quinta-feira, 24 de maio de 2018

A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL - (TEXTO CONCEITUAL)


Por Emir Larangeira*

Introdução


Quando lidamos com textos oficiais devemos atentamente observar seu conteúdo denotativo, porém cônscios de que ninguém, nem mesmo formalmente, escreve sem intenção de influenciar. Com efeito, os signos linguísticos sempre nos levam a inferir significantes e significados, que compõem a unidade linguística, inclusive nos permitindo interpretá-los por comparação com outras línguas. Para tanto, estudiosos se esforçam no sentido de preservar a linguagem oral e escrita, destarte garantindo a unidade cultural de um povo e/ou de povos afins, sem, entretanto, prejudicar a licença poética, transgressão típica da arte literária. Contudo, na elaboração de leis e outros documentos formais é imprescindível haver uma linguagem maximamente literal, sob pena de se instituir interpretações dúbias e, por vezes, até perigosas. Esta é a razão em virtude da qual devemo-nos acautelar na redação ou leitura de textos oficiais, mas, não obstante a cautela, eles nem sempre traduzem uma literalidade ótima.
Na verdade, há sempre uma conjunção de interesses influenciando letras, palavras, pontos e vírgulas, culminando por nos condicionar em demasia à interpretação do Judiciário. Não significa, porém, que todas as conclusões judiciais resultem ajustadas à intenção original do legislador. Por outro lado, armadilhas legislativas muitas vezes se mantêm na forma cística para emergirem em hora própria (ou imprópria), cabendo ao poder dominante a palavra final, geralmente afastada da vontade de cidadãos livres e do bem comum. Enfim, prevalece a autoridade do ter sobre a autoridade do ser, predominando o muque em vez da vontade do povo. Isto não é salutar em nenhum regime que se diz democrático ou que pretenda sê-lo... Ora bem, feito o introito, vamos ao desenrolar da ideia.

aspectos constitucionais da segurança pública

Do generalíssimo campo da segurança, desde o concerto entre nações amigas com vistas à segurança coletiva, ou em prol dos interesses nacionais com a segurança externa, ou adentrando a segurança nacional, enfim, fugindo dos cenários internacional e nacional (topo) para os regionais e locais (base), prender-se-á o foco apenas na segurança pública, sendo certo, porém, que existe uma segurança pública nacional, embora no Brasil seja incipiente o seu valor globalístico (o todo maior que a soma das partes).
Com efeito, esclarece-nos a doutrina da ordem pública que a segurança pública (garantia da ordem pública) é o somatório globalístico das seguranças individual e comunitária, ambas situadas no contexto da ordem pública material (o ser da convivência social) e/ou da ordem pública formal (dever ser), o que remete aos cidadãos a segurança pública como um direito a ser provido pelo Estado, antes de lhes ser responsabilidade, como prescreve a Constituição Federal (Art. 144, caput).
A segurança pública não deve ser concebida a partir do aspecto negativo do Poder do Estado (repressão por via de força destrutiva, já que o Estado é detentor do monopólio do uso da força), mas por seu aspecto positivo, ou seja, o de um Estado transformador de atitudes e comportamentos sociais compatíveis com os direitos e garantias individuais e fomentador do desenvolvimento num clima de paz e harmonia.
Embora a nossa idéia seja focalizar esta sucinta reflexão no cidadão munícipe, é primordial situar a ordem pública como um bem nacional, abrangendo todas as nuances da vida em sociedade, excluindo-se os fatores de segurança interna, – e de garantia da ordem interna, – situação de gravidade que pode alcançar o perigoso estágio de exceção legal. Porque a preservação da ordem pública não se resume à coibição da desordem, mas antes idealiza uma situação de paz, harmonia e igualdade na convivência social, sob a égide dos direitos universais da pessoa humana, sem a necessidade de intervenção estatal para fazê-los respeitados.
A ordem pública material (o ser) é deveras importante. Num entendimento rudimentar, é só imaginar a mãe que, ao perceber ou ser informada sobre a possibilidade da ocorrência de chuva, coloca um abrigo na mochila do filho que vai à escola. A chuva ocorre de caminho, o filho veste o abrigo e a proteção lembrada pela mãe evita que ele se resfrie; daí, com esta simples prevenção familiar, a mãe evita que seja acionado um sistema de saúde que, se particular, acarretará desordem no orçamento familiar; se público, este será sobrecarregado em virtude de um mal que poderia ser evitado. Nada disso tem a ver com lei alguma (dever ser), mas se integra à acepção material da ordem pública.
Ignorando-se os preconceitos (semânticos, políticos, ideológicos, dogmáticos etc.) ainda absurdamente verificados na prática da segurança pública no Brasil, a verdade é que há uma aberrante dissonância entre a boa doutrina (ora inexistente) e a lei vigente (atualmente imprópria). Pois não é possível, como se deduz da Constituição Federal, praticar o que prescreve a hodierna doutrina de ordem pública neste país que se intitula democrático, mas está longe de o ser.
Seguindo esta lógica, – e para provocar uma reflexão particular, – vale sublinhar o manancial doutrinário da Escola Superior de Guerra, com a ressalva de que muitos administrativistas pátrios colaboraram na formulação desse corpus doutrinário, conforme demonstra vasta bibliografia citada em Manual Doutrinário da ESG datado de 1989[4], ou seja, depois de promulgada a Carta Magna:

