quarta-feira, 26 de outubro de 2016

VIOLÊNCIA URBANA NO RIO DE JANEIRO – JORNAL EXTRA: MORTOS POR INTERVENÇÃO POLICIAL ENTRE 2010 E 2016



G1 RIO

26/10/2016 06h22 - Atualizado em 26/10/2016 06h22
Rio soma quase 4 mil homicídios por intervenção policial entre 2010 e 2016

De janeiro a agosto de 2016, houve 18% mais mortes que período em 2015.

Nova cúpula da Segurança promete redução da letalidade de civis e policiais.

Henrique Coelho*




A disparada dos indicadores de violência no Estado do Rio em 2016 tem nos homicídios decorrentes de intervenção policial alguns de seus números alarmantes. Em 2016, entre janeiro e agosto, foram mais de 544. O número é 18% maior do que a quantidade de casos no mesmo período de 2015, quando foram computados 459 casos.
Estamos fazendo um estudo para diminuir a vitimização de policiais como de civis (...) Temos que ter em mente que quem enfrenta a polícia corre o risco de morrer" (Coronel Wolney Dias, comandante-geral da PM)
O levantamento do G1 foi feito com base em estatísticas do Instituto de Segurança Pública (ISP). Entre janeiro de 2010 e agosto de 2016, houve 3.985 autos de resistência, uma média de 50 por mês.
Durante sua posse, no último dia 17, o novo secretário de segurança, Roberto Sá, afirmou que um dos objetivos é a redução da letalidade. Na terça-feira (25), o novo comandante-geral da Polícia Militar, Wolney Ferreira Dias, declarou durante sua posse que a corporação trabalhará para diminuir mortes de policiais e de civis.
"Estamos fazendo um estudo para diminuir a vitimização de policiais como de civis. Vamos ter o apoio da DH. O policial militar não pode morrer", disse ele. Ao ser perguntado sobre o aumento de mortes também de civis, Wolney respondeu: "Temos que ter em mente que quem enfrenta a polícia corre o risco de morrer".
Por trás dos números das estatísticas estão muitas mortes de criminosos em confrontos, mas também há casos de inocentes atingidos por engano ou por erros de policiais.
O taxista Carlos Silva de Souza, por exemplo, jamais vai esquecer o dia 28 de novembro de 2015, quando seu filho foi atingido por 11 tiros disparados por policiais do 41º BPM (Acari) contra o carro em que estava com outros quatro amigos (veja o depoimento no vídeo acima).
O crime aconteceu em Costa Barros, na Zona Norte do Rio. Meses depois, ele contou ao G1 que chegou a tentar o suicídio na Ponte Rio-Niterói, após ter deixado uma das filhas com a família na Região dos Lagos.
Os casos na área do batalhão responsável pela área de Costa Barros chegaram a 72 até agosto de 2016, contra 71 em todo o ano de 2015.


Parentes e amigos comparecem ao velório dos cinco rapazes assassinados pela PM do Rio de Janeiro na tarde do último domingo (29), no Cemitério de Irajá (Foto: Coelho/FramePhoto/EstadãoConteúdo)

O filho do taxista era Carlos Eduardo Silva de Souza, de 16 anos. As outras vítimas foram Wilton Esteves Domingos Júnior, de 20 anos; Wesley Castro Rodrigues, de 25; Roberto Silva de Souza, de 16, e Cleiton Corrêa de Souza, de 18.
Carlos Eduardo havia recebido seu primeiro salário e havia ido comemorar o fato no Parque Madureira. Quando chegou em Costa Barros, foi atingido por vários tiros. "O maxilar do meu filho ficou destruído", lembra o pai. Os jovens foram enterrados sob grande comoção.
Os PMs Fabio Pizza Oliveira da Silva, Antônio Carlos Gonçalves filho, Thiago Resende Viana Barbosa e Marcio Darcy Alves dos Santos respondem pelos crimes de homicídio qualificado e fraude processual. Eles foram presos no dia seguinte ao crime e assim permaneceram até junho de 2016, quando foram soltos através de uma liminar no Superior Tribunal de Justiça.
Em agosto, no entanto, o Ministério Público recorreu e a Justiça determinou a volta para a prisão dos quatro policiais.
"Existem bons policiais. Mas esses são assassinos de farda. Eu tenho fé que antes de eu morrer, o juiz vai bater o martelo e eles vão responder pelo que fizeram", afirma Carlos Henrique, que disse que pretende fazer uma homenagem ao filho e às outras vítimas de Costa Barros. "Eu particularmente estou querendo mais que ele ganhe o nome dele é dos amigos dele numa escola", contou.

