Daniel Edler Duarte*
Poucos
projetos de segurança pública capturaram o imaginário carioca e nutriram tantas
controvérsias como as Unidades de Polícia Pacificadora. Se a proposta de
ocupação de territórios sob domínio do crime organizado ganhou rapidamente status
de boa-prática policial, sendo apontada como possível modelo para redução da violência em
outras metrópoles do Sul Global, também não demoraram a surgir denúncias contra
seu caráter militaresco e contra o foco da “doutrina da pacificação” em áreas de especial interesse
para o capital privado. Apesar das acusações contundentes, vozes dissonantes
foram por um tempo marginalizadas e mesmo políticos de esquerda e ativistas de
direitos humanos chegaram a manifestar apoio ao projeto. O sucesso inicial das
UPPs rendeu a José Mariano Beltrame, então-secretário de segurança pública,
amplo reconhecimento, tornando-o também figura central nos governos do PMDB. O
cenário atual, no entanto, é bem diferente, com críticas generalizadas mesmo
entre os entusiastas de outrora. A crise é tamanha, que em declaração recente,
Roberto Sá, sucessor de Beltrame, lançou uma sombra sobre o futuro do programa.
Em suas palavras, “A UPP foi uma tentativa ousada
demais do governo estadual com o instrumento que ele tinha de segurança pública
local. […] Talvez estejamos pagando um preço caro por essa tentativa de levar a paz a todas as áreas, inclusive as mais carentes”.
De fato,
a capa do Globo do dia 30 de abril de 2017 –
repercutindo estudo da DAPP/FGV que aponta para a volta dos
índices de criminalidade a patamares que não víamos há uma década – e a série
de reportagens do RJTV sobre os confrontos diários no
Complexo do Alemão deram vulto a um movimento cada vez mais significativo pela
construção de novas agendas de segurança pública. Nas últimas semanas, se
multiplicaram entrevistas, editoriais e colunas dando conta da necessidade de “repensar” o que foi feito desde 2008 e
corroborando a tese sobre o “desmantelamento” da política de pacificação.
Apesar da SESEG garantir que ainda “não há intenção de
interromper o programa”, o diagnóstico sobre seu fracasso é praticamente um consenso entre os
cariocas, a ponto de policiais e pesquisadores da área falarem abertamente
sobre o fim das UPPs.
Há um
rico debate acerca do impacto do programa de pacificação, que passa por sua
viabilidade como política de segurança pública e pelo papel de policiais como
principais articuladores do Estado nas favelas. Desde o início estava claro que
o projeto não poderia ser universalizado e que algumas áreas privilegiadas
seriam escolhidas. Além disso, efeitos negativos da instalação das UPPs sobre a
qualidade de vida da população local foram logo identificados. Se os residentes
não precisavam conviver diariamente com o risco da troca de tiros, após a
ocupação policial viam um salto enorme no custo de moradia. Há indícios claros
de que a UPP abriu as portas para a gentrificação de muitas favelas, levando
antigos moradores a procurar alternativas em outras regiões (i.e. aqui, aqui e aqui). O convívio diário com a
polícia também gerou atritos, que frequentemente terminavam com denúncias
contra abusos dos agentes da lei. A proibição de bailes
funk, apesar
de defendida por parte
das comunidades, virou
um símbolo do autoritarismo da PMERJ. Alguns críticos chegaram a apontar as
UPPs como o ápice da militarização de áreas
pobres, afirmando
que a pacificação era a contrapartida necessária para os
projetos “neoliberais” de intervenção urbana no Rio dos megaeventos. Em outras palavras, uma
cidade cada vez mais desigual, para se manter estável, precisaria de uma polícia cada vez mais
repressiva, o que
se materializou com a construção de um “Estado de exceção” nas
favelas
ocupadas.