Na medida em que uma doutrina busca oferecer uma interpretação dos fatos e orientação para a ação, ela corresponde a uma padronização de relações intersubjetivas e de significados que, ao mesmo tempo, condiciona a forma pela qual a realidade é percebida e fornece prescrições acerca do modo pelo qual as ações se devem dirigir à modificação desta realidade... (grifos nossos).

Deve-se realçar o significado de intersubjetivo, adjetivo filosófico atribuído a Hegel (de difícil padronização, por sinal). Vejam o que diz o Aurelião2:

1. Que se passa entre sujeitos diversos. 2. Filos. Relativo a fenômenos individuais e subjetivos que são socialmente produzidos através do auto-reconhecimento de cada sujeito em cada um dos outros, como ocorre, por exemplo, na criação de identidades culturais.

Significa, pois, intersubjetividade, a busca individual de um padrão de conduta a partir de valores éticos (neles englobados as leis, a moral e os costumes) internalizados por cada indivíduo diante do espelho, para depois esse indivíduo se somar aos que concordam com os mesmos valores, tornando-os cultura natural de todos, o que ressalta a importância da individualidade e reforça a idéia de que a ordem pública material sobreleva numa sociedade civilizada, pois depende pouco da imposição de poderes negativos por parte do Estado.
Informa-nos a ESG3 que segurança é uma necessidade e um direito inalienável, reportando-se inclusive à Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigos 3º e 7º, respectivamente: Todo indivíduo tem direito à segurança de sua pessoa; e todos têm o direito de ser protegidos.
Não há dúvida de que o primeiro foco da segurança é o indivíduo singularmente considerado e depois convivendo em comunidades (segundo foco). A partir deste ponto serão iluminados alguns conceitos que vinculam a ordem pública à segurança pública, e esta à defesa pública. Ainda escorado no Direito Administrativo da Ordem Pública, destaca-se o conceito operativo gravado pelo eminente administrativista e professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

                         Ordem pública, objeto da segurança pública, é a situação de convivência pacífica e                       harmoniosa da população, fundada nos princípios éticos vigentes na sociedade. (grifo nosso).

Na medida em que a ordem pública é objeto da segurança pública, conclui-se que a segurança pública é o sujeito de sua garantia; segurança que, por sua vez, só se materializa a partir do ato, que é a defesa pública, poder instrumental do Estado geralmente de concepção negativa: coerção com o fim de preservar ou restaurar a ordem pública.
Tornando ao Manual da ESG4 [5]vale sublinhar os conceitos de segurança pública e de defesa pública:

Segurança Pública é a garantia que o Estado proporciona à Nação, a fim de assegurar a Ordem Pública. (grifo nosso).

Defesa Pública é o conjunto de atitudes, medidas e ações adotadas para garantir o cumprimento das leis, de modo a evitar, impedir ou eliminar a prática de atos que perturbem a Ordem Pública. (grifo nosso).

