terça-feira, 31 de janeiro de 2017

O Fracasso das UPPs



“Existem objetos como as rochas e os abridores de latas, que simplesmente existem e podem ser completamente explicados por uma lista de suas propriedades. E existem coisas que somente podem ser explicadas contando uma história. Para as coisas do segundo tipo, uma simples descrição nunca é suficiente. Uma história é a única descrição adequada para elas, porque entidades como as pessoas e as culturas não são de fato coisas, mas sim processos que se desenvolvem no tempo.” (Smolin, Leo – Três Caminhos Para a Gravidade Quântica)

Muito se há de falar sobre o fracasso das UPPs, já até publicamente admitido por muitos acadêmicos que nelas apostavam com o vigor de suas sapiências. Mas também, diante de tantas desculpas oficiais (não mais defesas), devo argumentar o seguinte: o labor da PMERJ como polícia administrativa de manutenção da ordem pública (precipuamente preventiva e excepcionalmente repressiva), deve sempre partir do ambiente geral (estratégico), passando pelo ambiente intermediário (tático), até alcançar o ambiente específico (operacional), em meticuloso mapeamento ambiental, como nos ensina a Teoria Geral da Administração* e mais particularmente sua Teoria Contingencial**.

Restringindo o raciocínio à atividade-fim da corporação, no ambiente geral (missão do Comando-Geral e de seu Estado-Maior) e nos ambientes intermediários (atuação dos Comandos de Área e de Unidades Especiais) os meios operacionais da corporação (materiais e humanos) se distribuem conforme diagnósticos que fixem situações e pontos mais sensíveis à ação dos marginais (ambientes de tarefa das unidades operacionais voltadas para o controle direto da criminalidade). Enfim, a PMERJ deve funcionar como um supersistema subdividido em sistemas e subsistemas interagindo, interatuando e se interdependendo entre si e com o ambiente. Não pode e não deve, portanto, funcionar como um elevador, subindo e descendo no mesmo lugar, ignorando os imperativos ambientais e tecnológicos.

Em sendo a PMERJ um sistema social aberto (?), haveria sempre de haver diagnósticos (mapeamento ambiental) em processo dinâmico e atual de acompanhamento dos índices de criminalidade e dos demais fatores estratégicos, táticos e operacionais, que são multivariados e multifacetados. Desse emaranhado de informações resultariam planejamentos e replanejamentos constantes, e ações a eles ajustadas e reajustadas. Aí sim, o patrulhamento seria distribuído e redistribuído pelas unidades operacionais em suas específicas áreas de atuação, com indispensável interface entre todos os sistemas e subsistemas fracionados, de modo que esta movimentação seja “globalística” (“o todo maior que a soma das partes”). Não afirmo que a PMERJ não tenha tudo isso no papel, que não possua planos elaborados nos três níveis (Estratégico, Tático e Operacional). Mas, ao que me parece, esta importante retaguarda conceitual foi e continua sendo atropelada pelos volumosos acontecimentos políticos e criminosos...

Neste sonhado conjunto harmonioso e sinérgico é que vislumbramos a segurança pública como garantia da ordem pública, o que se dá por meio de ações de defesa pública direcionadas a toda a população, sem privilégios nem discriminações. Por conseguinte, concentrar efetivos em áreas restritas, como privilégio, é o inverso da lógica do patrulhamento ostensivo geral, que é a da prevenção pela presença ostensiva e pulverizada no seu máximo, mas com possibilidade de rápida concentração para fazer frente às adversidades.

Dentro desta lógica dinâmica e complexa de seletividade do uso da força, estagnar efetivos e ampliá-los em momentos posteriores, demonstrando fraqueza em todos os sentidos, tudo para manter os privilégios adotados a toque de sino (assim forjaram as UPPs), tudo isto resulta como contrapartida a discriminação de outros ambientes, que ficam quase vazios de policiamento, assim desmerecendo a função primordial da corporação na garantia da ordem pública: a prevenção pela presença. Demais disso, ainda é o privilégio uma aberração diante da Constituição do RJ:

“Art. 9º - O Estado do Rio de Janeiro garantirá, através da lei e dos demais atos dos seus órgãos e agentes, a imediata e plena efetividade dos direitos e garantias individuais e coletivos, mencionados na Constituição da República, bem como de quaisquer outros decorrentes do regime e dos princípios que ela adota e daqueles constantes dos tratados internacionais firmados pela República Federativa do Brasil.

§ 1º - Ninguém será discriminado, prejudicado ou privilegiado em razão de nascimento, idade, etnia, raça, cor, sexo, estado civil, trabalho rural ou urbano, religião, convicções políticas ou filosóficas, deficiência física ou mental, por ter cumprido pena nem por qualquer particularidade ou condição. [...]