Ressalvas
também foram feitas por aqueles que afirmavam que as UPPs concentrariam
recursos antes distribuídos entre batalhões e demais unidades policiais. Dentro
da corporação, muitos acreditavam que a UPP era “leve demais” e que os novatos
alocados em comunidades pacificadas não teriam experiência para trabalhar em
outras áreas. Não foram poucos os que apontaram que se tratava de uma política
fadada ao fracasso, já que não prendia bandidos durante o processo de ocupação
e permitia a ação do tráfico de drogas mesmo após a tomada do território. Em
conversas com PMs no âmbito de minha pesquisa do doutorado, ouvi diversas vezes
o argumento de que as UPPs teriam se tornado “seguranças de boca de fumo”,
deixando que o tráfico funcione sem o receio de invasões. São comuns também
afirmações de não seria papel da PM abraçar crianças ou dançar com jovens em
festas de debutantes, estratégias adotadas para aproximar os policiais das
comunidades patrulhadas.
Por outro
lado, alguns avanços são inegáveis. Embora as contrapartidas em investimentos
sociais tenham ficado muito aquém do prometido, o fim das incursões policiais e
disputas entre o tráfico de drogas contribuiu, por exemplo, para a melhoria do desempenho
escolar. Favelas
foram incluídas no circuito turístico da cidade e na vida social das classes
médias e altas, o que – apesar das
controvérsias – gerou
rápido crescimento do número de pequenos empreendedores, abriu postos de
trabalho e levou mais dinamismo à
economia local.
Diversos estudos indicam que há impacto direto das UPPs na redução de
homicídios e até na melhoria na percepção da legitimidade policial (i.e. aqui, aqui, aqui, aqui, e aqui). Na capital, a letalidade
violenta chegou a cair de 54.3 (por 100 mil habitantes), em 2007, para 24, em
2014. Mesmo se considerarmos o possível efeito de espalhamento da mancha
criminal, todas as regiões do estado apresentaram em 2016 números mais baixos do
que em 2007. Desde
sua implementação, estima-se que o programa tenha salvo 21 mil vidas[i].
Para além
de reduzir os índices de criminalidade, as UPPs almejaram também “pacificar a polícia”. Não é novidade que a violência
é um traço estruturante das forças de segurança do
estado. Antes das UPPs, a PMERJ matava 1 pessoa para 23
detenções realizadas (para se
ter uma ideia, a média da polícia de Nova York é de 1 para 37.000). Em 2007
foram 1330 casos de homicídios decorrentes de intervenção policial, já em 2013
foram 416. Os números ainda são muito altos (e a tendência é crescente), mas
não deixa de ser relevante que, entre 2003 e 2015, policiais tenham matado 46%
menos em todo o estado, chegando em alguns períodos a atingir quedas de 62% na
capital e 85% nas áreas de UPP.
Desde
2013, oficiais da polícia e tomadores de decisão tem admitido falhas no programa, apontando problemas
no planejamento e implementação, e revelando também equívocos em
sua concepção. Parte das expectativas lançadas
não foram cumpridas e o projeto não atacou alguns dos desafios centrais da
PMERJ, como o corporativismo exacerbado e graves deficiências de gestão.
Segundo a avaliação da própria SESEG, o aumento dos índices de criminalidade e
o assassinato do pedreiro Amarildo de Souza na UPP Rocinha acabaram por “destruir a confiança
dos moradores” e deram
ainda mais espaço para aqueles que denunciavam a “falácia da pacificação”. Basta abrir os jornais para
ver que muitas das favelas ocupadas estão atualmente deflagradas e que em
outras os policiais simplesmente não circulam mais, deixando o território livre
para a atuação das facções criminosas. Dados não-oficiais apontam que, apenas
nos cinco primeiros meses do ano, ao menos 68 pessoas foram mortas em áreas
supostamente controladas. No entanto, o argumento sobre o fracasso do programa
não pode desprezar as múltiplas evidências sobre seu impacto na redução da
violência, nem ignorar as propostas de recrudescimento do uso da força que tem
se mostrado alternativas mais prováveis em caso de colapso das UPPs.