O objetivo desta digressão é deixar claro, a uma, que o foco da segurança pública é a Nação, que é, em síntese, povo politicamente organizado. O Estado, portanto, deve ao povo o serviço para o qual foi criado e de quem recebeu delegação para cumprir sua função-síntese, que se poderia resumir no binômio gravado no Pavilhão Nacional: Ordem e Progresso.
Enfim, a segurança pública, como garantia da ordem pública, tem no cidadão a sua célula primordial (segurança individual), na família o seu tecido, e na comunidade o seu corpo social (segurança comunitária). É, portanto, um processo que funciona da base para o topo da pirâmide.
A partir desta constatação, fruto de exaustivos estudos envolvendo uma gama de conhecimentos de Ciências Sociais, incluindo-se a Filosofia, demais da História das Sociedades através dos tempos, o mundo ocidental ajusta-se a uma ordem minimamente negativa e maximamente incentivadora do progresso, ressalvadas as exceções dos regimes tiranos e de quaisquer ideologias cerceadoras de direitos e liberdades individuais.
A segurança pública num regime democrático é ou deveria ser posta como um direito voltado para o alcance do bem-estar e da felicidade dos cidadãos. Portanto, tudo que interfira no sentido inverso desta ordem desejada deve ser controlado, reorientado e, por fim, sem mais alternativa, reprimido pelo Estado por delegação da sociedade. Quanto maior for a situação de felicidade e bem-estar de um povo, menor será a repressão, caminho ideal senão único dos que almejam integrar-se a uma sociedade efetivamente civilizada. O resto é pura retórica de terceiro-mundistas, dentre os quais, infelizmente, destaca-se o Brasil.
É forçoso sublinhar a definição de defesa pública contida no manancial doutrinário das ESG5 após a promulgação da Constituinte de 1888. A própria ESG diferencia conceitualmente o alcance da segurança (amplo, completo e mais atual que o de defesa). Dentro desta lógica conceitual, o manual segue em sua doutrinação sublinhando-se o general Lyra Tavares, em 1966, a distinguir os dois termos:

A Defesa se organiza com o fim especial de repelir um ataque previsto, ao passo que a Segurança, no sentido em que a encaramos, é estabelecida como cobertura integral a qualquer tipo de ameaça que ela própria – na Segurança – torna inoperante e desencoraja.

E sintetiza:

Segurança é um estado, ao passo que Defesa é um ato diretamente ligado a determinado tipo de ameaça caracterizada e medida. (Grifos nossos).

O marechal Castello Branco, em 1967, salientou o plano mais amplo e elevado da segurança:

O conceito tradicional de Defesa Nacional coloca mais ênfase sobre os aspectos militares da Segurança e, correlatamente, sobre os problemas de agressão externa. A noção de Segurança é mais abrangente. Compreende, por assim dizer, a defesa global das instituições, incorporando, por isso, os aspectos psicossociais, a preservação do Desenvolvimento e da estabilidade política interna; além disso, o conceito de Segurança, muito mais explicitamente o de Defesa, toma em linha de conta a agressão interna, corporificada na infiltração e subversão ideológica... (Grifos nossos).

Neste ponto, sobreleva considerar que logo na introdução o referido manual, ao definir doutrina, entre outras afirmações correlatas assegura:

(...) Assim, a Doutrina representa ideias básicas que visam a imprimir normas à conduta humana nos diversos setores em que atua. Nesse sentido, é um sistema de dever ser e incorpora um propósito normativo, além de condicionar as ações individuais e coletivas. (Grifos nossos e dos autores).

Já neste ponto é desnecessário aprofundar nossos significados de doutrina e de defesa. Basta reiterar que o manual da ESG é posterior à Constituição Federal promulgada em 1988... Apenas se deve observar que doutrinar é ensinar alguém a fazer algo de acordo com o ensinamento. Ou seja, uma impregnação de atitudes visando a gerar comportamentos, segundo prescreve, grosso modo, a Psicologia Social.