Morte em Manguinhos

Outra família que compõe a estatística das mortes por erros em intervenção policial é a de Johnatha de Oliveira Lima. Ana Paula Oliveira, mãe dele, diz que a morte de seu filho, em Manguinhos, em 2014, aconteceu em situação semelhante a dos jovens de Costa Barros.
Johnatha andava pela comunidade quando, segundo testemunhas, uma confusão entre policiais da UPP e moradores resultou em tiros disparados pela polícia. Moradores reclamam de atuação truculenta dos agentes. Uma bala de pistola atingiu Jonatha nas costas, e ele chegou já sem vida à UPA de Manguinhos. Em nota na época, a PM afirmou que "Jonathan (sic) foi autor de disparos de arma de fogo contra a sede da UPP."
"Ele tentou se proteger da confusão e o tiro da pistola de um policial acertou ele. Eu não conseguia entender porque um policial tinha atirado nele, e não conseguia acreditar que ele tinha morrido. Era um pesadelo", relata ela.
Um cunhado de Ana Paula foi à 21ª DP (Bonsucesso) para registrar o crime, e foi informado que os PMs queriam registrar o caso como auto de resistência. "Isso revoltou ele, e a mim também. Eles agem assim porque têm a certeza da impunidade", afirmou ela.
O caso de Jonatha atualmente tramita na 3ª Vara Criminal, com um PM da UPP Manguinhos como réu. "A Justiça muitas vezes acaba julgando as vítimas e os réus ficam lá com cara de quem sofreu como vitima. O judiciário não faz o seu papel. Mas eu luto por justiça. É o mínimo que eu espero para quem teve seus entes queridos arrancados dessa forma", diz ela.

Alta a partir de 2014

O mês de agosto é usado como referência porque é o último que aparecia nos registros do Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ) até esta terça-feira (25). Em todo o ano de 2015, segundo dados do próprio instituto, foram computados 644 casos, registrando uma alta preocupante nos últimos três anos.
Em 2010, a década se iniciou com 855 registros. Em 2011, ocorreu uma diminuição de 52% dos casos, com o número chegando a 523. Em 2012 e 2013, os números pouco variaram, ficando em 419 e 416 casos, respectivamente. Em 2014, no entanto, houve um aumento de 40%, com o registro de 584 autos de resistência.
Houve algumas tentativas de redução de uso da força, mas essas tentativas continuam sendo experimentais, pilotos. Isso deveria ser uma das prioridades"
Ignácio Cano, sociólogo
Na capital, os casos chegaram a 283 de janeiro a agosto de 2016, 24% a mais do que no mesmo período de 2015, quando foram 227 homicídios.
O sociólogo Ignácio Cano, do laboratório de análise da violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, diz que um dos grandes desafios do Rio na atual crise da segurança no Estado é trabalhar para diminuir o uso da força letal.
"Houve algumas tentativas de redução de uso da força, mas essas tentativas continuam sendo experimentais, pilotos. Isso deveria ser uma das prioridades", explicou. Segundo Cano, é necessário mudar o foco do combate às drogas para a diminuição de confrontos em favelas. "O Ministério Público tem que melhorar a fiscalização, o judiciário tem que fazer o seu papel, além do controle interno das próprias corporações, principalmente com relação ao uso da munição", avalia ele.
A CPI dos Autos de Resistência da Assembleia Legislativa do Rio teve seu relatório final aprovado em julho de 2016. Em seu relatório final, a Comissão pediu a responsabilização de todas as instituições envolvidas na segurança pública.

Mudanças no formato de investigação

Em fevereiro de 2016, as divisões de homicídio começaram a investigar os casos de homicídios decorrentes de intervenção policial.
Além de prometer que pelo menos 90% das investigações teriam reprodução simulada, a Polícia Civil planejava um levantamento entre 2012 e 2015 para investigar todos os casos pendentes nas delegacias distritais.
As investigações passaram a ocorrer em sete áreas Integradas de Segurança Pública (AISPs). Na capital, passaram a ser registrados na DH Capital os casos na área das 5ª AISP (1ª, 4ª, 5ª e 7ª DP), 6ª AISP (19ª e 20ª DP),  18ª AISP (32ª e 41ª SP) e 23ª AISP (11, 14 e 15 DP). Na Baixada Fluminense, passaram ser registrados na DHBF os casos da 21ª AISP (64ª DP) e 34ª AISP (65ª, 66ª e 67ª DP). Já em Niterói, na Região Metropolitana, a DHNSGI assumiu os registros da 12ª AISP (76ª, 77ª, 78ª, 79ª, 81ª e 82ª DP).
De acordo com informações da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), analisando os números de homicídios decorrentes de intervenção policial nas AISPs 21 e 34, de sua atribuição, houve uma redução de aproximadamente 18% destes casos. 
A Chefia de Polícia Civil, no primeiro semestre deste ano, estabeleceu uma Força Tarefa na 39ª DP (Pavuna) e 40ª DP (Honório Gurgel) para priorizar investigações de homicídios decorrentes de intervenção policial.
De acordo com informações da 40ª DP, desde a implementação da referida força tarefa, 85% dos procedimentos que existiam na unidade já foram concluídos. Com relação à 39ª DP, se verificou que, nos últimos três meses, 20% das investigações foram concluídas. A unidade informou também que foi dedicada uma equipe com Delegado e agentes para apurar tais fatos.