Não
restam dúvidas de que crise atual tem contornos dramáticos. Após repetidas
quedas, os índices de homicídios no estado voltaram a crescer, chegando a 37.6 (por 100 mil
habitantes) em 2016, o maior
patamar desde 2009. Roubos de rua, de veículos e de carga também atingiram
números historicamente altos. Enfatizando aspectos às vezes esquecidos da
violência urbana, a PMERJ lançou uma campanha contra a vitimização policial. O
Coronel Fábio Cajueiro, Chefe do Estado-Maior do Comando de Policiamento
Especializado, produziu um relatório demonstrando que PMs do Rio
morrem mais que tropas militares em muitas guerras. Não é razoável que uma
instituição policial tenha quase 18 mil baixas (mortos e feridos) em 23 anos. O
motivo da campanha é obviamente legítimo, denunciando o que o coronel chamou de
“genocídio particular” enfrentado pelos policiais. O problema é que as soluções
apresentadas são quase todas voltadas para a compra de equipamentos (coletes,
armas pesadas e blindados) e a adoção de legislação mais rigorosa, mais
punitiva. A ideia não é frear os conflitos, mas responder com mais força. A
velha máxima de ganhar da criminalidade escalando os níveis de violência, que
tem resultado na explosão do número de mortes pelas mãos de policiais (178 entre janeiro e
abril, 60% acima do mesmo período no ano passado). Vale ressaltar que o relatório
não traz uma linha sobre os efeitos positivos das UPPs para a redução da
vitimização policial: o número de PMs mortos em serviço chegou a cair de 50 (em
2004) para 9 (em 2011).
No início
de maio, após encontrar o secretário de segurança para negociar o envio de
homens da Força Nacional ao Rio, o general Santos Cruz (ex-comandante das
missões da ONU no Haiti e no Congo e atual secretário nacional de segurança
pública) visitou a sede do BOPE, onde deu a seguinte declaração: “percebi que os policiais estão
bem treinados e motivados para o combate à criminalidade. A ideia é trazer o
nosso efetivo para cá e treinar, antes de eles irem para as ruas. […] O Rio
oferece tanto o local de treinamento, como o pessoal com treinamento de nível
internacional. É uma ilha de excelência. […] Quando se tem a oportunidade de
conhecer as instalações, verifica-se que são centros de excelência”. Quem já
precisou dormir, usar um banheiro ou mesmo acessar a internet em um dos
batalhões da PMERJ provavelmente discordaria dessa última afirmação. Mas o que
mais chama a atenção é que o orgulho do general não é o treinamento para lidar
com cidadãos e resolver conflitos, não é o policiamento comunitário, ou sequer
o setor de análise criminal, que acaba de ganhar ótima ferramenta para fazer seu trabalho, mas sim
a unidade da PMERJ que é “faca na caveira”. Nossa “ilha de excelência” é a
expressão máxima da violência do Estado.
Soma-se a
isso a entrevista do porta-voz da PMERJ, Major Ivan Blaz, ao programa Bom Dia
Rio por ocasião das operações policiais próximas à favela de Acari, que
terminaram com a morte da menina Maria Eduarda no pátio da escola e duas
pessoas executadas no meio da rua. Ao ser confrontado com as cenas de policiais
atirando à queima roupa nos jovens já caídos, o major Blaz adotou tom
apologético. Questionado pelo jornalista se os tiros filmados poderiam ter sido
disparados, o major afirmou: “Quem vive uma realidade de
guerra como a desses policiais, somente estes tipos de agentes podem realmente
te responder. Agora, cabe aos policiais ter uma chave seletora na mente deles,
para que eles sejam uma hora um garantidor de direitos e outra hora um
guerreiro. […] [É] importante que a gente fale que o confronto embrutece as
pessoas e mostra que ali na linha de frente é necessário sobreviver”. Ou seja, dois PMs foram filmados executando suspeitos desarmados
e o major evita dizer categoricamente que se tratou de uma ação criminosa. Até
pouco tempo, denúncias de corrupção e abuso por parte da PMERJ eram seguidas de
declarações oficiais
duras. Mesmo
que, por vezes, não passasse de retórica, já que muitos policiais acabavam não
sendo punidos por desvios de conduta, a polícia demonstrava publicamente a
insatisfação com práticas abusivas. Agora, parece haver enorme receio em
criticar a corporação. Os atrasos nos pagamentos e as péssimas condições de
trabalho são compensadas por um discurso de “PM herói”, que se sacrifica todos
os dias para manter a cidade segura. Sem pagar o 13º salário, o regime
adicional de serviço (RAS) e as bonificações do sistema de metas, não há como
apelar para a consciência republicana da corporação e cobrar postura mais
profissional.