A Carta Magna


Longe de representar avanço, a Constituição Federal de 1988, – até hoje festejada como um “primor democrático”, – na verdade pouco avançou na segurança pública. Predominou, como sempre, o interesse de grupos dominantes (elite), forjando-se um ordenamento jurídico-constitucional desconfiado, de roupagem imperial e em conformidade com a doutrina da ESG anterior e posterior. Enfim, nada mudou.
As contradições são aberrantes e indicam rumo inverso daquele que prescreve a boa doutrina numa democracia de fato e de direito. É, enfim, um sistema legal imposto do topo para a base, calcado em premissas opressoras e destruidoras dos ideais de transformação da sociedade brasileira. Em tudo e por tudo o capital venceu o trabalho, a propriedade permaneceu mais importante que a honra e a dignidade da pessoa humana, num pragmatismo perverso e impeditivo do progresso natural dos indivíduos.
Não há pressuposto defensor deste modelo constitucional de segurança pública. Nas entrelinhas constitucionais, os grilhões permaneceram e suas chaves continuam nas mãos dos burocratas estatais, os mesmos de antes e depois, todos lotados em eternidade no que a Carta Magna designa por instituições democráticas. Ora, uma instituição é uma organização com um fim a alcançar. É formada por pessoas atuando segundo regras preestabelecidas. E, se essas regras não forem democráticas (a começar pelas leis), as instituições jamais o serão.
A lei funciona como fator importantíssimo de mudança, desde que manifeste a vontade popular (legalidade = legitimidade). Com base nela, as instituições democráticas buscam seus aprestos, e recursos humanos são treinados no sentido de fazer valer o que está escrito. Mas, se a natureza do povo for tendente ao conformismo, – e é nosso caso, – no final acaba consagrando leis impróprias e vive-se uma ilusória democracia. Por isso é imprescindível que o rumo de um povo em direção à democracia inicie-se no seu Contrato Social: a Carta Magna. Mas esta, brasileira, comete pecados conscientes no sentido inverso da valorização do indivíduo enquanto membro de sociedade democrática e civilizada. Voltemos, pois, aos grilhões supracitados, a começar pelo título constitucional referente.
Como um portal de entrada rumo à desgraça lá está o TÍTULO V: Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas. Em seguida, – e em consonância com o título imposto, – emerge em prioridade o poder negativo[6] (destruidor) do Estado e de suas instituições democráticas: CAPÍTULO I: Do Estado de Defesa e do Estado de Sítio; ou seja, dois dispositivos de exceção legal que se deveriam situar como alternativas últimas, pois seus efeitos são catastróficos.
Na sequência, gravou-se o CAPÍTULO II: Das Forças Armadas. Relembrando Maquiavel: no primeiro capítulo, a boa lei; no segundo, a boa arma. E no Art. 142, além da defesa da pátria, – suficiente num regime democrático, – inseriram a possibilidade de ações referentes à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem (grifo nosso).
Assim se garantiu o preparo das Forças Armadas para a defesa interna (defesa de poderes e não de cidadãos) em situação de exceção legal convenientemente ajustada ao capítulo primeiro. E surge no último vagão da locomotiva antidemocrática o CAPÍTULO III: Da Segurança Pública. E logo no caput a Lei Maior disse a que veio:

A segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (...). (Grifos nossos)

Ressalvado o fato de que é difícil inserir alguma incolumidade relativa à honra e à imagem das pessoas nesta gravação constitucional, há no texto uma sutileza de difícil crença de que não haja sido proposital. Fala-se apenas em preservação da ordem pública; omite-se a possibilidade de sua restauração, de modo a melhor esclarecer em que ponto da desordem as Forças Armadas interferirão, sendo certo que a gradação da desordem, – ressalvados os casos extremos de calamidades naturais (fenômenos naturais) e artificiais (greves, revoluções, guerras etc.), – é a partir de conflitos sociais plenamente controláveis pelo serviço policial e pela força policial, a par de outras medidas antecedentes como a negociação com manifestantes e grupos momentaneamente sublevados, geralmente desarmados. Portanto, a preservação se mantém no nível de poder local, e a restauração somente dependerá de força federal ultima ratio. Mas citar a preservação da ordem pública e omitir sua restauração evitou explicar a diferença entre uma coisa e outra.
Também releva considerar a expressão responsabilidade de todos. Como? Quais são os instrumentos desses todos para cumprir o dito constitucional? Como um favelado cercado de bandidos armados arcará com sua responsabilidade? Ora, isto é falácia, pois até mesmo os Estados-membros e os Municípios estão cerceados em seus poderes e não podem cumprir com o dever nem com a responsabilidade ditados pela Lei Maior em relação à segurança pública.
Ora bem, a ordem pública material (o ser), além de se restaurar sozinha ou por iniciativa isolada de cidadãos (aí sim, de acordo com o princípio da intersubjetividade), ainda conta com a ação coercitiva do Estado-membro e dos Municípios, em alguns casos nem prevista em lei (Poder de Polícia), embora se punam os excessos. A ordem material, portanto, antecede-se à lei (ordem formal). A que ordem, então, se refere o caput do Art. 142 da Carta Magna? E a que lei?
Explica-se, deste modo, a centralização federal do poder de agir na segurança pública, a começar pelo título constitucional, que focaliza a Defesa do Estado e das Instituições Democráticas. O título, cá entre nós, não parece considerar o fato de que o Poder do Estado é descentralizado e disseminado entre União, Estados-membros e Municípios, demais dos micro-poderes, estatais ou privados, que interagem em concordância ou conflito no cotidiano da convivência social, sem que isto signifique desordem pública a ser caracterizada e medida pelo Estado. Mas enquanto a União pode tudo, os demais níveis de Poder do Estado estão limitados em suas ações por um princípio de desconfiança que se dissemina e afeta a sociedade brasileira no seu todo. Isto é, sem embargo, resíduo autoritário, o que, aliás, tem origem nos tempos imperiais e precisa ser urgentemente vencido.
Outra coisa: o que se quis dizer com instituições democráticas? Quem será capaz de definir com exatidão o que é uma instituição democrática? De quem é o direito ou a responsabilidade de apontar o significado real da expressão? Seria a família uma instituição democrática? Ou a Escola? Ou a Igreja? A Lei? Ou seria a Abin?... Vamos ao Aurelião?