*Colaborou Marco Antônio Martins

MEU COMENTÁRIO


A matéria do G1 Rio, da lavra do jornalista Henrique Coelho, com a colaboração do eminente Jornalista Marco Antônio Martins, representa mais um importante registro histórico da violência no Rio de Janeiro num período em que o ufanismo estatal vinha vindo a indicar o contrário: um Rio de Janeiro “pacificado”.


Para variar, o foco prende-se às vítimas civis (bandidos ou não), ignorando-se a vitimização de PMs cujo número não é menos assustador. Mas parece que isto não interessa à sociedade, que acaba sendo influenciada pela ideia de que morrer para o PM não passa de obrigação. Ou seja, ele não tem o direito de viver como todo ser humano, de ser feliz como qualquer mortal que só se lembra da morte quando ela chega naturalmente ou nem a sente quando ela ocorre abruptamente em acidentes. Já o PM não. Ele sabe diariamente que aquele poderá ser seu último serviço e seu último suspiro, e vive angustiado ao ver sua despensa vazia, as contas atrasadas, os filhos pequenos chorando ante o prato muitas vezes repetido da alimentação de véspera. E os filhos saem ao colégio público, ficando a mãe no seu desespero de sempre, orando para o marido voltar e vivenciando a permanente apreensão, tanto como ele ou mais que ele.


Realmente o PM, durante o serviço, se vê obrigado a se defender para viver e assim culmina matando bandidos em justa reação. E nesta contenda cruel morrem crianças postas pelo amargo destino na linha de tiro; morrem adultos inocentes, que além de amargarem a tirania do tráfico nas favelas ainda choram seus mortos precoces. Também essas pessoas, tais como os PMs, acordam imaginando a possibilidade de aquele ser seu último dia ou o fim trágico de algum parente ou amigo. Enfim, são vítimas do banditismo do tráfico tanto quanto os PMs, não importando de que arma saiu o tiro. Pois, nesta história, o vilão único é o traficante, que não teme a morte e muito menos as leis vigentes. São eles os reais inimigos do Estado e da Sociedade, que, na ótica de Jean-Jacques Rousseau, em seu Contrato Social, deveriam ser eliminados.


Em contrário, porém, os traficantes são aplaudidos por seus viciados-clientes e por todas as pessoas que na favela vivenciam uma espécie de “Síndrome de Estocolmo”. E pior: os traficantes são considerados pelos “progressistas” como “vítimas da sociedade”, gentes sem mobilidade social, sendo os PMs os autênticos vilões na ótica dos que não têm vivência do problema por estarem distantes dele como aquele espectador a apreciar peixes doirados e coloridos nadando em aquário. Haja paciência!

Cabe aqui sugerir aos estudiosos que a PMERJ não mais combata o tráfico em favelas, deixando tal labor para a Polícia Federal, já que as drogas e as armas vêm do exterior; ou deixar com a Polícia Civil, em vez de investigar PMs, a tarefa de investigar e singularizar cada traficante integrado aos enormes bandos armados que já nos acostumamos a ver em produções independentes que circulam à larga na internet. Porque, na verdade, a identificação do traficante pelo PM costuma ser depois de este receber seus tiros e conseguir se proteger para revidar, o que garante uma singularização perfeita do bandido, sem erro de pessoa. Mas isto não elimina o perigo da bala perdida, esta que, por sinal, jamais sai da arma do traficante.


Falo sério! A PMERJ poderia passar um mês sem realizar qualquer operação em favelas, para, afinal, sabermos qual seria o saldo de mortes sem a sua participação nesses impertinentes e absurdos combates. E assim, sem amargar nenhuma morte de PM, a corporação daria chance aos policiólogos (o neologismo não é posto aqui como pejorativo) de avaliar se o melhor é a PMERJ não combater o tráfico em favelas como paranoia cotidiana. Quem sabe assim morreriam menos inocentes, dentre eles os PMs?...



O G1 de hoje traz matéria que aponta o número de policiais-militares feridos e mortos. Confiram: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/10/imagens-mostram-suspeitos-de-matar-pm-em-assalto-dentro-de-loja-no-rio.html




Um comentário:

anderson Caldeira disse...

Abordagem interessante.....para se pensar!!!