O
acirramento recente do discurso repressivo e as demandas por
intervenções das forças armadas mostram que o programa de
pacificação foi incapaz de superar o “populismo punitivo” disseminado na sociedade
fluminense e transformar a cultura autoritária que rege a polícia. Mas isso não
quer dizer que as UPPs – como estratégia e como símbolo – devam acabar. É
importante apresentar novas agendas para 2018, a começar pela regulamentação
das drogas, mas, no contexto atual, simplesmente abandonar as UPPs e a retórica
que a sustentou arrisca abrir espaço para pautas e práticas mais violentas. Para além de
avaliações acadêmicas sobre o impacto do programa, são necessários balanços
francos e abertos acerca do futuro das UPPs. Precisamos de diagnósticos
compartilhados e pragmáticos para que soluções amplas – nas quais diferentes
setores da sociedade assumam responsabilidade e protagonismo – sejam
articuladas. O cenário atual permite vislumbrar o retorno de estratégias comuns
nos anos 1990, como a “premiação por bravura” e as “gratificações por mérito”,
que se revelaram um consentimento tácito para práticas de
extermínio. É o
momento de proteger os avanços da última década e bloquear retrocessos
recentes. As alternativas almejadas terão bases mais sólidas se construídas a
partir da experiência do programa de pacificação, não a despeito deste.
*Daniel
Edler Duarte é doutorando do Department of War Studies, King’s
College London, e pesquisador visitante no Instituto Igarapé, além de
colaborador da Escuta.
Crédito
das imagens:
Imagem 1-
Disponível em goo.gl/vLZLRb. Acesso em 21/06/2017
Imagem 2-
Disponível em goo.gl/AZDD7Z . Acesso em 21/06/2017
Imagem 3
– André Gomes de Melo. Disponível em imagem. band.com.br . Acesso
em 21/06/2017
Imagem 4-
Antônio Scorza. Disponível
em https://noticias.uol.com.br/album/2013/05/27/para-moradores-complexo-do-alemao-esta-pacificado-so-no-jornal
. Acesso em 21/06/2017
https://revistaescuta.wordpress.com/2017/06/22/sobre-o-fim-das-upps/
Imagem 5
– Ale Silva. Disponível
em https://noticias.uol.com.br/album/2014/03/21/violencia-em-upps.
Acesso em 21/06/2017
Notas:
[i] Por se tratar de um fenômeno
multicausal, determinar relação direta entre uma variável específica e a
redução de homicídios não é tarefa fácil. Alguns autores tem engajado, por
exemplo, no debate sobre o efeito de outras medidas, especialmente o sistema integrado de
metas, para a
queda nos índices de violência do estado. Há controvérsias também em relação ao
aumento do número de casos de desaparecimento nas
regiões de UPP. Alguns
pesquisadores e atores da sociedade civil chegaram a sugerir que a polícia
estaria “fabricando” os resultados sobre queda nos índices de letalidade
violenta (especialmente de homicídios decorrentes de intervenção policial), já
que estes seriam compensados pelo crescimento no número de desaparecidos. Este
argumento ganhou força após o assassinato de Amarildo por policiais da UPP
Rocinha, mas ainda carece de evidências
mais sólidas.
MEU COMENTÁRIO
"Ora,como nos torna pérfidos, manhosos e maus qualquer longa guerra que não possa travar-se utilizando abertamente a força!" (Nietzsche - "Para Além do Bem e do Mal")
"Ora,como nos torna pérfidos, manhosos e maus qualquer longa guerra que não possa travar-se utilizando abertamente a força!" (Nietzsche - "Para Além do Bem e do Mal")
O texto do Doutor
Daniel Edler Duarte tem profundidade acadêmica e é relevante, sem dúvida. Inobstante
o reconhecimento, porém, arrisco-me a dizer que parte do que ele diz baseia-se em dados num país pouco afeito à boa estatística, o que não é culpa dele.