Instituição (u-i) [Do lat. institutione.]
Substantivo feminino.
1. Ato de instituir; criação, estabelecimento.
2. A coisa instituída ou estabelecida; instituto: 
instituições legais.

3. Associação ou organização de caráter social, educacional, religioso, filantrópico, etc.
4. (...)
5. Sociol. Estrutura decorrente de necessidades sociais básicas, com caráter de relativa permanência, e identificável pelo valor de seus códigos de conduta, alguns deles expressos em leis; instituto.

A questão é saber o que mudou institucionalmente no país após a abertura. No caso da segurança pública, jorraram uma cortina de fumaça para manter o que antes existia. Nada mudou. As estruturas são as mesmas e as Polícias Militares devem obediência ao Exército Brasileiro, que, inclusive, exerce o controle de todas as armas de fogo apreendidas no país. Por quê? Será a medo de governantes estaduais se sublevarem e aproveitarem essas armas para distribuí-las à população? Qual será, na realidade, a verdadeira motivação da União? Há exagero nosso? Então esmiúcem o Inciso XXI do Art. 22 da Carta Magna:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

XXI – normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Tornemos agora ao § 6º do Art. 144, que se integra ao TÍTULO IV da Carta Magna:

As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército...

Nem mais é preciso para provar que os governantes estaduais arcam com a elevada despesa das estruturas estaduais de policiais-militares e bombeiros-militares, mas não podem flexioná-las livremente com o fim de atender aos reais e multifacetados reclamos das populações regionais no tocante à segurança pública. Tudo passa pelo Poder Central e dele é dependente, menos a despesa... Era assim antes e continua assim, ou seja, um grilhão constitucional a impedir que autoridades públicas municipais e estaduais ajam para cumprir com o dever e a responsabilidade aludidos na Carta Magna.
Com efeito, é forma sutil de manutenção do foco cultural na defesa interna, naqueles antagonismos e pressões, ou seja, nos óbices aos ONP mui bem descritos no referido Manual da ESG (1989), de texto nitidamente ideológico. Isto se chama ambiguidade, mas que se mantém desnecessariamente, já que, em situações de anormalidade extrema, e em regime de exceção legal, todas as forças podem e devem ser acionadas, desde que haja vontade política. Ou então elas se movimentarão como em 1964...
A questão crucial é que o sistema impropriamente cristalizado na Carta Magna não está atendendo às reais necessidades da sociedade brasileira em relação à violência e ao crime, fatores sociais sempre cobrados dos governantes estaduais, e estes, impossibilitados de flexionar suas estruturas de segurança pública para lograr êxito contra esse tipo de calamidade social, ficam apenas tentando curar fratura exposta com esparadrapo. Claro que tudo tem a ver com os ditames constitucionais cujo foco não é seguramente o Cidadão Brasileiro nem a Sociedade Brasileira, mas a Defesa do Estado e das Instituições Democráticas.
Aliás, o desprezo pela democracia e o descuido dos legisladores constituintes atingiram o cúmulo de se gravar na Lei Maior um dos mais aberrantes sofismas doutrinários, conforme se infere do § 5º do Art. 144:

Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. (grifos nossos)

Ó Deus! Reduzir a execução de atividades de defesa civil a Corpos de Bombeiros é inequívoca prova de que os constituintes não se importaram ou desconheciam o assunto. Pois a defesa civil é tão complexa que jamais se poderá resumir a esta redundância constitucional; demais disso, errônea. Ora, é claro que aos Corpos de Bombeiros incumbe a execução de atividades de defesa civil, assim como a todos os organismos governamentais em seus três níveis de poder do Estado (União, Estados-membros e Municípios), dentre muitas outras instituições nacionais e internacionais (governamentais ou particulares) que se movimentam para socorrer populações atingidas por calamidades em tempos de paz ou de guerra. E muitas calamidades, por sua natureza, às vezes nem requerem ação de bombeiros.
Na realidade, a defesa civil num sistema democrático é tão imprescindível que deveria possuir estrutura ministerial, assim como os Estados-membros e os Municípios se deveriam organizar de modo idêntico. Mas misturar atividades típicas de bombeiro-militar com as de defesa civil como se as segundas fossem mero remate das primeiras, é simplesmente absurdo! Porque é certo que as atividades básicas de bombeiro-militar apenas se integram ao imenso rol de atividades de defesa civil executadas por tudo que é órgão público ou particular em vista de calamidades, muitas das quais não guardam qualquer vínculo, nem indireto, com a nobre missão dos bombeiros.


