem indireto, com a nobre missão dos bombeiros.
Este incompleto esforço conceitual tem por escopo
demonstrar a necessidade de se mudar o sistema
de segurança pública a partir de Emenda Constitucional que coloque os bois
na frente da carroça. Não é caso de apresentar nenhum modelo estrutural. Isto deve ser discutido entre
políticos, juristas, universidades, cientistas sociais e demais instituições democráticas de todos os
naipes. Vai aqui, na verdade, apenas uma sugestão conjuntural: que o TÍTULO IV da Carta Magna seja: Da Defesa do Cidadão e da Sociedade
Brasileira!... Que o foco primeiro desta defesa se situe nos cidadãos detentores de direitos, e depois nas
instituições que os servem, permitindo-lhes possuir e manejar os aprestos
necessários ao cumprimento integral dos ditames constitucionais!... Que os
deveres dos cidadãos e as situações de exceção
legal sejam grafados nos derradeiros artigos do último capítulo! Que se
institua uma doutrina de segurança pública
extramuros de quartéis por iniciativa da Sociedade Civil!
Releva, por derradeiro, considerar a possibilidade
(por que não?) de Municípios, como ocorre com os Estados-membros e a União, se subdividirem
em três poderes, instituindo-se sistemas municipais completos de segurança pública (delegados,
promotores, juízes, presídios etc.) para controlar a violência e o crime a
partir do munícipe.
Basta ser nacional, como de fato é, o imperativo das
Leis Penais e Processuais Penais, o que igualmente ocorre com os demais ramos
do direito. Nada, portanto, impede que muitos Municípios sejam incluídos no
sistema segundo regras preestabelecidas na Constituição da República e em Leis Federais. O
resto é ensinar corretamente (doutrinar) no sentido de consolidar um Sistema Nacional de Segurança Pública plural,
democrático e globalístico. Afinal, ninguém tem o direito de desconfiar de
ninguém, e democracia se faz da base para o topo, do Cidadão para a Sociedade,
e desta para o Estado, que é (ou deveria ser) apenas um eficiente e eficaz agente
a serviço do povo brasileiro.
*EMIR LARANGEIRA é Tenente-Coronel RR da PMERJ,
possuidor de todos os cursos de Formação e Aperfeiçoamento no âmbito
corporativo (CFSD, EsFO, CAO e CSP), demais de outros cursos de especialização
em instituições coirmãs (Polícia Federal, Academia de Polícia Civil do antigo
RJ, Marinha de Guerra). Dentre muitas atribuições ao longo da carreira, foi
Chefe da 5ª Seção do EMG da PMERJ (Relações Públicas), Instrutor de Emprego
Tático de Unidades Especiais na EsFO e Comandante do Nono Batalhão da PMERJ na
Zona Norte do Rio. É Bacharel em Ciências Administrativas e Escritor de Ficção
Literária com nove livros publicados.
2. Dicionário Eletrônico Aurélio. Positivo Informática
Ltda. 2004.
[6]. Foucault, Michel. Microfísica do Poder. 18º edição. GRAAL.
2003. Rio de Janeiro (Do texto introdutório de Roberto Machado, p. XVI).
Um comentário:
CARO COMPANHEIRO EMIR LARANGEIRA- TENENTE CORONEL PMERJ RR
PARABÉNS PELO TRABALHO,TEXTO CONCEITUAL TÉCNICO PROFISIONAL,QUE TRATA DA SEGURANÇA PÚBLICA.
SE EU FOSSE COMANDANTE GERAL ADOTAVA ESTE TEXTO COMO DIRETRIZ OU NOTA DE INSTRUÇÃO.
SAUDAÇÕES
PAULO FONTES TENENTE CORONEL PMERJ RR
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