Também se observa, ao final, uma natural tendência, nem tanto acadêmica, em
defender a “pacificação” como contraponto quase único à famigerada “guerra
ao tráfico”, o que acaba por reduzir um assunto complexo a uma fórmula simples
do “é assim ou é assado”. Porém, não significa esta crítica nenhuma intenção de
desmerecer o importante estudo levado a efeito pelo autor, cujo currículo é
respeitável e ao qual me rendo. Entretanto, é necessário lembrar que o controle
da violência e do crime não se resume a ações de polícia administrativa, no
caso do RJ a ações unívocas da PMERJ, que tem sua missão fraturada desde a Carta Magna, cabendo
a outros órgãos de segurança pública muitas ações neste campo específico,
talvez até mais relevantes que o mero policiamento ostensivo realizado diuturnamente
pela corporação militar estadual, tendo como prioridade a prevenção
e excepcionalmente a repressão de delitos visíveis, geralmente
atalhados em flagrantes ou em bem-sucedidas perseguições após o fato criminoso já ocorrido ser
comunicado à Central de Operações, demandando daí a maioria das ações
operacionais da corporação (bem mais policiais e não operativas, do tipo militar). Enfim, esta é a regra, ficando
as tropas especiais, estas sim, notadamente operativas, com as exceções mais
graves, ou seja, com o que conhecemos como “guerra ao crime”: BOPE, BPChoque
etc. Mas é bom lembrar que a atividade de polícia administrativa predominante é
ou deveria ser a dos batalhões operacionais espalhados por todo o RJ, tendo
como missão precípua a prevenção pela presença ostensiva nas ruas e logradouros
e a repressão como exceção a esta regra geral da prevenção. Implica tal labor
em distribuir com máxima frequência o patrulhamento, tendo como base do
planejamento (Plano Geral de Policiamento - PGP) as áreas mais críticas,
segundo diagnósticos constantes efetuados pelos setores de Inteligência (E.2) e
Operações (E.4), salvo pequenas correções de nomenclatura. Para tal desiderato,
e por uma questão de lógica operacional, a quantidade é relevante, o que não
significa abominar a qualidade.
É importante fixar
este raciocínio quantitativo (longe de ser panaceia para todos os males do
crime) para fazer justiça à excelência do conteúdo produzido pelo Doutor Daniel
Edler Duarte, que, porém, e assim como o meu comentário, não representa nenhuma
verdade absoluta neste mundo em que tudo é relativo, sendo certo que não existe
segurança absoluta em lugar algum do planeta, nem nos regimes mais fechados nem
nos mais civilizados. Tudo, enfim, é relativo, o ato de viver por si só é um
risco, não sendo demais relembrar que a própria Carta Magna, no caput do seu Art. 144, distribui
responsabilidades e deveres a todos os cidadãos brasileiros (responsabilidades)
e a suas instituições estatais (deveres). De modo que não será a PMERJ capaz de
preencher todas as lacunas referentes ao controle direto ou indireto da
violência e do crime, deste modo garantindo uma ordem pública absoluta no seu
campo material (SER) ou formal (DEVER SER). No fim de contas, junto com ela, a
PMERJ, em concomitância, no âmbito restrito do Estado-membro, há de se
considerar de modo relevante e contundente a ação da polícia judiciária, missão
constitucional da PCERJ, organismo que responde com exclusividade pela
investigação criminal, exceto no caso de crimes militares. Sim, a elucidação de
crimes é, segundo ideia corrente entre os estudiosos do crime, uma garantia de
punição. Se o crime é, sob a ótica de Manuel López Rey, inerente ao ser humano, tal
como o amor e o ódio, ou seja, uma espécie de “sentimento”, não há como admitir
uma sociedade humana sem a sua insidiosa presença. Daí ser relevante a
investigação criminal para elucidação dos delitos não alcançados pela vigilância
da polícia administrativa, único meio de diminuir a sensação de impunidade,
principal mola propulsora do crime em geral. Pois enquanto a polícia
administrativa inibe a oportunidade de o delinquente, que sempre existe no
ambiente social, perpetrar seus crimes, à polícia judiciária incumbe inibir a
vontade deste delinquente de agir impunemente. A certeza da punição, enfim, é a
maior garantia de controle da violência e do crime, isto numa visão restrita,
pois há outros subsistemas do sistema de segurança pública que também devem se
fazer presentes em concomitância (subsistema carcerário, subsistema Ministério
Público, subsistema Justiça Criminal, subsistema Defensoria Pública, subsistema de leis penais etc.).