 Conclusão

Este incompleto esforço conceitual tem por escopo demonstrar a necessidade de se mudar o sistema de segurança pública a partir de Emenda Constitucional que coloque os bois na frente da carroça. Não é caso de apresentar nenhum modelo estrutural. Isto deve ser discutido entre políticos, juristas, universidades, cientistas sociais e demais instituições democráticas de todos os naipes. Vai aqui, na verdade, apenas uma sugestão conjuntural: que o TÍTULO IV da Carta Magna seja: Da Defesa do Cidadão e da Sociedade Brasileira!... Que o foco primeiro desta defesa se situe nos cidadãos detentores de direitos, e depois nas instituições que os servem, permitindo-lhes possuir e manejar os aprestos necessários ao cumprimento integral dos ditames constitucionais!... Que os deveres dos cidadãos e as situações de exceção legal sejam grafados nos derradeiros artigos do último capítulo! Que se institua uma doutrina de segurança pública extramuros de quartéis por iniciativa da Sociedade Civil!
Releva, por derradeiro, considerar a possibilidade (por que não?) de Municípios, como ocorre com os Estados-membros e a União, se subdividirem em três poderes, instituindo-se sistemas municipais completos de segurança pública (delegados, promotores, juízes, presídios etc.) para controlar a violência e o crime a partir do munícipe.
Basta ser nacional, como de fato é, o imperativo das Leis Penais e Processuais Penais, o que igualmente ocorre com os demais ramos do direito. Nada, portanto, impede que muitos Municípios sejam incluídos no sistema segundo regras preestabelecidas na Constituição da República e em Leis Federais. O resto é ensinar corretamente (doutrinar) no sentido de consolidar um Sistema Nacional de Segurança Pública plural, democrático e globalístico. Afinal, ninguém tem o direito de desconfiar de ninguém, e democracia se faz da base para o topo, do Cidadão para a Sociedade, e desta para o Estado, que é (ou deveria ser) apenas um eficiente e eficaz agente a serviço do povo brasileiro.


*EMIR LARANGEIRA é Tenente-Coronel RR da PMERJ, possuidor de todos os cursos de Formação e Aperfeiçoamento no âmbito corporativo (CFSD, EsFO, CAO e CSP), demais de outros cursos de especialização em instituições coirmãs (Polícia Federal, Academia de Polícia Civil do antigo RJ, Marinha de Guerra). Dentre muitas atribuições ao longo da carreira, foi Chefe da 5ª Seção do EMG da PMERJ (Relações Públicas), Instrutor de Emprego Tático de Unidades Especiais na EsFO e Comandante do Nono Batalhão da PMERJ na Zona Norte do Rio. É Bacharel em Ciências Administrativas e Escritor de Ficção Literária com nove livros publicados.


1. Estado-Maior das FFAA. Escola Superior de Guerra (ESG). DOUTRINA. Rio de Janeiro, 1989.
2. Dicionário Eletrônico Aurélio. Positivo Informática Ltda. 2004.

3. Ibidem 1.
4. Ibidem 1.
5. Ibidem 1.
[6]. Foucault, Michel. Microfísica do Poder. 18º edição. GRAAL. 2003. Rio de Janeiro (Do texto introdutório de Roberto Machado, p. XVI).


Um comentário:

  1. CARO COMPANHEIRO EMIR LARANGEIRA- TENENTE CORONEL PMERJ RR
    PARABÉNS PELO TRABALHO,TEXTO CONCEITUAL TÉCNICO PROFISIONAL,QUE TRATA DA SEGURANÇA PÚBLICA.
    SE EU FOSSE COMANDANTE GERAL ADOTAVA ESTE TEXTO COMO DIRETRIZ OU NOTA DE INSTRUÇÃO.
    SAUDAÇÕES
    PAULO FONTES TENENTE CORONEL PMERJ RR

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