Ressalvado o fato de que o governante que assim agiu, ao atropelo da Carta Estadual, está no xilindró por coisas piores, não é por outra razão que a corporação deveria somente concentrar efetivos para atender a grandes eventos (carnavalescos, artísticos, desportivos, religiosos etc.) de curta duração. E imediatamente retornar aos seus ambientes de tarefa  (ao “feijão com arroz”) dentro da ótica já ensinada por Henry Ford: “O que deve ser feito deve ser bem feito”.

Para situações especiais, que demandam a concentração inevitável de grandes efetivos, e para evitar surpresas, existem as tropas especializadas (BOPE, BPChoque, BPRv, BPVE, RPMont etc.). A PMERJ é, portanto, um conjunto harmônico que funciona ou deveria funcionar como um elástico, mas que as UPPs, por culpa de idiossincrasias político-eleitoreiras, desarmonizaram deveras, perdendo a corporação boa parte de sua elasticidade operacional nos últimos anos; e o preço desse fracasso tem sido a perda de muitas vidas humanas, em especial a matança generalizada de PMs durante o serviço ou fora dele...

Enfim, além de ser policiamento privilegiado, motivo suficiente para ser extinto, por ordem política contrária ao imperativo constitucional em sublinha as UPPs foram enfiadas goela abaixo de quatro dezenas de favelas sem consulta prévia às comunidades. E, pior, num só ambiente intermediário (Capital), este, que abriga centenas comunidades semelhantes. Talvez por isso esta inusitada concentração de força, atuando num perigoso vai e vem entre a prevenção e a repressão, não foi capaz de suplantar o poderio dos traficantes.

Na verdade, instituiu-se uma estranha convivência no ambiente favelado, com os cidadãos ordeiros, que, se antes temiam o bandido durante as 24 horas do dia, agora temem a PMERJ em tempo integral, pois a tal “pacificação” não aconteceu, inobstante os esforços e as “maquiagens midiáticas”, dispensando-se aqui mais exemplos letais desse fracasso operacional que arrasta importante percentual de um efetivo da corporação que poderia estar enchendo as ruas e logradouros, assim minimizado a absurda escalada dos assaltos com morte de civis e policiais.

A realidade é que, por questão cultural, a ação da PMERJ em favelas dominadas por traficantes é invariavelmente repressiva e geralmente concretizada em máxima coerção. Daí é que a presença permanente da PMERJ no ambiente favelado vem incomodando mais que protegendo. Neste caso, o cidadão até manifesta sua insatisfação, embora timidamente. Já no caso da presença de traficantes, nem pensar reclamar; se o fizer, morre. O resto é falácia habilmente alardeada por políticos e academicistas a serviço duma tal “mídia progressista” sem compromisso com a real situação ambiental, que é a de rotineira perturbação da ordem pública, isto no mínimo, atingindo muitas vezes a grave perturbação da ordem pública. Eis um paradoxo, pois a PMERJ deveria estar nesses ambientes não como protagonista do caos, mas como sua solução, que, no momento atual, reflete-se como “missão impossível”.

Não digo que a experiência das UPPs não fosse pelo menos tentada, porém não na velocidade e no atropelo com que foram implantadas para atender a pressões políticas e midiáticas em vista da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Aliás, muitas vezes o “policiamento comunitário” foi efetivamente aplicado em favelas, mas com outras denominações indicando a mesma intenção de “integração comunitária”, como, por exemplo, o Posto de Policiamento Comunitário (PPC), que existia com a mesma finalidade das UPPs e estão praticamente extintos em vista da segurança física do próprio PM colocado em inferioridade de forças diante dos bandidos. E finalmente surge a UPP, nada mais que um “PPC” ampliado e de nome pomposo.

Inegável o seu fracasso, a questão é que a PMERJ criou, neste último invento, uma situação aparentemente sem retorno, e aí reside o mal, pois recuar é preciso, nem que seja para recomeçar com novos conceitos extraídos desta fracassada vivência operacional. Tal situação, nascida ao acaso e mantida no âmbito de sucessivas apostas mais que subjetivas, como as que vemos em cassinos, faz também lembrar R. I. Moore:

“(...) a transição de uma ‘sociedade segmentar tradicional para outra governada pelo Estado implica uma mudança na definição de criminalidade’, que deixa de ser encarada como um delito contra indivíduos ou grupos específicos, para passar a ser vista como um delito contra uma abstração, como ‘o interesse público’. De qualquer maneira, ampliar a definição de perigos para súditos ou cidadãos, e torná-la cada vez mais abstrata, proporciona uma justificativa para que se desenvolva um aparelho para conter o que é percebido como ameaça desse tipo.” (R. I. Moore, in The Formations of a Persecuting Society – Oxford, Blackwell)


*Chiavenato, Idalberto – Introdução à Teoria Geral da Administração – sétima edição – Elsevier Editora – Rio de Janeiro – 2004. 

** A Teoria Contingencial da Administração aponta que tudo é relativo (se-então), nada é absoluto, tudo é sistema, subsistema, multissistema etc., conforme a vontade de quem planeja. Daí é que não é inválido situar também o ambiente intermediário, embora às vezes ele seja desnecessário, como entendo ser o caso da PMERJ, onde esse desdobramento foi feito para acomodar o excesso de oficiais superiores com a superposição de cargos e funções que já existem no Estado-Maior e nas Unidades Operacionais.