Enfim, imaginar num ambiente social, seja ele amplo (todo o RJ) ou restrito
(uma favela), a possibilidade de a PMERJ sozinha, – com UPPs ou com ações repressivas
eventuais de tropas especiais ou de batalhões (não há nenhuma ação preventiva
em favelas quando a ação parte de fora para dentro), – controlar a violência e
o crime, é afundar-se em areia movediça. E foi o que a PMERJ fez ao instituir o
modelo utópico das UPPs.
Uma visita ao meu
blog provará que critico as UPPs desde o seu nascedouro, porém sempre
preservando os dignos profissionais do setor e tentando compreender a iniciativa até capitular diante do fracasso desse modelo operacional. Não que eu tenha sido contrário à
ideia da ocupação “pacificadora” (entre aspas porque não pacificou nada).
Aliás, as UPPs apenas reeditaram com nomenclatura nova um modelo de
policiamento em zona urbana ou urbanizada que a PMERJ designava como PPC (Posto
de Policiamento Comunitário), nos bons tempos em que as favelas não eram
dominadas por quadrilhas de traficantes. Destaco aqui, como exemplo, o PPC de
Vigário Geral e Parada de Lucas, plantado na fronteira interna das duas favelas
que sempre acolheram facções inimigas (Terceiro Coamando –TC – em Parada de Lucas
e Comando Vermelho – CV – em Vigário Geral). O PPC se situava ao lado de um CIEP
que até hoje parece peneira de tanta marca de balas. A guerra entre essas
facções obrigou a PMERJ, nos idos do primeiro período de brizolismo
(1983-1987), a simplesmente fechar as portas do referido PPC, gesto que se
repetiu muitas vezes daí em diante. Ou seja, como diz o ditado, “nada de novo
sob o sol”, a UPP é reedição do PPC, e hoje se vê questionada tanto como o eram
os PPCs, que desapareceram em função do recrudescimento do tráfico em favelas. A
diferença é que o PPC nunca foi badalado como a UPP, pois esta (a primeira surgida
ao acaso no Morro Dona Marta, conforme confessa o próprio Beltrame em livro sobre
a sua vida),
esta já enfrenta hoje tiroteios entre facções rivais, mesmo problema que na
época fez o comandante do 2º BPM (Cel PM Albuquerque) ocupar a favela com
numeroso aparato, lá permanecendo até o governante Sérgio Cabral aparecer para
inaugurar uma creche, o que fez transcorrer dias e mais dias de calmaria na
favela, assim despertando no secretário Beltrame a ideia de tornar a paz no
morro uma realidade permanente. O resto da história eu conto e reconto no meu blog...
No contexto mui bem
explorado pelo Doutor Daniel Edler Duarte, eu me situo entre os críticos da
concentração de efetivos em detrimento do policiamento geral, que deve ter
máxima frequência preventiva para inibir a oportunidade de o delinquente
praticar seus delitos, sendo a repressão uma exceção àquela
regra geral e precípua da prevenção. Pois assim reza a Doutrina do Direito Administrativo
da Ordem Pública, sublinhando-se Alvaro Lazzarini como um dentre tantos outros
baluartes do Direito Administrativo que pensam como ele e com ele se alinham num
livro editado pela PMERJ (Direito Administrativo da Ordem Pública - Forense) pelos
idos de 1983 ou anos seguintes: Caio Tácito, Helly Lopes Meireles, Diogo de Figueiredo
Moreira Neto e outros estudiosos do mesmo naipe, com minhas escusas por não
mais possuir um exemplar, este que, todavia, pode ser resgatado via Google.
Nestes termos,
então, e para não me alongar, devo primeiramente agradecer ao Doutor Daniel Edler
Duarte pela magnífica contribuição que dá ao tema, também parabenizando-o, pois
a excelência do seu trabalho me obriga a mantê-lo vivo no meu blog para
conhecimento dos meus leitores, eis a razão deste meu modesto comentário.
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