3 comentários:

PAULO FONTES disse...

CARO COMPANHEIRO CORONEL PMERJ LARANGEIRA
ESTA PUBLICAÇÃO É UMA AULA, E COMO TAL A ENCARO TRATAREI DE APRENDER
SAUDAÇÕES
PAULO FONTES

PAULO FONTES disse...

CARO COMPANHEIRO CORONEL PMERJ LARANGEIRA
VOU ME VALER DA VISIBILIDADE DO SEU BLOG E POSTAR UM COMENTÁRIO A RESPEITO DO SUICÍDIO EM REDE SOCIAL, AO VIVO, DO SOLDADO PMERJ DOUGLAS DE JESUS VIEIRA, OCORRIDA SÁBADO PP.

JORNAL EXTRA ON LINE
31 janeiro 2017
Dívidas agravaram quadro de PM que transmitiu suicídio ao vivo
Luã Marinatto
Na equação que antecedeu o suicídio do PM Douglas Jesus de Oliveira, que transmitiu ao vivo a própria morte na internet, no último sábado, é impossível, para parentes e amigos, apontar um único motivo. Entre a perda da avó, um processo de separação e voltas com a mãe da filha de pouco mais de 1 ano e os atrasos de salário, porém, duas questões agravadas nas semanas anteriores à tragédia surgem como hipóteses prováveis, para os mais próximos do soldado, de 28 anos: devido à falta de dinheiro, ele havia intensificado o trabalho como segurança nas horas vagas; além disso, a transferência do 9º BPM (Rocha Miranda) para o 24º BPM (Queimados), bem mais longe de casa, cerca de 20 dia.
COMENTÁRIO:
NEM MESMO OS MAIS FAMOSOS AUTORES DAS MAIS ATERRORIZANTES HISTÓRIAS DE TERROR DA HISTÓRIA COMO EDGAR ALLAN POE(O CORVO), William Peter Blatty( O EXORCISTA) E STEPHEN KING ( O ILUMINADO),PODERIAM IMAGINAR QUE ESSA TERRÍVEL TRAGÉDIA DE HORROR OCORRIDA AQUI NO RIO DE JANEIRO, PODERIA SER MESMO REALIDADE .
É INACREDITÁVEL QUE UM JOVEM SOLDADO POSSA SER LEVADO A UM NÍVEL DE ANGÚSTIA, DESCONTROLE EMOCIONAL. STRESS, DEPRESSÃO, ETC, A PONTO DE COLOCAR UM TÊRMO A SUA PRÓPRIA VIDA, TUDO ISSO COMPARTILHADO NAS REDES SOCIAIS EM TEMPO REAL, A QUE EU SAIBA, O PRIMEIRO CASO NO MUNDO , PELO MENOS DE POLICIAL.
E PIOR, TAMANHA TRAGÉDIA NÃO COMOVE A MAIS NINGUÉM, NEM MESMO AQUELES PROFISSIONAIS QUE COSTUMAM SE DEBRUÇAR E ESTUDAR CASOS RAROS DESSE TIPO, TAIS COMO PSIQUIATRAS, PSICÓLOGOS, ANTROPÓLOGOS, SOCIÓLOGOS, ETC.
QUEM SÃO OS RESPONSÁVEIS QUE CONCORRERAM DIRETA OU INDIRETAMENTE PARA O DESFECHO TRÁGICO QUE MATOU O SOLDADO PMERJ DOUGLAS DE JESUS VIEIRA: A INSTITUIÇÃO PMERJ, A FAMÍLIA, OS MÉDICOS QUE O LIBERARAM, O ESTADO QUE NÃO PAGOU OS SALÁRIOS DEVIDOS EM DIA, O PROCESSO DE DIVÓRCIO PELO QUAL ESTAVA PASSANDO?
OU SERÁ QUE ELE É O ÚNICO RESPONSÁVEL PELA SUA PRÓPRIA MORTE!
SÃO PERGUNTAS QUE DIFICILMENTE SERÃO RESPONDIDAS, SERÁ MAIS UM CASO DE BANALIZAÇÃO DA MORTE DE UM PROFISSIONAL DA SEGURANÇA PÚBLICA QUE CAIRÁ NA VALA COMUM DO ESQUECIMENTO, POIS ELE NÃO CONTA, É MAIS UMA PEÇA DE REPOSIÇÃO DA ENGRENAGEM QUE MASSACRA CARNE, OSSOS E ALMAS, SEM SE IMPORTAR COM NADA MAIS QUE NÃO SEJA A PRÓPRIA ENGRENAGEM.

PAULO FONTES TENENTE CORONEL PMERJ RR

Anônimo disse...

Emir disse:

Agradeço a deferência prezado amigo! Para mim é uma honra o seu elogio.